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O presidente francês, Emmanuel Macron, discursa durante uma recepção para os prefeitos da França no Palácio Presidencial do Eliseu em Paris, França, 15 de setembro de 2022.
O presidente francês, Emmanuel Macron, discursa durante uma recepção para os prefeitos da França no Palácio Presidencial do Eliseu em Paris, França, 15 de setembro de 2022.| Foto: EFE

Uma forte discussão pública sobre o fim da vida foi desencadeada na França depois que o presidente Emmanuel Macron anunciou uma "convenção dos cidadãos" há quinze dias para considerar a possibilidade de legalizar o suicídio assistido e a eutanásia. Entre as reações à iniciativa, alguns destacam que o acesso universal aos cuidados paliativos deve ser garantido em primeiro lugar, conforme determina a legislação vigente.

No último ano e meio, a eutanásia foi legalizada na Espanha, e o parlamento português aprovou um projeto semelhante que foi vetado duas vezes pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa e se encontra agora em fase de reformulação. O debate também surgiu na América Latina.

A França, até agora, havia descartado essa possibilidade com a chamada Lei Leonetti, aprovada quase por unanimidade em 2005, sobre o direito de pacientes terminais serem tratados sem "insistência terapêutica".

A eutanásia parecia na França assunto resolvido, apesar da permanência de posições radicais. Em 2016, a Lei Leonetti foi reformada, e a versão atual, conhecida como Claeys-Leonetti, também fruto de um grande consenso parlamentar, foi precedida por um longo debate, no qual as propostas de eutanásia não tiveram sucesso.

Mas, nas idas e vindas de sucessivas leituras na Assembleia e no Senado, foi adotada uma redação que permitiu diferentes interpretações da distinção entre meios terapêuticos extraordinários – que podem levar à “distanásia” – e alimentação e respiração artificial essenciais para a manutenção da saúde e da vida.

De qualquer forma, em uma consulta aos cidadãos ao longo do primeiro semestre de 2018, conhecida como Estados Gerais da Bioética, que antecedeu a revisão da lei, prevista a cada cinco anos em resposta a possíveis avanços científicos, o critério dominante foi a favor da a manutenção da lei de 2016.

Diante de certa pressão, houve uma forte reação de mais de 175 associações especializadas em cuidados paliativos, que assinaram um manifesto comum a favor do cuidado de pessoas em fase final da vida, chamado Doze motivos para dizer não à eutanásia e sim aos cuidados paliativos.

O então candidato à presidência da República, Emmanuel Macron, expressou durante a campanha de 2017 seu desejo de mudar aquela lei, em nome da autonomia da pessoa, e apesar dos antecedentes no país. No entanto, deixou passar os primeiros cinco anos sem promover essa reforma. Retomou o projeto na campanha para as últimas eleições presidenciais, e reforçou agora, embora já não tenha a maioria absoluta na Assembleia Nacional.

Em primeiro lugar, garantir cuidados paliativos

O anúncio de Macron deu novas asas aos defensores da eutanásia, de acordo com os modelos dos três países vizinhos que já a incorporaram na lei (o antigo Benelux: Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo). Mas as discussões também estão provocando uma série de argumentos menos favoráveis ​​à tese do presidente.

Um bom resumo é o comentário de um constitucionalista, Laurent Frémont, publicado no Le Monde com o título: “Fim da vida: e se a lei fosse aplicada antes de tentar modificá-la?”. Frémont lembra dados oficiais de 2021: apenas 48% dos franceses sabem o que são diretivas antecipadas (aplicáveis quando o paciente perde autonomia); 91% afirmam que o seu médico de família não os informou dos seus direitos ou da lei em vigor. De resto, o artigo especifica que a igualdade nos cuidados paliativos, garantida pela lei de 1999, ainda está pendente: pelo menos, segundo os dados da inspeção geral dos assuntos sociais, 62% dos falecidos não receberam esses cuidados.

Assim, três médicos – dois especialistas em cuidados paliativos e um psiquiatra – do Instituto Curie haviam manifestado seu repúdio à confusão produzida pelos defensores do direito de morrer com dignidade, como se apenas o suicídio assistido ou a eutanásia permitissem a morte digna. "É muito injusto para a maioria dos nossos concidadãos que optam, muito dignamente pela coragem que demonstram, de deixar esta vida apoiados pelos seus cuidadores e pessoas próximas a eles".

Eles estão atentos aos problemas e consideram que os termos da sedação previstos na lei podem ser mais bem especificados, mas alertam para a pressão que a assistência jurídica ao suicídio acarretaria para pessoas vulneráveis, isoladas ou fragilizadas do âmbito psicossocial. “Uma lei de assistência ativa ao morrer satisfaria o desejo individualista de autonomia e liberdade de alguns, reduzindo o desejo de fraternidade de muitos outros”.

Neste semestre, Claude Evin, ex-ministro de Assuntos Sociais, entrou na briga com outro artigo em que pede uma lei que funcione para todos. Ele lamenta que a discussão seja reduzida para ajudar a morrer, e as esperanças e desejos dos pacientes e seus familiares raramente são levados em conta. Mas esse debate não se resolve com uma lei de eutanásia, como se vê nos países vizinhos.

