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Ativistas colombianas, no mês passado, comemorando um ano da descriminalização do aborto no país até o sexto mês de gestação
Ativistas colombianas, no mês passado, comemorando um ano da descriminalização do aborto no país até o sexto mês de gestação| Foto: EFE/Mauricio Dueñas Castañeda

Legislações abortistas têm ganhado terreno na América Latina nos últimos anos, com países como Uruguai, Argentina, Colômbia e alguns estados do México descriminalizando o aborto, mas o Brasil segue como o único entre os cinco maiores que ainda resiste à chamada “onda verde”, como a militância define o movimento que avança no continente. Atualmente, 612 propostas relacionadas direta ou indiretamente à temática tramitam no Congresso brasileiro, sendo 25 deste ano, a maioria delas propondo acréscimos ao Código Penal para intensificar a criminalização do aborto e ampliar os direitos do nascituro. Embora a população brasileira seja majoritariamente contrária ao aborto, posturas do governo Lula e o ativismo judicial brasileiro sinalizam um risco de que a maré abortista afete o país nos próximos anos.

A aprovação de legislações abortistas via Judiciário em dois desses países latinos (Colômbia e México) acende um sinal de alerta para o caso brasileiro, uma vez que, com as próximas indicações de Lula, o novo Supremo Tribunal Federal (STF) deve se tornar ainda mais ativista que o atual. Embora os dois ministros prestes a se aposentar tenham sido indicados por presidentes petistas (Rosa Weber foi indicação de Dilma Rousseff, em 2011, e Ricardo Lewandowski, de Lula, em 2006), Lewandowski votou contra o aborto em caso de anencefalia, em 2012, justificando que um tema dessa relevância deveria ter o crivo do Congresso Nacional.

Uma proposta de descriminalização do aborto voluntário até o terceiro mês de gestação, feita pelo PSOL (ADPF 442) em 2017, tramita no STF. A expectativa de ativistas pró-aborto é que Weber coloque o assunto em pauta antes de se aposentar, em outubro deste ano. A presidente do Movimento Brasil Sem Aborto, Lenise Garcia, alerta para a complexidade de uma decisão dessas ser tomada pelo Judiciário, “porque não teria uma legislação para orientar quais seriam as regras”. “Na prática, o que se pretende é uma revogação do Código Penal brasileiro sobre esse assunto e, com isso, o aborto seria completamente liberado no Brasil”, prevê.

Dois atos do Executivo logo no início do mandato – reforçando a postura histórica de Lula sobre o aborto, da qual ele tentou se afastar para consquistar o eleitorado evangélico durante a campanha presidencial – também apontam para a possibilidade de que o Brasil tome um rumo contrário ao que deseja o povo. A Portaria GM/MS 13, de 13 de janeiro de 2023, revogou a Portaria GM/MS 2.561, de 2020, que “Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS”. Com a novidade, não é mais necessária a denúncia de um crime de estupro a ser investigado, para se constatar gravidez decorrente de violência contra a mulher.

Apesar disso, como segue em vigor a Lei13.931/2019, promulgada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, determinando que profissionais de saúde notifiquem compulsoriamente a polícia sobre os “casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados”, o estupro precisa ser denunciado em qualquer circunstância. Na avaliação de Garcia, a portaria do PT cria um risco para os médicos, que podem incorrer em crime por desconhecimento da lei, além de favorecer que a violência sexual contra a mulher fique impune.

Também em janeiro, o governo Lula anunciou a saída do Brasil no Consenso de Genebra, acordo firmado pelo governo Bolsonaro, com mais 30 países, em defesa da saúde da mulher e valorização da família. Em 2020, os signatários se comprometeram que "em nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de planejamento familiar" e que "quaisquer medidas ou mudanças relacionadas ao aborto no sistema de saúde só podem ser determinadas em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional".

Brasil

Devido à extensão territorial e à histórica liderança regional do Brasil, movimentos feministas miravam o país como prioritário para iniciar a legalização do aborto na América Latina e, a partir daí, ir atingindo os países vizinhos. Porém, a estratégia precisou ser mudada quando ainda em maio de 2008 houve a votação histórica no Congresso do PL1135/91 que previa a legalização do aborto até três meses de gestação. Depois de obter 33 votos contra e nenhum a favor na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), a matéria também foi rejeitada em julho do mesmo ano pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

“O parlamento brasileiro não se posiciona favorável porque a população brasileira majoritariamente não é favorável ao aborto”, afirma Lenise Garcia. Proposto pelo então deputado Eduardo Jorge (PT-SP), o PL está arquivado desde 2012.

No Brasil, o aborto é considerado crime pelo Código Penal, com pena de até três anos de prisão para quem aborta e de até quatro para quem ajuda no procedimento. A punição não é aplicada em casos de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do bebê.

Cenário latino

Dos países latino-americanos, apenas cinco têm o aborto legalizado. O primeiro a entrar na lista foi a comunista Cuba, seguida de Uruguai, Argentina, México e, mais recentemente, Colômbia. A América Latina ocupa o segundo lugar no ranking dos continentes com as legislações mais conservadoras em relação ao aborto, sendo que o primeiro lugar pertence ao continente africano.

