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Sob outra direção

Discreto, Fachin assume presidência do STF e deve mudar a forma, mas não o conteúdo 

Novo presidente do STF, ministro Edson Fachin (Foto: Fotográfo/Agência Brasil)

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Discreto, técnico e contido. As características pelas quais o novo presidente do STF, Luiz Edson Fachin, é conhecido vão na contramão do perfil atual dos seus colegas ministros. Mas a diferença está mais na forma do que no conteúdo. 

Fachin não costuma dar muitas entrevistas e não quis nenhum tipo de celebração especial para ocupar a cadeira do ministro Luís Barroso. Este, por sua vez, fez uma saída pomposa, com festa, samba, cantoria e entrevista no programa Roda Viva, cercado de jornalistas. 

Ficar longe dos holofotes, porém, não significa estar fora das polêmicas. Em dez anos de STF, Fachin esteve à frente de processos importantes e de alta complexidade. Decidiu contra o marco temporal indígena (demarcação de terras) e a favor de novas regras para a polícia do Rio de Janeiro e da equiparação da chamada homofobia ao crime de racismo. 

Um dos casos mais famosos protagonizados por Fachin foi a relatoria da Operação Lava Jato: sua atuação foi relevante para permitir investigações e delações premiadas, mas foi ele quem anulou as condenações contra Lula e o trouxe de volta ao cenário político. 

Pelo perfil mais contido e conciliador de Fachin, a chegada dele à presidência do STF pode passar a imagem de que o ativismo judicial da corte diminuirá. Mas, segundo juristas, esta é só uma impressão. Mesmo tendo um viés mais técnico e voltado para direitos civis, e até com uma certa independência em alguns casos, eles dizem que tudo ficará igual. 

Apesar de seu discurso de que se deve dar “ao direito, o que é do direito e à política, o que é da política”, Fachin não fez críticas aos abusos do STF e de seus colegas. Pelo contrário: ele teceu elogios e defendeu o colega Alexandre de Moraes contra a Lei Magnitsky. 

Quem é Fachin 

Nascido em uma casa humilde em Rondinha, no interior do Rio Grande do Sul, em 1958, Fachin é filho único de uma professora e de um agricultor. Ele se mudou com a família para Toledo, região oeste do Paraná, quando tinha apenas dois anos, e para Curitiba, aos 17 anos, para estudar. 

O ministro se formou em Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde posteriormente se tornou professor de Direito Civil. Ele lecionou ainda na PUC-PR, PUC-SP, UERJ e outras instituições, inclusive internacionais. 

Segundo seu currículo no site do STF, o ministro atuou como membro da comissão do Ministério da Justiça sobre a Reforma do Poder Judiciário e como colaborador no Senado Federal na elaboração do novo Código Civil brasileiro. 

Quando advogado, Edson Fachin se especializou em direito civil e de família, e na resolução de conflitos por arbitragem e negociação. 

O jurista também tem um vasto conhecimento técnico e acadêmico. Passou uma temporada em Londres como professor da King’s College e foi pesquisador no Instituto Max Planck, na Alemanha. Na Espanha, lecionou na Universidad Pablo de Olavide e, no Canadá, fez pós-doutorado. É autor de diversos livros sobre direito civil. 

Fachin é casado com Rosana Girardi Fachin, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Paraná e tem duas filhas. Camila Girardi Fachin é médica cirurgiã pediátrica e vice-reitora da UFPR. E Melina Girardi Fachin é advogada e diretora da Faculdade de Direito da mesma universidade paranaense.

A escolha para o STF 

A sua nomeação em 2015, no entanto, não foi tão simples. Cotado para ocupar uma vaga no STF desde 2010, Fachin encontrou resistência, principalmente no Senado. Ele não era bem aceito pelas bancadas ruralista e evangélica por ser a favor da reforma agrária e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. 

Depois de seis tentativas e de quase desistir, Fachin tomou posse no mesmo ano da nomeação, após indicação da ex-presidente Dilma Rousseff para ocupar a vaga decorrente da aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa. 

Logo após ser empossado como presidente do STF, o ministro disse que apoia uma reforma administrativa “ampla e genuinamente republicana” no serviço público em “todos os Poderes e instituições do Estado”.   

A escolha de Fachin para o comando do STF era previsível e seguiu a tradição de eleger o ministro mais antigo que ainda não tenha exercido a presidência do Supremo. Moraes foi eleito vice-presidente. Os dois já dividiram a liderança no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022. 

Ao mesmo tempo, Fachin assume a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o biênio 2025-2027.  

Cerimônia de posse do novo presidente do STF, Edson Fachin, e do vice-presidente, Alexandre de Moraes, com suas respectivas esposas, Rosana e Viviane. No centro, o presidente Lula e a primeira-dama, Janja, e à esquerda, José Sarney (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Os casos nos quais foi relator 

Edson Fachin foi relator de casos icônicos, e sua decisão em muitos deles foi crucial na condução do processo. 

A decisão unânime do STF para proibir revistas íntimas vexatórias em visitantes nos presídios partiu de sua autoria, por exemplo. Ele também votou pela criminalização da homofobia e da transfobia por equiparação ao crime de racismo. 

