Nascido em Cresco, Iowa, em 1914, Norman Ernest Borlaug viu a fome de perto. Calouro da Universidade de Minnesota no outono de 1933, no auge da Grande Depressão, ele encontrou famílias inteiras largadas nas ruas, implorando por trocados ou um prato de comida. Ao longo de sua formação universitária, ele continuou trabalhando para complementar a renda. Um desses bicos foi junto a um projeto federal de apoio aos desempregados, em 1935. Ali, seu trabalho era atender a pessoas que, com grande frequência, estavam subnutridas. “Vi como a comida transformava essas pessoas”, ele relembraria anos depois.
O anseio por lidar com o problema esbarrou numa solução quando Borlaug assistiu, em 1938, a uma palestra do professor Elvin Charles Stakman, especializado em patologia das plantas. Na ocasião, Stakman comentou que vinha trabalhando para desenvolver mudas de trigo, aveia e cevada resistentes à ferrugem, uma doença provocada por fungos. Impressionado, Borlaug se tornaria aluno de Stakman e mudaria a direção de sua carreira — ele, que vinha estudando para se tornar biólogo florestal, alcançaria o Ph.D. em patologia e genética de plantas em 1942.
Nas três décadas que se seguiram, Norman Borlaug liderou a Revolução Verde. Seu trabalho de desenvolvimento de plantas começou pelo México e chegou à Índia e ao Paquistão. Estima-se que ele tenha salvado 1 bilhão de pessoas da fome. Ganhou o prêmio Nobel da Paz por isso. “Não existe uma commodity mais essencial do que comida”, ele costumava afirmar. “Sem comida, pessoas morrem, as organizações sociais e políticas se desintegram e a civilização entra em colapso”.
Cola especial
Criado em uma fazenda mantida pela família de imigrantes noruegueses, dos nove aos 17 anos Borlaug trabalhou plantando, caçando, pescando e criando gado, porcos e galinhas. Já na época, ficava incomodado ao ver com que facilidade plantações inteiras podiam se perder. Cursou os primeiros anos de ensino numa escola rural que tinha uma única sala de aula e um único professor. Não passou na prova seletiva da universidade de Minnesota, mas a instituição o encaixou num programa de reforço de dois anos, depois dos quais ele iniciou a faculdade.
Concluído o Ph.D., por dois anos, entre 1942 e 1944, Borlaug trabalhou na Dupont, chefiando a equipe de desenvolvimento industrial de fungicidas e bactericidas para plantas. Na época, trabalhou também no desenvolvimento de um projeto encomendado pelas forças armadas, uma cola que não se corroesse com a água do mar — sua equipe entregou o produto, que passou a ser utilizado para selar contêineres com mantimentos enviados por ar para as forças da Marinha que lutavam a Segunda Guerra no Oceano Pacífico.
Em 1944, a Dupont ofereceu o dobro do salário para Borlaug, mas ele decidiu se mudar para o México. Ali, tinha início um projeto de pesquisa para melhorar a qualidade do solo e a resistência do plantio. Capitaneado pela Fundação Rockefeller, o trabalho era financiado pelo governo mexicano. Elvin Stakman atuava como consultor e o líder do projeto era o patologista Jacob George Harrar, que contratou Borlaug. Começava então o programa de desenvolvimento agrícola que transformaria o planeta.
Trigo produtivo
Naquele momento de pós-guerra e início de Guerra Fria, o planeta caminhava para uma armadilha: se em 1900 havia 1,6 bilhão de pessoas no mundo inteiro, em 1950 já eram 2,5 bilhões. Em 1960, alcançaria os 3 bilhões.
