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Em junho, Meta e Google iniciaram testes para suprimir links com notícias de suas plataformas, antecipando a entrada em vigor da nova lei canadense
Em junho, Meta e Google iniciaram testes para suprimir links com notícias de suas plataformas, antecipando a entrada em vigor da nova lei canadense| Foto: Bigstock

Duas gigantes da tecnologia, Google e Meta anunciaram que suspenderão as publicações e resultados de busca que disponibilizem links para notícia em suas plataformas no Canadá. A decisão foi tomada após a aprovação, no dia 22 de junho, do projeto de lei C-18 ou a Lei de Notícias on-line (Online News Act) pelo Senado canadense. Na prática, a nova legislação faz com que plataformas de internet paguem uma taxa a jornais, revistas e sites pelos links de notícias indicados ou reproduzidos. Google e Meta, duas Big Techs diretamente impactadas pela regra, já se pronunciaram contrárias às normas.

Na quinta-feira (29), o presidente de assuntos globais do Google, Kent Walker, em nota publicada no blog da empresa, afirma que a C-18 é uma lei sem precedentes que estabelece uma ‘taxa sobre links’ – um preço a ser pago por links da web – e cria um nível insustentável de incerteza financeira aos nossos produtos com o qual nenhuma empresa poderia aceitar. Portanto, tomamos a difícil decisão de remover links para notícias canadenses da Busca, Google Notícias e Discover no Canadá quando a lei entrar em vigor. Não foi uma decisão fácil. Levamos seu impacto muito a sério e acreditamos que é importante sermos transparentes com os veículos de notícias canadenses e com os nossos usuários o mais cedo possível.”

Adiantando-se à nova regra, no dia 1º de junho, a Meta, controladora do Facebook, Instagram e Whatsapp, anunciou em nota publicada em seu blog que iniciaria testes para bloquear o compartilhamento de notícias em suas redes sociais no Canadá. Segundo a empresa, "o Online News Act é uma legislação fundamentalmente falha, que desconsidera a realidade de como as nossas plataformas operam, as preferências das pessoas que as utilizam e o valor que fornecemos aos veículos de notícias. Embora esses testes de produto sejam temporários, pretendemos encerrar a disponibilidade de conteúdo de notícias no Canadá permanentemente após a aprovação do Projeto de Lei C-18".

Escolhas de negócio 

A nova lei estabelece a negociação de acordos comerciais voluntários entre as plataformas digitais e os veículos de notícias para que cheguem a um consenso sobre os valores e a forma de fazer os pagamentos. Ainda garante que os meios de comunicação, principalmente os pequenos e independentes, possam negociar de forma coletiva com as plataformas, a fim de contrabalançar o poder de barganha das Big Techs. A legislação também prevê que haja intervenção governamental mínima, já que a lei assegura a arbitragem quando não houver consenso. Nesses casos, a mediação será feita pela Comissão Canadense de Radiotelevisão e Telecomunicações (CRTC), a instância reguladora da nova lei.

Em 2022, durante as tratativas para a aprovação da lei, o ministro do Patrimônio Canadense, Pablo Rodríguez, disse que as empresas deveriam cumprir com a legislação respeitando seu modelo de negócios. Segundo o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Otawa e pesquisador de Legislação de Internet e E-commerce, Michael A. Geist, o posicionamento da Meta e do Google é parte da constante interação entre empresas e governo.

“As empresas respondem a reformas legislativas e regulatórias o tempo todo. Queremos que elas façam isso. Quando o governo aprova novos regulamentos, ele quer que as empresas ajustem suas atividades. Eu não acho que a ação da Meta e do Google seja diferente. O governo mudou o custo para a vinculação de links no Canadá, o que cria mudanças na economia de hospedagem de determinados conteúdos. Acho que está correto e a escolha [das empresas] pode incluir não mais incluir links [para notícias]”.

Diferentemente do pesquisador, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, disse que tal postura é uma “tática de bullying”, conforme reportado pelo jornal The Washington Post. “O fato desses gigantes da internet preferirem cortar o acesso dos canadenses às notícias locais a pagar sua parte justa é um problema real. Não vai funcionar”, afirmou.

A favor do jornalismo 

Em defesa da lei, o governo afirma que acordos de remuneração entre as plataformas e os veículos de comunicação estão sendo negociados em todo o mundo. A falta de regulação, no entanto, torna difícil determinar se “atendem aos objetivos de um ecossistema sustentável, justo e diversificado de notícias e informações para os canadenses e a proteção total de uma imprensa livre e independente”.