A vez do Comitê Nacional de Ética

Em 13 de setembro, foi tornado público um parecer da Comissão Consultiva Nacional de Ética, que foi apresentado no Le Monde como uma “virada”: pela primeira vez, é criada uma lei para ajudar a morrer, em condições muito estritas, com base nos avanços da medicina e mudanças sociais.

Em 2013, o Comitê havia considerado "perigoso para a sociedade que os médicos participem da morte". Mas está se fortalecendo a ideia de que não há "obrigação de viver" uma vida que se torna insuportável. De qualquer forma, o Conselho não recomenda uma nova legislação. Limita-se a apontar, caso o governo decida iniciar o processo de reforma, algumas linhas sobre a possibilidade de suicídio assistido: "idosos com doenças graves e incuráveis ​​que causam sofrimento físico ou mental incurável, com prognóstico de morte a médio prazo". De qualquer forma, todos os médicos poderão invocar uma cláusula de consciência.

Por outro lado, oito membros do Conselho Nacional de Ética (CCNE, na sigla em francês) manifestam sua ressalva, pois não são atendidos os requisitos preconizados há décadas pela comissão: a intensificação da oferta de cuidados paliativos: “Tomar um passo legislativo sem um esforço prévio representa um risco que não desejamos”.

Eles se referem às disposições das leis vigentes, que exigem o desenvolvimento dos cuidados paliativos: "A maioria das situações insuportáveis ​​poderiam ser resolvidas dentro do sistema atual se os protocolos sobre sedação fossem mais conhecidos pelos médicos e aplicados com mais frequência".

Médicos se opõem

Poucos dias depois, o Le Monde publicou um de seus frequentes fóruns coletivos, desta vez pelos membros do conselho permanente da Conferência Episcopal. Eles entendem a magnitude dos problemas e sua complexidade. Recordam a afirmação do Conselho Nacional de Ética sobre os cuidados paliativos, de acordo com as profundas esperanças de todos antes do fim: ajuda ativa para viver, mais do que ajuda ativa para morrer.

Ouvindo pacientes, médicos, enfermeiros e familiares percebem que o desejo essencial da grande maioria é ser considerado, respeitado, ajudado, acompanhado, não abandonado. Querem que o sofrimento seja aliviado, mas ao mesmo tempo expressam desejo de relacionamento e proximidade. Isso só se constrói a partir de uma realidade em que cada vida humana seja respeitada, acompanhada, honrada.

Por sua vez, o presidente do Colégio de Médicos, em comunicado de 15 de setembro, opõe-se à eutanásia e cita extensamente a declaração da Comissão Nacional de Ética, também sobre o papel do médico no acompanhamento de doentes terminais.

Se for aberta a possibilidade legal de uma ajuda ativa para morrer, uma cláusula de consciência é anexada ao pedido de médicos. De qualquer forma, a responsabilidade não pode ser transferida para o médico, mas ao mesmo tempo não pode ser ignorada por ele, como a Academia Francesa de Medicina apontou, no contexto das discussões da lei Claeys-Leonetti: a aceitação por médicos de declarações antecipadas de pacientes não podem ser incondicionais.

Em suma, o direito à vida não é absoluto, como nenhum outro. Mas não há direito à morte, também de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

O debate na América Latina

A eutanásia é legal em um país latino-americano, a Colômbia, e em breve poderá ser legal em outro, o Uruguai. O Tribunal Constitucional colombiano descriminalizou a eutanásia em 1997, limitada a pacientes terminais.

A primeira morte assistida na Colômbia ocorreu 18 anos depois, em 2015. Desde então, a eutanásia foi aplicada mais de 178 vezes em pacientes terminais. Em julho de 2021, no entanto, o Tribunal decidiu estender a opção da eutanásia a todos aqueles que sofriam de uma doença ou lesão grave e incurável que lhes causava grande sofrimento, mesmo que não estivessem em fase terminal.

O primeiro a se submeter à eutanásia nessas condições foi um homem de 60 anos, portador de doença pulmonar obstrutiva crônica; no dia seguinte, eles aplicaram o procedimento em uma mulher de 51 anos com esclerose lateral amiotrófica. Em 2020, um deputado da coalizão governante do Uruguai apresentou um projeto de lei sobre eutanásia e suicídio assistido, motivado pelo caso de um personagem, conhecido no país, que no ano anterior havia iniciado uma campanha por essa causa.

A tentativa desencadeou uma iniciativa cidadã em favor dos cuidados paliativos, em vez da eutanásia, sob o nome de Prudencia Uruguai. O projeto seguiu tramitando na Câmara dos Deputados e, no início deste mês, foi aprovado na Comissão de Saúde, para ser votado no plenário em outubro. Paralelamente, a Câmara processou um projeto de lei de cuidados paliativos, aprovado em dezembro de 2021, e que está em fase de estudo na Comissão de Saúde Pública do Senado.

©2022 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.
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