Venezuelanos vão às ruas protestar contra o governo Maduro há meses| Foto: FEDERICO PARRA/AFP

Enfrentando crescente agitação civil, o governo da Venezuela finalmente deu uma resposta: a convocação de uma assembleia constituinte. Para o presidente Nicolás Maduro, esta é a maneira de restaurar a paz. Muito provavelmente produzirá o oposto: mais instabilidade.

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Uma assembleia constituinte é o nome dado a um grupo de indivíduos incumbidos de esboçar uma nova constituição. A questão chave é: que tipo de constituição essas assembleias produzem? 

As constituições regulam uma série de questões da vida pública, e diferem na variedade de tópicos que abordam (a regra geral é que quanto mais recente a constituição, maior o número de temas tratados). Mas um aspecto universal de todas as constituições — em democracias e não-democracias — é a codificação dos poderes do presidente. 

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Algumas assembleias constituintes são rigorosas: elas produzem constituições com mais freios e contrapesos sobre o poder executivo que os textos que substituem. Outras são permissivas: geram maior concentração de poder na presidência. 

Mais poder a Maduro

A convocação de uma assembléia constitucional por Maduro é expressamente calculada para minimizar a representação fora do partido dominante. Somente isso já conduzirá inevitavelmente a um texto final com bem menos freios e contrapesos. 

Uma assembleia constitucional é uma das muitas maneiras de se mudar uma constituição. Outras formas incluem atos de parlamento, emendas, comissões especiais ou decreto presidencial. Assembleias constituintes consistem tipicamente de grupos selecionados para garantir representação, e recebem amplos poderes para mudar o texto inteiro. O exemplo mais famoso, é claro, é a Assembleia Constituinte Francesa de 1789; alguns diriam que outro é a Convenção da Filadélfia de 1787. 

Poderes presidenciais

Na contemporaneidade, assembleias constituintes representativas não são tão frequentes. Somente 19 das 119 constituições que surgiram desde os anos 1980 nasceram de assembleias constituintes representativas. 

A América Latina é uma exceção. Assembleias constituintes representativas tem sido na verdade bastante comuns, sendo o continente responsável por 10 das 19 assembleias constituintes ao redor do mundo desde 1980. Acadêmicos (e apoiadores) as descrevem como "participativas," porque todas se basearam no sufrágio universal para eleger delegados , mas também porque os textos resultantes ofereceram novos direitos para novas parcelas do eleitorado, tais como minorias, grupos indígenas e mulheres. 

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Onde essas constituições latino-americanas mais diferem é em termos dos poderes presidenciais. Três assembleias constitucionais latino-americanas expandiram o poder presidencial em relação a suas predecessoras: Peru, em 1993, Venezuela, em 1999 e Equador, em 2008. Três não o alteraram quase nada: Brasil, em 1988, Argentina, em 1994, e Bolívia em 2009. As outras reduziram os poderes presidenciais significativamente: Nicarágua, em 1987, Colômbia, em 1991, Paraguai, em 1992 e Equador, em 1998. 

Assimetria

Minha pesquisa sobre essas constituições mostra que a variável que melhor prevê essa diferença é a vantagem de poder gozada pelo partido dominante. Sob grande assimetria de poder — em que os aliados do presidente em exercício têm muito mais assentos que a oposição — os poderes presidenciais totais se expandem. Onde o poder é menos assimétrico -i.e., os delegados incumbentes tem o mesmo número ou um número menor de assentos que a oposição - os poderes presidenciais efetivos permanecem estáveis ou até mesmo diminuem. 

A razão para este resultado tem a ver com o "self-dealing", a teoria de que atores buscarão maximizar o poder dos cargos que eles controlam. Presidentes incumbentes geralmente encaram a elaboração de uma constituição com a ideia de expandir os poderes da presidência. Eles podem conceder poderes a outras instituições e atores, mas somente se forçados a tal. O conjunto de atores que mais provavelmente forçarão uma cessão são os partidos de oposição. 

