Hala, de 9 anos, recebe tratamento em um hospital improvisado após um novo ataque do regime sírio na região de Guta Ocidental, nesta quinta-feira (22)| Foto: AMER ALMOHIBANYAFP

Depois de ter sido alvo de um ataque químico em 2013, Guta Oriental volta a viver dias de inferno com bombardeios que já mataram mais de 400 pessoas, segundo observatório dos direitos humanos. 

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A morte está por todos os lados. O distrito suburbano próximo a Damasco é um dos últimos redutos rebeldes perto da capital síria. Há meia década o local está sob ataque, arrasado por bombas e perseguido pela fome. Em novembro o último comboio humanitário chegou na região, que agora sofre um ataque implacável.  

Ataques aéreos realizados pelo regime sírio e seus aliados russos têm destruído Guta Oriental desde domingo. Equipados com jatos, drones e helicópteros, eles atingiram hospitais, escolas e edifícios residenciais. Muitas das aproximadamente 400 mil pessoas que ainda vivem na área dominada pelos rebeldes estão escondidas em porões. Várias unidades médicas foram destruídas e com isso os médicos estão tendo que recorrer ao uso de medicamentos expirados para tratar os muitos feridos.  

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De acordo com monitores de direitos humanos e agências humanitárias, os bombardeios mataram mais de 400 pessoas e feriram centenas em poucos dias, segundo o Observatório Sírio pelos Direitos Humanos. Lembrando que Guta Oriental foi atingida por um ataque químico do regime em 2013, que supostamente matou centenas de civis. Porém o momento atual é potencialmente ainda mais aterrorizante. 

"Nós, em Guta, somos alvos de ataques aéreos há mais de cinco anos e isso não é novidade para nós", disse à CNN um diretor de hospital em Guta Oriental. "Mas nunca vimos nada nessa proporção". 

"À medida que o ritmo da morte acelera em Guta Oriental, também se intensificam os preparativos para os enterros", escreveu Louisa Loveluck, do Washington Post. "Os patologistas e os coveiros no reduto disseram que antes da violência aumentar eles tinham de 20 a 50 túmulos abertos em espera. Na terça-feira (20), não havia covas suficientes". (Na quarta-feira, novos ataques aéreos mataram pelo menos 45 pessoas, segundo ativistas locais). 

"Não aguentamos mais”, disse um homem sob a condição de anonimato. "Estamos jogando partes dos corpos em fossas comuns. É tudo o que podemos fazer".

Sem previsão de trégua

A violência provocou denúncias internacionais de sempre, mas sem nenhuma ação efetiva. Colunistas ocidentais compararam os assassinatos aos crimes de guerra no massacre de Srebrenica, que matou mais de 8 mil civis bósnios em 1995; editoriais lamentaram a impotência crônica de instituições como a Organização das Nações Unidas. 

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Fumaça dos bombardeios na cidade de Kafr Batna, na região de Guta Ocidental, nesta quinta-feira (22) 

Na quarta-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, descreveu a situação de Guta como "o inferno na terra" e, mais uma vez, pediu o fim das hostilidades. "Meu apelo a todos os envolvidos é a suspensão imediata de todas as atividades de guerra em Guta Oriental, permitindo que ajuda humanitária chegue a todos os necessitados", disse Guterres, acrescentando: “Acredito que Guta Oriental não possa esperar". 

Mas certamente esperará. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, menosprezou os pedidos de trégua dizendo que "a luta contra o terrorismo não pode ser limitada por nada". As autoridades em Damasco minimizam o sofrimento de seus compatriotas, alegando que os grupos rebeldes usavam civis como "escudos humanos". 

Na verdade este pode ser apenas o começo de uma investida mais intensa contra Guta Ocidental, já que o regime do presidente Bashar al-Assad prepara uma ofensiva final. Sob o comando de um dos principais generais de Assad, os reforços terrestres estavam se concentrando ao longo das margens do subúrbio na semana passada. O regime sírio vê os grupos rebeldes islâmicos que ocupam o enclave como terroristas. SANA, a agência de notícias estatal síria, disse que dezenas de foguetes e morteiros disparados nos últimos dois dias por essas facções atingiram vários bairros em Damasco, matando mais de uma dúzia de pessoas.  

O cenário é semelhante à reconquista lenta e destrutiva das áreas rebeldes em Aleppo pelo regime em 2016 . Na época, autoridades sírias e russas proclamaram a "libertação" da cidade das mãos dos radicais islâmicos e anunciaram seus esforços para evacuar civis e levar ajuda humanitária à cidade. Mas na época, assim como agora, filmagens e fotos de dentro das áreas atingidas contaram uma história diferente - de bairros arrasados, famílias inteiras separadas e crianças feridas, resgatadas dos escombros, sentando-se mudas e sozinhas. 

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"Qual é o objetivo? É para esmagar Guta nas cabeças de todos como eles esmagaram Aleppo?", Osama Nasser, veterano ativista anti-governo, perguntou aos jornalistas. 

Por enquanto, o foco permanece na luta desesperada pela sobrevivência daqueles que estão no fogo cruzado. 

 Medo, depressão e suicídio

"Houve muitos massacres", disse Huda Kyayati, um auxiliar da ONG síria Women Now for Development. "Não consigo lidar com a ideia de descer ao porão porque não consigo imaginar o que significaria ser bombardeado e morrer sob os escombros". 

"Não temos ambulâncias suficientes para transportar os feridos, o que significa que muitas pessoas morrem antes de chegarem a nós", disse um médico identificado como Malik para o site Middle East Eye. "Os hospitais estão transbordando de sangue. Estamos fazendo o que podemos para ajudar, mas a situação está se tornando insuportável". 

"Acordei ontem de manhã, quando todos os tipos de aviões de guerra começaram a bombardear Guta", contou Nazeer Falitani, 26, ao BuzzFeed na segunda-feira (19). "Os bombardeios nunca paravam. Nós sentamos em nossas casas. Não podemos ir às ruas e todas as lojas estão fechadas. Esperamos a morte em aflição". 

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Mesmo esta aflição sozinha pode ter efeitos devastadores. Grupos de caridade apontam para um crescimento exponencial das taxas de depressão e até mesmo suicídio entre crianças e jovens adultos presos na área sob ataque. 

Sírios se preparam para enterrar o corpo de uma das vítimas do ataque aéreo em Kafrn Batna, na região sitiada de Guta Oriental 

"As pessoas do Guta Oriental são mentalmente afetadas pela situação. A maioria das crianças viu pessoas amadas mortas, feridas ou desaparecidas. Isso afetará seu futuro e a forma como elas vêem a vida. Alguns jovens estão pensando em suicídio e as pessoas mais velhas estão sofrendo da depressão ", escreveu um médico de Guta Oriental filiado ao Comitê Internacional de Resgate. 

"Minha família e eu estamos vivendo estresse constante e depressão", continuou ele. "Todos os dias, rezo e espero que o conflito acabe. Às vezes eu queria poder me afastar de Guta Oriental e viver fora da Síria. Realmente não consigo imaginar um bom futuro aqui agora".