Segundo artigo publicado no site do governo canadense, “a saúde do ecossistema de notícias e informações no país está em risco”. De acordo com estatísticas oficiais, desde 2010, houve cortes nos custos e na oferta de empregos no setor de comunicação. Durante uma interação com o parlamento, Rodríguez chegou a afirmar que 500 empresas de jornalismo fecharam as portas. Além disso, as receitas com publicidade, uma das principais fontes de financiamento para veículos de comunicação, tem sofrido grande queda – cenário agravado pela pandemia de COVID-19.

Por outro lado, o governo afirma que os canadenses cada vez mais acessam notícias por meio de plataformas digitais, que as oferecem de forma inovadora e obtêm lucros significativos com isso. “Alguns também operam outros segmentos críticos de negócios digitais, como a tecnologia de anúncios que oferece suporte ao mercado de publicidade digital. A concentração de publicidade online resultou em 80% das receitas de publicidade indo para um pequeno número de plataformas.”

Em contrapartida, a Meta divulgou que, além de apoiar diversas iniciativas jornalísticas no Canadá, apenas 3% do conteúdo que as pessoas veem em seus feeds é de notícias. Mesmo assim, a empresa estima que, entre abril de 2021 e abril de 2022, o Facebook tenha gerado mais de 1,9 bilhão de cliques para as empresas de comunicação registradas na página de notícias da plataforma no Canadá. Segundo a Meta, o valor estimado desse tráfego adicional é de 230 milhões de dólares canadenses.

Segundo Geist, crítico da nova legislação, a aposta do governo não é acertada, por trazer poucos benefícios para o setor e causar danos significativos ao livre fluxo de informações. “Acho que há espaço para empresas de tecnologia apoiarem o jornalismo e o setor de mídia. No entanto, uma lei que se baseia fundamentalmente em pagamentos obrigatórios para vinculação [compartilhamento e indicação de links de notícias] é a abordagem errada. Além disso, a lei já está desatualizada - não toca em plataformas importantes como TikTok ou Twitter e foi escrita como se a IA generativa nem existisse”, afirma.

O caso australiano 

Em 2021, a Austrália foi pioneira ao regular o pagamento pela distribuição de notícias nas redes sociais e sites de busca. Na ocasião, tanto Meta quanto Google se pronunciaram contrários à legislação, mas acabaram cedendo e estabelecendo acordos com companhias como a News Corp, do magnata da Comunicação, Rupert Murdoch.

Segundo nota publicada pela News Corp na ocasião, “o contrato histórico de três anos também inclui o desenvolvimento de uma plataforma de assinatura, o compartilhamento da receita de anúncios por meio dos serviços de tecnologia de anúncios do Google, o cultivo do jornalismo de áudio e investimentos significativos em jornalismo de audiovisual inovador pelo YouTube”. O acordo envolveu alguns dos principais jornais do conglomerado, como The Wall Street Journal e The New York Post nos EUA, The Times e The Sun na Inglaterra, The Australian na Austrália, entre outros.

No Brasil, a Associação Nacional de Jornais (ANJ), é favorável a iniciativas como a australiana e a canadense. Segundo o presidente executivo da entidade, Marcelo Rech, “no caso australiano, os efeitos são visíveis no revigoramento do ecossistema jornalístico, sobretudo no interior do país. Pequenos, médios e grandes veículos estão contratando jornalistas e retomando coberturas de áreas onde antes havia um deserto de notícias. Estima-se que Meta e Google estejam repassando cerca de U$ 200 milhões por ano para os veículos na Austrália”.

Proposta brasileira 

Em maio deste ano, a ANJ se pronunciou favorável à aprovação do controverso PL 2630, o PL das Fake News, como ficou conhecido. “Um ponto fundamental do PL é a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia, como já ocorre em outros países. Pode ser um elemento decisivo para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia”.

O projeto de lei foi tirado de pauta para revisão no dia 2 de maio, após ampla controvérsia e claros indicativos de que não seria aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados. Na ocasião, tanto Google quanto Meta fizeram ampla campanha contrária à legislação, a exemplo do que ocorreu na Austrália e do que acontece no Canadá. O artigo 32, que tratava do pagamento pela publicação ou indicação de conteúdo jornalístico pelas plataformas, foi um dos principais pontos rechaçados.

Segundo a assessoria parlamentar do redator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a proposta está sendo revisada e ainda não há indicações se o artigo 32 será ou não mantido no corpo da lei. Em declaração recente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), responsabilizou o Google e a Meta pelo fracasso na aprovação do PL.

No Canadá, a nova legislação ainda precisa passar por trâmites parlamentares e só será promulgada após receber a sanção real. As estimativas são de que entre em vigor até o fim deste ano.

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