O que sabemos até agora sugere que a presença da oposição nessa sonhada assembleia será mínima. Maduro disse que metade dos 500 delegados será eleita indiretamente, por organizações não-governamentais (ONGs), oficialmente reconhecidas pelo estado. O governo não permitirá a participação de partidos políticos. A outra metade será eleita por um sistema, ainda a ser determinado, baseado na concessão de igual representação para os 23 estados e um distrito federal da Venezuela, apesar de grandes diferenças no tamanho da população. 

Sem representatividade

Essa regra de seleção compromete a representatividade de várias formas. Em primeiro lugar, os grupos que poderão votar são todos fiéis ao regime — na Venezuela, o estados só reconhece ONGs fiéis ao regime — cujos líderes raramente são eleitos democraticamente. Em segundo lugar, um banimento de partidos de oposição constitui uma grave violação do conceito de eleições livres. Em terceiro lugar, o sistema para determinar assentos por estados dará maior representação a áreas rurais, sub-povoadas, que é onde o Chávismo — o movimento que leva o nome do falecido Hugo Chávez e que apoia Maduro — é mais forte. 

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No geral, esse plano dará inevitavelmente ao presidente uma vantagem de poder na assembleia e não dará à oposição quase nenhuma capacidade de organizar o voto, em função de restrições sobre a atividade de partidos políticos. 

Impopular

Para compor essa vantagem, não está claro se Maduro irá buscar a aprovação do eleitor para convocar e ratificar o processo via referendo, como prevê a constituição. É mais provável que Maduro use a assembleia constituinte para evitar organizar eleições para o estado. Ele está desesperado para evitar eleições, porque pesquisas indicam que ele e seu partido, com índices de aprovação abaixo de 26%, provavelmente perderiam qualquer eleição sob as circunstâncias atuais. 

A assimetria de poder não é, é claro, o único fator que molda textos constitucionais. Um outro elemento é o contexto, ou fatores geradores. Quando as constituições são elaboradas durante crises econômicas, por exemplo, a constituição tende a entregar mais poderes formais à presidência. Um outro fator é a estrutura do partido dominante: onde o partido dominante depende inteiramente de seu líder (ou tem uma história curta de responsabilizar presidentes), ele provavelmente não vai controlar o desejo de seu presidente de acumular poder. 

A Venezuela corre ambos os riscos. Ela está em meio à crise econômica mais grave do mundo, e o partido dominante, o PSUV de Maduro, é tão dependente de seu líder que alguns já o chamaram sovietizado. 

Por que uma nova Constituição?

Mas se Maduro já detém tanto poder autocrático, porque se preocupar com uma nova constituição? Os cientistas políticos Michael Albertus e Victor Menaldo ajudam a responder esta questão. Eles defendem que ditadores criam constituições ("agem como pais fundadores") não somente para dar poder a si, mas para empoderar também "organizações de apoio". Esses sãos os grupos responsáveis por garantir a sobrevivência de um ditador, tais como o exército ou compadres. Quando há incerteza a respeito do futuro do ditador, tanto o autorcrata quantos as organizações de apoio buscarão uma constituição para conceder proteção um ao outro - e não necessariamente aos cidadãos como um todo. 

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No geral, a Venezuela cumpre quatro requisitos para um processo constitucional que levará a um aprofundamento da autocracia: uma regra de seleção pró-incumbência; uma crise econômica, um partido político subserviente; e um ditador enfrentando perspectivas incertas no seu cargo. 

Por que isso importa? As constituições contém a promessa de diminuir conflitos, o que a Venezuela precisa desesperadamente, mas somente se expandirem a partilha do poder. Como mostrou John Carey, um processo mais inclusivo de elaboração da constituição pode até mesmo gerar mais democracia. O plano de Maduro para uma assembleia constituinte fará o oposto. A oposição o sabe e por essa razão, respondeu rejeitando a proposta e convocando mais protestos de rua, que já duram dois meses. 

Pode ser que Maduro ainda dê sequência em seus planos. Se ele o fizer, a constituição resultante provavelmente não restaurará a democracia ou aplacará o pior conflito civil que a América Latina viu em décadas. 

*Corrales é professor Dwight W. Morrow 1895 de ciência política na Universidade de Amherst. Seu livro "Consertando a Democracia: Assembleias Constituintes e Poderes Presidenciais na América Latina" saíra em breve pela Oxford University Press. Encontre-o no Twitter @jcorrales2011.