As restrições impostas pelo acordo poderiam significar o desaparecimento de cerca de 2,7 milhões de postos de trabalhos diretos ou indiretos gerados pelas indústrias do carvão e do petróleo| Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

No início do mês, Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e, assim, cumpriu uma de suas promessas de campanha. Após décadas de negociações para atrair os norte-americanos a um acordo ambiental global, a corrida contra o tempo de Barack Obama nos últimos meses de mandato parecia indicar que os EUA finalmente se tornariam signatários de um documento do tipo. Trump, porém, precisou de menos de um semestre no governo para concretizar o que havia anunciado e se afastar de um acordo. 

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Com a decisão de Trump, os EUA se juntaram a apenas dois outros países na lista dos que não ratificaram o termo: os outros são a Síria, mergulhada na guerra civil e sem um governo sólido, e a Nicarágua, que concordava com o espírito do Acordo de Paris mas o considerava “brando demais” em suas exigências. As razões norte-americanas, é claro, são muito diferentes daquelas de sírios e nicaraguenses: é preciso olhar para a economia e para o peso geopolítico dos EUA para entender os pontos levantados por Donald Trump ao decidir abandonar o acordo. 

O caminho até o acordo 

O Acordo de Paris é a mais nova versão de uma longa caminhada da política internacional em busca de mitigar os efeitos do aquecimento global causado pela ação humana. Uma história que tem como seu primeiro ponto mais concreto a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, conhecida como Rio 92, passando por tratativas posteriores – com variados graus de adoção e reduzido sucesso – como a assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997, e a Conferência sobre Mudanças Climáticas de Copenhague, celebrada em 2009. 

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Em todos esses momentos, a resistência dos Estados Unidos em adotar medidas mais rígidas para conter a emissão de gases foi uma constante. A disparidade das exigências, que permitia nações em desenvolvimento seguirem poluindo em detrimento das mais desenvolvidas, era um dos fatores comumente apontados por Washington para não ir adiante. 

Nos momentos finais de seu governo, Barack Obama foi o presidente que mais se aproximou de assinar um acordo internacional amplo, concordando com os termos do Acordo de Paris, que passaram a valer em 4 de novembro de 2016 — quatro dias antes das eleições presidenciais que levaram Trump à Casa Branca. 

A inesperada mudança de poder em Washington fez com que a participação dos EUA na aplicação dos termos fosse muito mais rápida do que se imaginava – Hillary Clinton deveria dar continuidade à política de Obama, que chegou a prometer três bilhões de dólares para o fundo internacional em prol de energias verdes. O acordo prevê o subsídio a novas tecnologias em regime de cooperação internacional, com o objetivo de impedir que a temperatura média do planeta suba para além de dois graus a mais do que era antes da Revolução Industrial. 

Uma vez no poder, Trump voltou a insistir que o acordo era danoso à economia norte-americana, exigindo do país medidas que afetariam os EUA muito mais do que aos outros signatários. 

A ausência de contrapartidas 

Se a Nicarágua havia desistido do acordo por considerá-lo “brando demais”, os EUA apontam um motivo semelhante, embora estejam mais preocupados em arcar com o custo disso: o Acordo de Paris, uma verdadeira carta de boas intenções do mundo inteiro, é muito mais discurso do que prática. Seus termos não preveem a criação de qualquer mecanismo que exija o cumprimento das medidas ali prometidas, e tampouco dão margem para sanções aos países que as ignorarem. 

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“O Acordo de Paris deixa 99% do problema intocado”, critica o cientista político Bjorn Lomborg, professor da Copenhagen Business School e autor do livro “O Ambientalista Cético”, polêmico best-seller publicado em 2001 no qual alguns aspectos do aquecimento global são questionados. “É claro que vamos ouvir políticos falando muito sobre os cortes que farão no futuro, mas a experiência mostra que essas promessas não são cumpridas”. 