“A liberação do aborto na América Latina está sendo feita contra a maioria da população e também contra os médicos. É um problema real na Argentina e na Colômbia a questão da objeção de consciência. Os médicos se recusam a fazer o aborto e é um direito deles, mas um direito que querem tirar”, alerta a presidente do Movimento Brasil Sem Aborto.

Um dos argumentos da militância abortista pela descriminalização é que abortos clandestinos são arriscados à vida da mulher. No entanto, ressalta Garcia, o risco à mãe permanece, mesmo em procedimentos legalizados. Em 2021, a jovem ativista pró-aborto María del Valle González López, de 23 anos, morreu na Argentina após ter feito um aborto legal.

“É preciso lembrar que na maioria das vezes não é a gestante que decide pelo aborto, ela é pressionada a abortar e não encontra o acolhimento necessário para levar adiante a gravidez. De fato, seria muito importante a existência de políticas públicas que efetivamente ajudassem essas mulheres, não que trouxessem o aborto como solução”, defende Lenise Garcia, que é autora do livro Abortos Forçados - Como a Legalização do Aborto Tira das Mulheres Seus Direitos Reprodutivos (Estudos Nacionais, 2019).

Em uma pesquisa recente, realizada nos EUA, mais de 60% das mulheres que fizeram aborto relatam altos níveis de pressão externa para tirar a vida de seus bebês.

Confira o que dizem as legislações de países da América Latina sobre o tema:

Cuba

Na illha comunista de Cuba, matar o bebê até a 10ª semana da gestação é legalizado desde 1965. O Código Penal cubano prevê crime somente em casos de aborto que almejem fins lucrativos, que ocorram fora de hospitais ou sejam executados por pessoal não capacitado para o procedimento.

Uruguai

Em 2012, a Lei 18.987, aprovada pelo congresso uruguaio, permitiu pôr fim à gravidez por qualquer motivo até a 12ª semana. Após esse período, o aborto é permitido em casos de estupro, malformação fetal “incompatível” com a vida e risco à saúde da mãe. A legislação afirma que, dessa forma, o Estado está garantindo o direito à procriação consciente e responsável, reconhecendo o valor social da maternidade, protegendo a vida humana e promovendo o pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos de toda a população.

Argentina

Já na Argentina, desde 2021 as “mulheres e pessoas com outras identidades de gênero com capacidade gestacional têm o direito de decidir e ter acesso à interrupção da sua gravidez até a décima quarta (14ª) semana do processo gestacional”, segundo a Lei 27.610. Fora desse período, o aborto só é permitido em caso de estupro, com juramento da pessoa grávida aos profissionais de saúde. Caso a gestante tenha menos de 13 anos, o juramento não é exigido. A legislação argentina também permite abortar em outras etapas da gestação quando a vida e a saúde da mãe estão em risco.

México

No México as regulamentações acontecem por Estado. Dos 32 estados mexicanos, apenas quatro descriminalizaram o aborto de forma voluntária. Outros ainda permanecem com medidas restritivas, liberando apenas em caso de risco à vida da mulher, anencefalia e estupro. Entretanto, em 2021 a Suprema Corte mexicana invalidou os artigos 195 e 196 do Código Penal do Estado de Coahuila de Zaragoza, alegando que tolhem o direito da mulher de decidir voluntariamente pelo aborto. A decisão foi vista por ativistas feministas como uma brecha para a legalização do aborto em todo o país.

Colômbia

Em 2022, o país passou a permitir o aborto de bebês praticamente formados, com até seis meses de gestação, por meio de decisão da Corte Constitucional. A Colômbia também não considera o aborto um crime “quando a continuação da gravidez constitui um perigo para a vida ou saúde da mulher, tal como certificado por um médico; quando houver uma malformação grave do feto que torne a sua vida inviável, certificada por um médico; e, quando a gravidez for o resultado de conduta, devidamente notificada, que constitua acesso carnal ou relações sexuais sem consentimento, inseminação artificial abusiva ou não consensual ou transferência de um óvulo fecundado, ou incesto", segundo o texto da sentença C-355, promulgada pela Corte colombiana, em 2006.

Bolívia

Em 2017, parlamentares bolivianos aprovaram uma atualização do Código Penal que passou a não considerar crime o aborto realizado até oito semanas por gestante que estude ou seja responsável pelo cuidado de pessoas idosas, deficientes ou menores de idade. Abortos realizados por crianças ou adolescentes também são permitidos em todas as fases da gravidez, assim como nos casos em que há risco para a vida da mãe, independentemente da idade.

Chile

A legalização do aborto chegou a ser incluída na proposta da Nova Constituição Chilena, que foi rejeitada no ano passado por 61,87% da população. Portanto, permanece em vigor a Lei 21.030, de 2017, que permite o aborto em situações risco de vida para a mãe, “inivabilidade fetal” e esupro.

Outros países resistem

A maioria dos demais países descriminaliza o aborto apenas em algumas circunstâncias. No Paraguai, Peru, Venezuela, Porto Rico e Guatemala, o aborto só não é considerado crime em casos de risco à vida e à saúde da mãe. Já no Haiti, Honduras, Nicarágua, El Salvador, Suriname e República Dominicana o aborto é considerado crime em qualquer circunstância e se entende que há vida desde o momento da concepção.

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