Havia demorado 123 anos para a população saltar de 1 para 2 bilhões. Para chegar a 3, só foram necessários 33 anos. Desde então, a população de seres humanos passou a ganhar um novo bilhão em um ritmo constante e vertiginoso: foram 14 anos para chegar a 4 bilhões. Mais 13 para chegar a cinco, 12 para alcançar os seis e 13 para atingir os 7 bilhões (o que aconteceu em 2012). Com mais 15, chegaremos a 8 bilhões, em 2027. Com a produtividade média da agricultura nos anos 1940, simplesmente não haveria comida para tanta gente. É possível que, no século 21, o mundo estivesse experimentando guerras e revoluções motivadas pela falta de alimentos.
Além de identificar as variedades de plantas mais resistentes a pragas e estimular sua reprodução, Norman Borlaug pesquisou formas de melhorar a qualidade do solo. Combinadas, suas técnicas permitiram fazer colheitas de trigo duas vezes por ano – até então, os mexicanos da região de Chapingo, onde o pesquisador desenvolvia suas pesquisas, plantavam apenas uma safra anual.
Borlaug ainda derrubou um mito: ao levar suas plantas para o vale de Yaqui, mais ao norte, ele comprovou que a mesma variedade genética de trigo podia crescer bem em locais de condições de temperatura, umidade e altitude diferentes. Ou seja: não seria necessário desenvolver plantas para cada região específica. O que significa que a pesquisa que dá resultado num local poderia muito bem funcionar em outros. Resultado: depois de levar as descobertas do pesquisador para o restante do país, entre 1950 e 1960, o México dobrou a quantidade de trigo colhida por hectare plantado. No ano 2000, a produtividade já estaria cinco vezes maior do que cinco décadas antes.
Defesa da tecnologia
O sucesso gigantesco do programa de Borlaug provocou o interesse da Índia e do Paquistão. Somados, os dois países tinham, em meados dos anos 1960, 550 milhões de habitantes. Ambos dependiam da importação de comida para gerenciar crises constantes de fome. Atualmente, a população das duas nações, somada, é três vezes maior. É de se imaginar o impacto negativo das crises de abastecimento, caso a situação tivesse se mantido.
Além disso, as pesquisas do americano alcançaram impacto social expressivo: ao longo de todo o período entre 1970 e 1995, o preço pago pelo trigo, pelo consumidor comum, caiu 2% em média, ano após ano. “O primeiro componente essencial da justiça social é fornecer comida adequada para toda a humanidade”, ele costumava dizer.
Na Ásia, Borlaug encontrou uma resistência maior dos governos locais. Esbarrou na burocracia e em gestores que insistiam em questionar suas técnicas. Em resultado, o aumento da produtividade alcançado nessas regiões foi menor, mas ainda assim expressivo – o Paquistão quase dobrou sua colheita de trigo em apenas cinco anos, enquanto que a Índia saltou de 12,3 milhões de toneladas em 1965 para 20,1 milhões de toneladas em 1970. Nos anos que se seguiram, ele também colaborou com o melhoramento de mudas de arroz para a China, o Japão e o sudeste asiático. Tudo isso enquanto dava prosseguimento aos seus trabalhos no México.
Ao receber o Prêmio Nobel em 1970, Borlaug já era considerado o pai da Revolução Verde que salvou a humanidade da fome. Nos anos 1980, tentou levar suas técnicas para a África, onde esbarrou na resistência dos governos locais e de grupos ambientalistas contrários à adoção de melhoramento genético para aumentar a resistência e a produtividade do plantio. Em 1986, lançou uma premiação anual, o World Food Prize, que entrega US$ 250 mil para iniciativas que visam atacar o problema da fome. Seu trabalho vem sendo continuado pelo Borlaug Institute.
O pesquisador deu aulas ao longo de toda a vida – costumava dizer a seus alunos para focar em pesquisas com objetivos práticos, já que “relatórios não servem para comer”. Ele morreria em 2009, em sua casa em Dallas, aos 95 anos, defendendo as tecnologias que surgiram nas últimas décadas, em especial o melhoramento genético. Em artigo publicado em 2000, ele argumentou: “Nós modificamos plantas e animais há muito tempo, selecionando as melhores variações, muito antes de isso ser chamado de ciência”.
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