Neymar: fotos íntimas, versos de pagode, emojis e uma relação rápida que virou acusação de estupro.| Foto: AFP

O jogador e eterna promessa Neymar foi acusado de estupro. Depois de a notícia começar a circular, o menino de quase trinta anos fez o que se espera de uma celebridade de seu calibre: usou as redes sociais para se defender.

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Aqui não vale a pena entrar no mérito da questão, se houve ou não crime, se o jogador estava ou não sendo vítima de chantagem, se ele, que gosta tanto de cair, dessa vez realmente levou uma rasteira por trás e se, no afã de restaurar a honra, Neymar acabou por cometer o crime de divulgar imagens íntimas da moça sem autorização – enfim, todas essas coisas que fazem parte de um certo mundo cão glamourizado ao qual Neymar pertence.

Interessante é fazer as vezes de um Gibbon contemporâneo e analisar a estética envolvendo este que é apenas um dos muitos imperadores do Império Futebolístico e cujo cotidiano ronda a imaginação da plebe. Neymar é um semideus não apenas pelo futebol que joga ou jogava. Ele é um semideus por causa do salário absurdo, da lenda do talento precoce, dessa impressão difusa de que há uns entre nós que, por algum motivo que nos escapa, são escolhidos por Deus para viverem na Terra uma versão muito particular (e cafona) de Paraíso. Impressão essa que desperta igualmente admiração e inveja.

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O suposto estupro é algo grave, muito grave, tanto para a suposta vítima quanto para o suposto perpetrador, e não é minha intenção aqui entrar na seara jurídica e policial do caso. Primeiro porque me faltam elementos. Depois porque não sou louco para mexer neste vespeiro. Mais interessante, repito, é analisar o vídeo de “desculpas” de Neymar, no qual ele expõe uma longa troca de mensagens com a moça que agora o acusa de estupro, com a intenção de provar que tudo não passou de um caso tórrido de amor entre dois enamorados separados por um oceano.

Vocabulário pobre e ausência de choro

Antes de usar a troca de mensagens como prova de sua inocência, um Neymar muito contrito menciona três vezes que está “muito triste” e que a situação é “muito ruim”. Ouvi gente reclamando da ausência de lágrimas (“aquela única lágrima seca”, como já dizia o poeta). Mas a falta de choro é o que menos importa aqui. Aliás, há um texto muito bom de Theodore Dalrymple sobre a nossa necessidade contemporânea de ver, nas pessoas que se dizem vítimas de qualquer tragédia ou injustiça, choro, muito choro, inclusive com soluços e, melhor ainda, gritos histéricos. Dalrymple cita o exemplo dos pais da menina Madeleine McCann, que desapareceu em Portugal. A opinião pública se voltou contra os pais da menina só porque não havia choro.

Os adjetivos “ruim” e “triste” refletem pobreza de vocabulário, que por sua vez reflete certa infantilização do personagem. Por pelo menos três vezes, um Neymar semi-indignado com o que considera uma “armadilha” e “extorsão” repete que tudo é muito triste e muito ruim, muito ruim e muito triste. Mas ele não parece perceber direito a dimensão da acusação que lhe fazem e que ele faz da suposta vítima. Pelo contrário, Neymar parece um menino muito triste que fez algo muito ruim, como se tivesse sido pego desenhando com giz de cera nas paredes da mansão parisiense e como se agora fosse obrigado pelo pai a vir a público pedir constrangidas desculpas.

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Aí tem início a troca de mensagens para lá de impudicas entre o jogador do PSG e da seleção brasileira e a menina. Curioso notar que não há muito espaço para cortejos; nem para um protocolar “bom dia”. Ao menos de acordo com a conversa divulgada pela assessoria de Neymar, a troca de mensagens já começa com fotos ousadas e com a narração de um sonho quente. Ao que Neymar simplesmente responde “bons sonhos”.

Saudade do que a gente não viveu ainda

Em seguida, a moça envia a Neymar um link para o vídeo de uma música intitulada “Que Amor É Esse”, de Luma Elpídio. É uma balada gospel cujo clipe foi visto mais de 130 milhões de vezes no Youtube. A música tem versos sugestivos, se levarmos em conta o contexto da conversa entre Neymar e a moça que ele acusa de extorsão, e que por sua vez o acusa de estupro:

Que amor é esse?

Graça incalculável

Não tem interesse, não quer nada em troca

Tua vontade é boa, perfeita e agradável

Ao que o jogador simplesmente responde “Amém”.

E a conversa prossegue com uma série de frases que bem poderiam figurar numa antologia dos piores versos de pagode dos anos 1990. Ou, para os eruditos, que bem poderiam complementar uma edição de “Todas as cartas de amor são ridículas”, de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos. Se conhecesse o poeta português, Neymar talvez se atentasse aos últimos versos do poema:

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(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas).

Entre fotos ousadas, lê-se coisas como “Oi razão da minha libido” e “Saudade do que a gente não viveu ainda”. Tudo entremeado por vídeos supostamente provocativos e emojis de coração e beijinho. O que me leva a evocar um filme clássico a que assisti recentemente, Intriga Internacional, de Hitchcock. Lá pelas tantas, o homem caçado pela polícia encontra uma linda loira no trem. E os dois começavam a conversar e eu juro que ruborizei (não muito) com as insinuações inteligentes de um lado e de outro, as provocações, o joguete de sedução que parecia sempre estar a um milímetro do explícito, sem jamais flertar com o vulgar.

Uma relação normal entre homem e mulher

Tem início, então, uma tediosa negociação em que a moça diz que quer ir para Paris e o jogador diz que “vou organizar isso”. Neste sentido tudo é muito pragmático – até mesmo a necessidade de ela dar um alojamento como justificativa na imigração. É uma espécie de contrato com um vocabulário um pouco menos rebuscado do que o juridiquês. As tratativas culminam com o que Neymar chama de “uma relação entre homem e mulher, dentro de quatro paredes, algo que acontece com todo casal”.

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Consumado o “amor”, dá-se início ao ritual melancólico que se perpetua há gerações e que é capaz de deixar os psicológicos evolucionistas completamente loucos: tendo disseminado seus genes, o homem despreza a mulher que, por sua vez, faz de tudo para provar que sua companhia é necessária para a perpetuação do relacionamento e, consequentemente, da espécie.

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Por fim, a moça diz que não consegue pôr música nem tampouco pedir vinho. E pede ao craque que traga vinho – “rosé ou branco”. Ela sugere estar ouvindo funk, não muito antes de escrever: “Vc vai vir mesmo??”. Ao que o menino Ney respondeu simplesmente “vou”.

Assim termina a conversa entre os dois. Ou ao menos a parte que a assessoria de Neymar compartilhou. Ao longo da semana, os cronistas policiais muito falarão sobre o assunto, bem como os analistas esportivos. É possível que a moça conceda uma entrevista ao Fantástico. E Tite, o técnico da seleção, usará de palavras “difíceis” para explicar por que cortou ou manteve Neymar no time que disputará a Copa América.

Independentemente do que venha a acontecer, o episódio já é quase um quadro naturalista dessa elite perdida, escrava da própria fama, do próprio dinheiro, dos próprios hormônios e de uma ética muito própria, que não busca qualquer legado que não aquele que mancha os lençóis de um hotel barato de Paris.