Por um lado, a ausência de qualquer exigência mais dura torna a própria participação (e retirada) dos EUA um ato principalmente simbólico: na prática, não haveria qualquer necessidade de o país cumprir com as promessas mesmo se continuasse sob as asas do Acordo de Paris. Mas a saída liderada por Trump manda um recado sobre a desconfiança em relação às nações menos desenvolvidas e sua capacidade de cumprir com sua parte do combinado. 

O tratado, afinal, fala em auxílios na ordem de mais de 100 bilhões de dólares aos países em desenvolvimento, a partir de 2020, para que façam a transição a tecnologias industriais menos poluentes. O governo norte-americano argumenta que esse tipo de ajuda não é nova e, no passado, sempre teve sua validade questionada: não há qualquer garantia que um país signatário como, por exemplo, o Brasil — com suas queimadas e desmatamento rampantes — seja capaz de fazer uma mudança concreta além das promessas de redução de emissão dos gases. 

Novamente, cai-se no problema de um acordo sem exigências: se o Brasil, se os próprios EUA, ou qualquer outro país não cumprir sua parte no combinado, os demais estarão arcando com a conta sem poder exigir qualquer contrapartida ou aplicar alguma sanção a ele. 

Empregos em risco 

Refinaria da Exxon/Mobil no Texas: Trump fez a opção pela manutenção dos empregos na indústria do petróleo 
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Donald Trump apontou que, para seguir as normas que o documento exigiria, os Estados Unidos teriam que se distanciar de indústrias que hoje são o motor econômico de regiões inteiras no país — como o carvão e o petróleo. Citando uma pesquisa da empresa de consultoria National Economic Research Associates (NERA), Trump argumentou que as restrições impostas pelo acordo poderiam significar o desaparecimento de cerca de 2,7 milhões de postos de trabalhos diretos ou indiretos gerados por essas indústrias, até 2025. 

O estudo da NERA foi criticado pela oposição, que acusou a firma de conflito de interesses, por já ter prestado serviços à indústria do carvão no passado. De fato, as mineradoras vêm enfrentando um mercado em retração, com uma fatia já muito menor que aquela ocupada por usinas solares e eólicas: segundo o Departamento de Energia do governo dos EUA, a geração energética por carvão movimenta atualmente 160 mil trabalhadores, contra 475 mil relacionados ao sol e ao vento. 

Mesmo em vias de ser ultrapassado, o carvão ainda é tema de fortes debates, e o custo político de assinar a sentença de morte da indústria não pode ser desprezado: quase trinta anos após o final de seu governo, Margaret Thatcher ainda é criticada pela esquerda britânica pelo desemprego que se seguiu ao corte de subsídios às minas deficitárias do interior da Inglaterra, em meados dos anos 80. Além disso, no caso americano, o carvão é apenas um lado da moeda — ainda que tenha sido mencionado explicitamente por Trump em seu discurso. 

A outra face são os hidrocarbonetos. Hoje, a geração de energia dos EUA ainda é fortemente dependente do óleo e do gás natural (mais de 900 mil empregos na geração de energia são ligados a essas fontes), e a extração de gás natural vive um boom na última década, graças à exploração de novas reservas possibilitada por técnicas mais avançadas de fratura hidráulica do solo (fracking). “Essa abundância de energia derivada de hidrocarbonetos fez dos EUA o maior perdedor do Acordo de Paris”, defendeu Rupert Darwall, autor do livro “The Age of Global Warming: A History”, em artigo publicado pela revista britânica The Spectator

Energia verde ainda ineficiente 

Turbinas eólicas na França: energia limpa ainda não se paga 
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O governo norte-americano também sustenta seu argumento de que as energias limpas ainda são pouco efetivas e demasiado custosas para compensar os gastos e a perda imediata de empregos que a restrição causaria em um país tão centrado no petróleo como os EUA. Embora o discurso dos signatários do Acordo de Paris seja de que as energias limpas logo deverão superar os meios mais tradicionais, o caminho até lá ainda depende de grande subsídio para esse tipo de indústria, e de investimentos em pesquisa para torná-las mais eficientes – uma conta que Donald Trump não parece disposto a pagar. 

