Google: empresa se desculpou pelos erros, mas ainda tem muito trabalho pela frente.| Foto: Dado Ruvic/Reuters

Há pouco mais de uma semana a Havas, uma das maiores agência de publicidade do mundo, suspendeu a veiculação de propagandas de seus clientes localizados no Reino Unido em plataformas operadas pelo Google, criticando a incapacidade da empresa em impedir que anúncios apareçam ao lado de conteúdo extremista.

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“Temos o dever de zelar pelos nossos clientes”, justificou Paul Frampton, diretor executivo da Havas UK em entrevista ao Times. A atitude veio após uma série de reportagens publicadas pelo próprio jornal inglês que levantou peças publicitárias em sites e vídeos ligados ao Estado Islâmico e ao grupo neonazista britânico Combat 18. “Nossa posição permanecerá até que tenhamos confiança que o Google terá a capacidade de entregar os padrões de qualidade que nós e nossos clientes esperamos”, completou Frampton.

O que começou na Inglaterra logo se alastrou ao redor do globo: o movimento iniciado pelo Grupo Havas foi seguido pelo governo britânico e, posteriormente, empresas como McDonald’s, L’Oréal, Audi, AT&T, Verizon e Johnson & Johnson também congelaram investimentos publicitários nas plataformas operadas pelo Google.

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A Audi, por exemplo, alegou que inserções sobre seu novo modelo, R8, foram exibidas ao lado de Roosh V, blogueiro com vídeos intitulados como “Every man is a rapist” (“Todo homem é um estuprador”, em tradução literal) ou ainda associadas a Steven Anderson, pregador religioso reconhecidamente homofóbico. Já McDonald´s, L´Oréal e Tesco (uma cadeia de supermercados inglesa) apareceram ao lado de David Duke, ex-membro do Ku Klux Klan, em vídeos como “What jews really think about you” (“O que judeus realmente pensam sobre você”), que declara que judeus desprezam não-judeus e pretendem escravizá-los.

Para André Tezza, professor do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo (UP) e especialista em Leituras de Múltiplas Linguagens, os limites entre censura e liberdade de expressão são tênues e modos não humanos responsáveis por filtrar esta relação ainda são ineficientes: “os recursos atuais de inteligência artificial e algoritmos, para filtrar o conteúdo impróprio e evitar a publicidade, ainda têm a precisão de alguém que tenta cortar a unha com uma marreta”.

Medir quantas pessoas foram negativamente impactadas também é algo complexo. “No Brasil, mais de 15% dos usuários usam Ad Blockers, evitando a veiculação de publicidade. E, mais importante do que isto, é preciso lembrar que quem acessa o conteúdo extremista, em sua grande maioria, são os próprios extremistas - isto é, aqueles que, em princípio, não condenam o conteúdo que está ali”, analisa Tezza. “De um lado, anunciantes estão certíssimos em evitar as associações com o material extremista. Mas, por outro lado, deve-se também conjecturar até que ponto esta ação não é uma forma de barganha”.

De qualquer forma, sob qualquer uma das óticas, o Google saiu perdendo.

Financiando o ódio

Especialistas ouvidos pelo Guardian afirmam que alguns desses “produtores de conteúdo” movimentaram até 290 mil euros (valor próximo a R$1 milhão), o que financiou não apenas vídeos de conteúdo extremista, religioso ou político, como também homofobia e antissemitismo.

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Fato corroborado por um levantamento feito pelo próprio Times, que apontou cerca de 200 vídeos antissemitas hospedados no YouTube: o material reforça estereótipos, como a ideia de que judeus controlam instituições financeiras, meios de comunicação e nega o holocausto.

“Sabemos que anunciantes não querem anúncios ao lado de conteúdos que não respeitam seus valores. Por isso vamos tomar uma posição mais dura com conteúdos agressivos, ofensivos ou insultuosos”, explicou o diretor comercial do Google, Philipp Schindler. “Gostaria de me desculpar com os parceiros e anunciantes que foram afetados pelos seus anúncios aparecendo em conteúdo controverso”, completou o presidente do Google para Europa, Oriente Médio e África, Matt Brittin, durante o evento anual Advertising Week Europe, em Londres.

Paradoxalmente, no início deste mês, a empresa se recusou a retirar do ar um vídeo intitulado “judeus admitem organizar genocídio branco”, sob a alegação de que era a favor da “liberdade de expressão e acesso à informação”. Já “Adolf Hitler Was Right” (“Adolf Hitler estava certo”), que traz trechos de um discurso de guerra com imagens contemporâneas e pede para o homem branco se organizar “contra a tirania judaica”, é constantemente denunciado, mas conta com inúmeras versões disponíveis que, quando somadas, se aproximam das 500 mil visualizações.

Buscando soluções

Em 2016, juntamente com outras empresas da área de tecnologia, o Google se comprometeu com um código de conduta que prometia rever em até 24 horas qualquer item denunciado como ofensivo para posteriormente removê-lo – o “porém” é que durante a série de reportagens que escancarou o problema, o Times denunciou seis vídeos como “impróprios” e, após o prazo estipulado, a empresa não havia retirado nenhum do ar.

Já após a crise, a empresa disse contar com o público para denunciar conteúdo ofensivo: devido ao volume de informações disponíveis não é capaz de policiar toda plataforma. Tezza explica que no esforço de evitar, por exemplo, a pornografia, algoritmos acabam filtrando também obras de arte em que a nudez é exposta ou campanhas que tratam do câncer de mama.

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“Ainda não está disponível uma inteligência artificial capaz de fazer um rastreamento razoável em massa dos conteúdos. Há muitas questões envolvidas: a internet é um não-lugar, não está em um território e o conteúdo que pode ser ofensivo e proibido em um país pode não ser em outro. Existem zonas na internet que realmente existem sem qualquer possibilidade de regulamentação ou fiscalização”.

A discussão expõe um grande desafio para o Google: identificar conteúdo ilegal ou determinar a legalidade além de, após estabelecido esse limiar, julgar se eles são ou não adequados à publicidade. Vale ressaltar ainda que nos últimos anos a empresa sempre tentou se portar com uma plataforma de tecnologia, distanciando-se da posição de veículo de mídia. “Ele atua nas duas frentes e só existe porque recebe receitas publicitárias: não é um órgão estatal, não é uma fundação - é uma corporação. E o serviço que esta corporação presta é ser uma plataforma de tecnologia. Creio que os questionamentos sobre a responsabilidade do Google sobre o conteúdo na internet recaem sobre toda a internet”, conclui André.