A Mary de Emily Blunt incorpora emoções que carecem de autenticidade. Sem os enigmáticos olhos azuis e a encantadora voz de soprano de Julie Andrews, Blunt lembra mais uma rígida diretora de escola| Foto: Divulgação

Dizem que Mary Poppins está de volta, mas só a geração do pós-guerra vai se importar. ‘Roma’, sim, traz a babá com a qual a geração dos millennials conseguirá se identificar. Quem é essa mulher branca, britânica, com uma sombrinha e um casaco apertado, que vai dando ordens a seus superiores e se divertindo na companhia de inferiores da classe trabalhadora? Ninguém pediu que Mary Poppins retornasse com uma consciência moderna, mas seu reaparecimento prova, inequivocamente, que os executivos de Hollywood estão desesperados para justificar sua própria mediocridade, apelando à nostalgia.

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Também não há dúvida de que o atual momento político impede que a nova versão do filme seja um momento de diversão nostálgica. Tome como exemplo as novas canções politicamente instrutivas de ‘O Retorno de Mary Poppins’. Trata-se das típicas composições pastiche da Broadway, de Marc Shaiman (do fraco musical ‘Hairspray’), repletas de clichês e sem qualquer traço do encanto memorável daquelas compostas por Richard e Robert Sherman para a versão original de Mary Poppins de 1964. 

Incapaz de criar um trava-língua ou letras divertidas sobre remédios em colheres de açúcar, Shaiman assimilou o clima de #Resistência que tomou conta da Broadway e de Hollywood. Embora disfarçadas de entretenimento familiar inócuo, as canções têm uma nota ligeiramente repressiva e pedante, especialmente o final de “Nowhere to Go but Up”, a canção do balão de Shaiman. Ouvintes cuidadosos notarão o stalinismo do showbiz: “O passado é o passado/Ele vive como história/Deixe o passado sair de cena /para sempre é agora”. Por que uma cantiga num filme para toda a família deveria evocar o apagamento da história perpetrado pelo regime soviético? 

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Esse apagamento também reeduca a memória do primeiro filme de Mary Poppins, no qual uma babá subserviente do sexo feminino, que aparece estranhamente do nada, ajuda o chefe masculino de uma conservadora família britânica de banqueiros. Ela manteve o sistema de classes de Inglaterra quase sobrenaturalmente — ou de uma forma supercalifragilisticoespialidosa. Agora Mary regressa sem qualquer finalidade, exceto exibir uma nova embalagem comercial. (Enquanto isso, personagens menores desempenham um subtexto socialista, em campanha para trabalhadores mal remunerados.) 

‘O Retorno de Mary Poppins’ atualiza noções de gênero que soam datadas, tornando a babá desumanamente assexuada — mas iluminada. A Mary de Emily Blunt incorpora emoções que carecem de autenticidade. (Um sotaque britânico faz maravilhas com o complexo de inferioridade dos americanos.) Sem os enigmáticos olhos azuis e a encantadora voz de soprano de Julie Andrews, Blunt lembra mais uma rígida diretora de escola. Ela submete as crianças a uma fantasia de banho de espuma — o clímax visual em ritmo de videogame do filme — de uma forma que não as individualiza nem nos encanta. Mary até mesmo sobe no palco quando os cineastas não conseguem pensar em uma maneira direta e sem rodeios para ela ajudar seus patrões. 

Pela primeira e última vez em sua carreira, Andrews transmitiu uma estranheza mágica como Mary, como uma espécie de Peter Pan maternal, encorajando toda uma nova geração com sua providencial idiossincrasia. Blunt nunca ultrapassa a diligência de um teste, mas se encaixa no elenco de não-cantores e não-dançarinos, especialidade de Rob Marshall, o mesmo diretor de Chicago. 

‘O Retorno de Mary Poppins’ atinge o fundo do poço quando Mary visita sua prima Topsy, interpretada por uma Meryl Streep fazendo acrobacias de cabeça para baixo e arriscando um sotaque russo (para sugerir algum tipo de conluio profano?). As conotações políticas de Streep (não só ela, mas tudo está supostamente de cabeça para baixo na era do Malvado Homem Laranja) sugerem que a Síndrome de Transtorno de Trump causou danos irreparáveis ao showbiz progressista. Assim como Emily Blunt, Meryl Streep não é nada divertida. 

E, embora a aparição de Dick Van Dyke seja uma ótima surpresa e lembrança do primeiro filme, a ausência de Julie Andrews não é. (É fácil imaginar Andrews dizendo à Disney Corp.: “O único ‘Retorno’ que me interessa é o dos impostos.”) É claro que Van Dyke ainda mostra talento, embora não o suficiente para fazer com que os espectadores mais jovens se importem em saber quem é esse estranho que nada tem de sovina. E, mais importante, Van Dyke tem alguma ternura, ao contrário do resto do elenco pouco espirituoso, que apenas faz caretas de eunuco feliz.

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Na versão original, Van Dyke faz Jack, um limpador de chaminés, papel que Lin-Manuel Miranda assume agora como um acendedor de lampiões de rua. Ele é um dos muitos londrinos que garantem a diversidade étnica do filme (a mudança na ocupação evita que Miranda tenha que aparecer com qualquer mancha escura no rosto, como era o caso de Van Dyke). 

Nada neste novo filme se equipara à profunda ternura da canção do filme original “Feed the Birds”. Todos que conheço têm uma lembrança sentimental ao ouvir essa canção – e mesmo pessoas que não conheço, como as estrelas pop por trás da música da campanha Band Aid de 1984, para combater a fome na Etiópia (“Do They Know It's Christmas”). O refrão “Feed the World” foi inspirado na composição dos irmãos Sherman para a versão original de Mary Poppins. A canção de ninar dos Shermans despertou os ouvintes para a caridade, não para o sentimento de superioridade moral da internet. 

É uma pena que a canção “Nowhere to Go but Up” não seja uma autoparódia. Só leve as crianças para ver ‘O Retorno de Mary Poppins’ se quiser que elas cresçam indiferentes e egoístas, como os militantes do movimento Antifa. 

Armond White é crítico de cinema e escreve sobre filmes na National Review. Ele é autor do livro ‘New Position: The Prince Chronicles’

©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
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