Aracy Guimarães Rosa: a heroína brasileira homenageada em Israel| Foto:
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Em Rio Negro, no Paraná, nasceu uma das maiores — se não a maior — heroínas do país. É verdade que ela sempre foi muito discreta, por isso só passou a receber fartas homenagens anos antes de sua morte, em 2011. Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa foi a única mulher reconhecida até por Israel por ter arriscado a própria vida salvando centenas de judeus. Morreu aos 103 anos, vítima do mal de Alzheimer, sem se lembrar mais de grande parte do que aconteceu. O que ela fez, contudo, é impossível de se apagar na história.

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Ainda criança, Aracy foi morar com os pais — uma alemã e um português — em São Paulo. Em 1930, casou-se com o alemão Johan von Tess, mas cinco anos depois a relação acabou em desquite. Para a época, um escândalo. Não lhe sobrou alternativas a não ser ir morar em Hamburgo, na Alemanha, com uma tia. Levou debaixo dos braços o filho de então seis anos. "Eu era pequeno demais. Tudo o que sei é narrado por outras pessoas", afirma o filho Eduardo Carvalho Teff.

Foi em Hamburgo que Aracy conheceu um dos maiores escritores da literatura brasileira, João Guimarães Rosa. Ele trabalhava como cônsul-adjunto do Consulado Brasileiro em Hamburgo, Alemanha. Para o mesmo consulado, ela foi selecionada (coincidentemente) ao cargo de secretária e responsável pelos vistos brasileiros. Foi lá que os dois começaram a namorar (ambos haviam deixado o primeiro casamento de lado). Aracy passaria, então, a ser conhecida como a mulher de Guimarães Rosa, embora tenha sido mais do que isso.

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A luta contra o nazismo

O III Reich de Adolf Hitler começou a perseguir duramente os judeus na Alemanha e, no Brasil, uma determinação do Itamaraty — imposta pelo então presidente Getúlio Vargas durante o Estado Novo — proibia os judeus de entrar no país a partir daquela data (1937). A ordem de Vargas era baseada nos ideais de Hitler e Mussolini. "Minha mãe era totalmente contrária ao nazismo e, vendo a situação dos judeus, começou a ajudá-los. Tentou salvar todos os que lhe procuraram, além de vizinhos e amigos. Não sabemos exatamente quantos foram, mas passam de cem", diz Teff. Alguns ainda vivem em São Paulo e são eternamente gratos a Aracy.

Foi o cargo ocupado no consulado que ajudou esta mulher a salvar vidas. No meio de diversos outros documentos encaminhados ao cônsul para assinaturas, iam pedidos de visto dos judeus para o Brasil — seria uma das únicas maneiras de fugir das perseguições nazistas. "O cônsul assinava sem perceber do que se tratava e o documento era expedido sem o J de judeu, o que ajudou bastante", explica Teff.

Após a emissão dos documentos, Aracy ainda precisava ajudar os judeus no embarque, pois eles eram perseguidos duramente pelas ruas. Então ela usava o carro do consulado, com a placa diplomática. "Ela acolhia alguns deles na própria residência até a hora do embarque. Subia no navio e só saía quando os visitantes eram solicitados a se retirar porque o navio iria partir. Como no Brasil não havia um filtro de quem chegava, todos conseguiram passar", afirma o historiador Anthony Leahy, do Instituto Memória.

Guimarães Rosa sabia do esquema e aceitou ficar quieto, mas disse diversas vezes à mulher que ela acabaria sendo descoberta. Algumas vezes Aracy foi presa por estar carregando alimentos dentro do carro (que seriam levados aos judeus que estavam escondidos), mas ela logo conseguia se liberar quando apresentava a carteira de funcionária consular. Ela agiu em prol dos judeus de 1938 a 1939.

Reconhecimento internacional

Além de receber a homenagem do Museu do Holocausto em Israel, ela é considerada o Anjo de Hamburgo, prêmio da ONG B’nai B’rith (instituição judaica). "Ela me inspirou para construir a seguinte frase: para que os maus triunfem, basta que os bons não façam nada", afirma Leahy.

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Em 1941, no auge da guerra, o filho de Aracy voltou para o Brasil com a avó. Um ano depois, o Brasil rompeu relações com os países do Eixo, entre eles Ale­manha, e os diplomatas brasileiros de Hamburgo ficaram presos em um hotel chamado Baden-Baden. Passado o susto e a fome, Aracy e Guimarães Rosa decidiram voltar ao Brasil. Logo que chegaram foram ao México para se casar. "Era uma resposta à sociedade que os via ainda como desquitados", diz Teff. O casal foi viver no Rio de Janeiro.

Uma nova ditadura

Com a morte de Guimarães, Aracy teve ainda de encontrar forças para superar a perda do marido e outra ditadura, que implantou o Ato Institucional N.º 5 (AI 5) e restringiu a liberdade dos brasileiros (principalmente intelectuais) em 1968. A tia do cantor e compositor Geraldo Vandré era amiga de Aracy e pediu a ela asilo, porque ele estava sendo procurado pelos militares. "Além de Vandré, Aracy ajudou outras pessoas que estavam sendo perseguidas, desta vez no Brasil", explica o historiador Leahy.

No final da década de 70 e início de 80 (não se sabe exatamente em que ano) Aracy foi convidada a visitar uma sinagoga no Rio de Janeiro e, para sua surpresa, quando entrou no local, muitos judeus se ajoelharam aos seus pés e começaram a beijá-los. Foi esta a primeira vez que ela teria se reencontrado com algumas das pessoas que ela conseguiu salvar.

Em 2003, Aracy mudou-se para São Paulo, onde viveu na companhia do filho até falecer.

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Matéria publicada originalmente em 08/10/2010