Exemplos não faltam. Em 2016, o governo britânico reduziu os subsídios para a instalação de células fotovoltaicas em residências comuns, a fim de captar energia solar para abastecer a casa e reduzir a demanda sobre usinas poluentes. Os incentivos governamentais foram diminuídos em cerca de 65% e a conclusão da população foi que, sem a ajuda do Estado, a economia anunciada simplesmente não valia a pena: imediatamente após os cortes, a instalação de novas células caiu para cerca de um quarto (de 81 megawatts para 21) em relação ao mesmo período do ano anterior. 

Situação semelhante, mas com outro tipo de energia limpa, foi vivida pela Espanha em 2015: o país gasta quase 1% de seu PIB para incentivar a geração de energia por meios renováveis. Naquele ano, após uma tentativa de redução dos subsídios, o país viu um desinteresse inédito em relação aos cata-ventos: sem o apoio do governo, pela primeira vez desde a década de 80, nenhum megawatt de energia eólica foi instalado em solo espanhol

O argumento dos adversários de Trump é que manter o país no Acordo de Paris significaria uma garantia maior de que esse tipo de subsídio ganharia força nos Estados Unidos, possibilitando o desenvolvimento de tecnologias verdes mais eficientes. O bilionário Elon Musk, dono, entre outros empreendimentos, da Tesla Motors (que desenvolve carros elétricos), abdicou de seu cargo no conselho de Trump após a retirada do Acordo de Paris. O sinal que o presidente manda é que, embora exista um lobby forte por energia limpa (em maio, CEOs de companhias como a Coca-Cola, Unilever, General Electric e Goldman Sachs assinaram uma carta pedindo que Trump seguisse no acordo), o dinheiro para promovê-la ainda não sairá do governo. 

Para Bjorn Lomborg, “o Tratado de Paris será o mais caro acordo global da história do mundo. Cortar emissões sem substitutos acessíveis e eficientes para os combustíveis fósseis significa apenas energia mais cara e menor crescimento econômico”. De acordo com ele, a decisão de Trump deveria servir de alerta aos investidores para repensarem suas prioridades. “O que é necessário é um investimento maior em energia verde e desenvolvimento, para que essa tecnologia renovável possa competir com os combustíveis fósseis”. 

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As portas não se fecharam totalmente 

A posição de Donald Trump em relação ao aquecimento global é controversa. Após sua chegada à Casa Branca, o governo se recusou a responder oficialmente questões a respeito da opinião do presidente sobre o tema. Antes de se candidatar, porém, Trump havia afirmado repetidamente em seu perfil no Twitter que o aquecimento global era uma “farsa”, chegando a iniciar que havia sido criada pelos chineses para atrapalhar a economia americana. 

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Apesar disso, o discurso do presidente dos EUA foi conciliador no momento de saída do Acordo de Paris, indicando uma abertura para negociar novos termos, se assim os outros signatários quisessem — hipótese que, a princípio, foi negada veementemente por países como a Alemanha e a França, que declararam de imediato que o tratado já havia sido discutido à exaustão e agora era “inegociável”. As dúvidas sobre a eficácia de um acordo que não inclua o país com as segundas maiores taxas de emissão de dióxido de carbono do mundo (os EUA são responsáveis por 14,3% das emissões globais, atrás apenas da China, com 29,5%) talvez faça as potências europeias repensarem sua posição. 

Seja como for, a decisão de Trump apenas significa que o governo federal norte-americano não impulsionará diretamente medidas relacionadas ao Acordo de Paris, mas não impede outras instâncias de adotá-las. Em estados cuja economia é mais diversificada e menos dependente das indústrias poluentes, os governos locais já anunciaram que seguirão os termos acordados por Obama: batizada de United States Climate Alliance, a iniciativa já tem a promessa de participação de doze estados (incluindo a Califórnia, maior PIB do país), a capital Washington, DC, e a ilha de Porto Rico, oficialmente um protetorado dos EUA.