O ministro votou contra o marco temporal, cuja proposta era limitar o direito de posse e demarcação de terra aos povos indígenas em áreas ocupadas até 1988 (data da promulgação da Constituição Federal). Ele foi contra a adoção dessa regra por entender que não há uma data específica para a demarcação e posse. 

Outro caso histórico na justiça brasileira no qual Fachin foi relator é o da ADPF das Favelas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635), que determinou uma série de medidas práticas nas operações policiais em comunidades do estado do Rio de Janeiro, a pedido do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e de ONGs. 

As mudanças, como uso de câmeras, proibição de helicópteros e operações policiais próximas a escolas e hospitais, entre outras, foram polêmicas.

Enquanto ONGs julgavam as ações necessárias para combater facções criminosas dentro das favelas, para membros da polícia, o STF assumiu a função de Secretaria de Segurança do Rio, e as restrições só fortaleceram o crime organizado em uma escala sem precedentes. 

Na sombra, mas nem sempre 

O ministro Fachin tende a ser mais técnico e direcionado aos direitos sociais e humanos em suas decisões. Nos últimos anos, Fachin se posicionou ao lado da maioria progressista do STF nos julgamentos mais importantes, como a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal e a união estável entre pessoas do mesmo sexo. 

Em alguns assuntos, o magistrado segue o voto dos colegas Barroso e Moraes. É o caso dos condenados de 8 de janeiro de 2023 em que, na sombra do relator Moraes, votou por penas entre 14 e 17 anos de prisão nos primeiros julgamentos. Fachin não participou do julgamento de Bolsonaro, pois integra a Segunda e não a Primeira Turma, que analisou a ação. Mas ele poderá vir a participar de julgamentos sobre anistia e dosimetria dos crimes

Por outro lado, Fachin acompanhou o ministro André Mendonça e divergiu da maioria sobre a responsabilização das plataformas digitais por conteúdo de usuários. Para ele, as redes não são obrigadas a censurar previamente as publicações. 

Fachin também foi o responsável por indeferir um pedido de liminar que solicitava o relaxamento da prisão preventiva de Monique Medeiros da Costa e Silva, mãe do menino Henry Borel, acusada de envolvimento na morte da criança. 

No momento, o ministro é relator de um recurso chamado de “uberização”, que discute se motoristas de aplicativos têm vínculo empregatício com as plataformas digitais. A decisão do STF terá impacto direto em todo o país.

Lançamento da obra "Ministro Luiz Edson Fachin – Dez anos de Supremo Tribunal Federal", em junho de 2025 (Foto: Felipe Sampaio/STF)

Político ou técnico: o que vem pela frente? 

Edson Fachin herda um STF sensível, marcado por pressões políticas internas e externas. 

Pelos próximos dois anos em que estará na presidência do STF, estão previstos os julgamentos finais do 8 de janeiro, da PEC da Anistia e da PEC da Blindagem. No ano que vem, Fachin encara ainda uma nova eleição, que tende a ser polarizada e intensa. 

Segundo a Agência Brasil, de acordo com pessoas próximas ao ministro, o novo presidente do STF deve evitar declarações polêmicas na imprensa e embates com políticos, e se destacar pela condução de julgamentos com grande impacto social. 

Em seu discurso de posse, Fachin disse que o Poder Judiciário deve manter sua missão de ser acessível, íntegro, ágil e efetivo para a garantia do Estado Democrático de Direito. E que no CNJ deve focar em temas voltados à infância e à juventude, à proteção dos idosos e da mulher, combatendo todas as formas de violência. 

O jurista André Marsiglia, entretanto, diz que não vê mudanças em relação ao que vemos hoje no STF.

“Vejo que será alguém que manterá tudo como está no STF, sobretudo o que está errado. O perfil dele como técnico e discreto, porém, é historicamente ligado às esquerdas e não foi crítico, em momento algum, das decisões abusivas do STF e de colegas, como Moraes”. 

Marsiglia recorda que Fachin já anunciou que não apoiará reformas contra o Judiciário, deixando claro que “combaterá quem desejar tirar os poderes excessivos conferidos à corte”. 

“Ninguém pense que fará uma reforma contra o Poder Judiciário brasileiro. Não permitiremos e estarei vigilante para que haja respeito à magistratura brasileira”, disse o ministro em um congresso para juízes em Foz do Iguaçu (PR). 

Além de ter sido indicado por Dilma e anulado as condenações de Lula na Lava Jato, Fachin parece ter o apoio dos petistas: o presidente do PT, Edinho Silva, afirmou que a expectativa em relação à gestão de Fachin é a “melhor possível”, segundo o Estadão

Com a morte do ministro Teori Zavascki em 2017, Fachin se tornou relator dos principais processos da Operação Lava Jato. Contudo, depois decidiu que a 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR) não tinha competência para julgar os casos envolvendo Lula nem correlação com os desvios da Petrobras e, portanto, com a Operação Lava Jato. 

A maioria dos ministros do STF acompanhou a decisão, e, dessa forma, os processos foram transferidos para a Justiça Federal do Distrito Federal, o que abriu caminho para Lula recuperar seus direitos políticos. 

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