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Homem recebe treinamento de olfato para anosmia, um dos sintomas da Covid longa.
Homem recebe treinamento de olfato para anosmia ou perda de olfato, um dos sintomas da Covid longa. O treinamento tem eficácia de 50% de casos de recuperação e foi desenvolvido na Universidade de Navarra, Espanha.| Foto: EFE / Jesús Diges

Pesquisadores e pacientes, em parceria com a Agência Nacional de Saúde do Canadá, realizaram ontem (9 de junho) o primeiro Dia da Conscientização de Covid Longa. A doença, também chamada de pós-Covid ou Covid persistente, seria uma forma prolongada da síndrome respiratória da pandemia que perdura por mais de um mês desde a infecção. A primeira pessoa a usar o termo “Covid longa” com esta conotação específica parece ter sido Elisa Perego, pesquisadora honorária do Instituto de Arqueologia da University College em Londres, em março de 2020, para descrever o que ela própria passou ao contrair o coronavírus.

Em relatórios preliminares, a Organização Mundial da Saúde estima que 10 a 20% dos infectados podem ter sintomas persistentes. Theresa Tam, chefe de saúde do governo canadense, especulou em maio que o número pode chegar a 50%. Há dois estudos com amostras grandes em que a estimativa é um valor intermediário entre o da OMS e o de Tam, ambos publicados na revista científica BMJ.

O primeiro, publicado em abril de 2021 por Sarah Daugherty, pesquisadora do laboratório OptumLabs do plano de saúde UnitedHealth Group em Minneapolis, EUA, e colegas, utilizou uma amostra de 193 mil adultos entre 18 e 65 anos que tiveram Covid e concluiu que 14% tinham ao menos uma sequela persistente. O outro estudo grande, de fevereiro deste ano, teve como foco 87 mil idosos a partir dos 65 anos que se infectaram; 32% deles buscaram auxílio médico para sequelas persistentes por 21 dias ou mais. Como outras doenças pulmonares podem deixar sintomas persistentes, os autores — Ken Cohen, também pesquisador do OptumLabs, e colaboradores — compararam o grupo da Covid longa com os que tiveram essas outras doenças e descobriram um incremento de risco para dificuldades respiratórias, demência, fadiga pós-viral. O risco para a maioria dos sintomas foi maior em quem teve formas mais graves da doença aguda. Porém, os cientistas não usam o termo “Covid longa”.

Os pacientes criaram o diagnóstico

A Covid longa foi a primeira doença definida pela união de narrativas de pacientes nas redes sociais. Eles usaram de dispositivos de contar histórias como cronologia, metáfora, suspense e imaginação, e sua narrativa tem como característica distintiva a ausência de profissional médico como testemunha. São as conclusões de Alex Rushforth, sociólogo da saúde britânico e pesquisador do Departamento Nuffield de Ciências de Cuidados Primários em Saúde na Universidade de Oxford, junto a colaboradores, em artigo publicado em fevereiro de 2021 na revista Social Science & Medicine. Os dispositivos usados “criam explicações persuasivas de uma nova doença estranha e assustadora, cheia de reveses e ignorada ou desprezada pelos profissionais de saúde”, dizem os autores.

Alex e colegas não se comprometem com a confirmação ou rejeição da Covid longa como diagnóstico e estão mais interessados na dinâmica social por trás de seu surgimento no ambiente público. Porém, são simpáticos aos pacientes e dizem que parte do problema foi o erro “tragicamente enganoso” da descrição oficial da Covid como doença transitória, que deveria passar em duas semanas. De fato, as primeiras descrições da doença foram inadequadas: não é, por exemplo, apenas uma doença respiratória, mas também circulatória.

Os relatos da Covid longa são encontráveis em sites especializados e grupos nas redes sociais, no estudo são mencionados seis totalizando quase 70 mil pessoas. Os relatos mencionam desânimo, ansiedade, depressão, falta de ar, pouca oxigenação no sangue indicada em oxímetros caseiros, exaustão profunda ao ponto de limitar movimentos, e confusão mental com perda de concentração e memória. Comparados ao diagnóstico oficial, “os sintomas eram inconsistentes e vagos, afetando qualquer um ou muitos dos sistemas do corpo e vêm e vão sem um padrão ou motivo”. Na amostra desse estudo de narrativas, 93% dos pacientes não haviam sido hospitalizados (de uma amostra pequena com total de 114).

Covid longa reconhecida como deficiência

O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (HHS) reconheceu em julho de 2021 que a Covid longa pode ser uma deficiência de acordo com a lei do país.

Jornalistas com Covid longa relatam persistência de dificuldades de concentração debilitantes para seu trabalho. Richard Gard, de 67 anos, professor de música na Universidade de Yale, que faz mergulho e se descreve “muito em forma”, relata que depois de ficar doente com Covid-19 severa por duas semanas e meia, necessitando de respirador, não é o mesmo há dois anos. Ele diz ao Kaiser Health News, site ligado a um plano de saúde, que já acumulou mais de dois meses de estadia em hospitais com sintomas que lembram ataque cardíaco. “Se tentasse subir escadas (...) quase desmaiava de exaustão” com uma dor no peito que se espalhava para o braço e o pescoço, acompanhada de fadiga e suor.

Alguns dos sintomas propostos para Covid-19 longa têm elementos de subjetividade. Um entrevistado do estudo de narrativas de Rushforth só recebeu resultados negativos para infecção com o coronavírus. Embora mais escassos na literatura, há estudos propondo que ao menos parte do fenômeno seja hipocondria ou síndrome de Munchausen. Na síndrome, que é reconhecida pela psiquiatria, uma pessoa tenta imitar os sintomas de uma doença que não tem para poder ter o papel de paciente e ganhar atenção médica. “É bem fácil imitar os sintomas da Covid-19”, dizem três pesquisadores indianos em um artigo de julho de 2020 com primeira autoria de Avik Ray, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Médicas de Toda a Índia em Bopal. Para eles, um sinal de Munchausen com a Covid seriam descrições vagas e incoerentes do início dos sintomas e progressão do quadro, além de visitas a múltiplos locais de teste. Casos de portadores da síndrome fraudando testes laboratoriais são conhecidos. Como o artigo veio cedo na pandemia, os autores não são capazes de apontar casos assim específicos para a Covid. Em outro artigo de 2021, o médico geriatra Yadollah Abolfathi Momtaz, afiliado à Universidade de Bem-Estar Social e Ciências da Reabilitação no Irã, alega que “algumas pessoas estão fingindo ter Covid-19, o que se tornou um fenômeno social generalizado”, mas não apresenta dados ou análise a respeito.

Especialistas medrosos

Reagindo ao alarmismo de outros especialistas e parte da imprensa quanto às viagens de milhões americanos para o Memorial Day, dia em homenagem a mortos em combate nos Estados Unidos que cai na última segunda-feira de maio, o professor de epidemiologia e bioestatística na Universidade da Califórnia em São Francisco Vinay Prasad declarou em seu blog que “na medida em que a Covid longa é um problema, é também inevitável”.

Ele pensa que a pesquisa com Covid longa está em sua infância, e que definições mais precisas são necessárias. “Tudo o que sabemos com confiança neste momento é que a anosmia [perda de olfato] é parte disso”, diz o cientista. “Toda pessoa que viver tempo o suficiente vai pegar Covid-19, (...) todos os caminhos levam a Roma”. Ele pensa que os estudos atuais podem estar exagerando a frequência da versão longa por causa de controle inadequado (comparação com outros grupos).

Prasad oferece outra previsão: “os casos de Covid vão continuar subindo e caindo até que cheguemos à saturação de 93 a 98% de todos os americanos infectados. Depois os casos ainda vão subir e cair com as reinfecções, mas a maioria estará tão farta disso que não vai mais testar ou documentar” seus casos. Perguntando a si mesmo quem tem razão, os cidadãos que viajaram ou os especialistas, ele diz que “os especialistas perderam a cabeça” e “são elitistas que perderam contato” com o resto do país. “Suas políticas não fazem sentido. Eles estão tentando agradar os mais medrosos entre eles. A minha preocupação é que a retaliação irá longe demais, mas a esta altura, suas gafes foram tão grandes que”, assim como a Covid longa, a retaliação seria “inevitável”.

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