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Os antifas rejeitam qualquer tradição ética capaz de justificar seus novos dogmas.
Os antifas rejeitam qualquer tradição ética capaz de justificar seus novos dogmas.| Foto: AFP

No meu primeiro ano de faculdade, li e fui persuadido pelo livro Closing of the American Mind [O estreitamento da mentalidade americana], de Allan Bloom. O livro de Bloom era uma “reflexão sobre o estado de nossas almas” e ele claramente sabia algo sobre nossa alma e mente. Consequentemente, quando iniciei minha carreira de professor, voltei com frequência ao texto para poder compreender meus alunos. O livro costumava ser útil.

Li o livro pela primeira vez em 1995. Ele estava em circulação há oito anos. Hoje, 33 anos depois da primeira edição, Closing of the American Mind é um livro de meia idade, e tenho de admitir que não o considero tão instigante, ainda que alguns amigos inteligentes me digam que estou bem enganado.

Já nas primeiras frases da introdução, Bloom argumenta que um professor pode ter certeza de que “praticamente todos os alunos que estão entrando para a Universidade acreditam, ou dizem acreditar, que a verdade é relativa. Se essa crença for posta à prova, pode-se ter certeza da reação dos alunos: eles não compreenderão (...). A relatividade da verdade não é uma ideia teórica, e sim um postulado moral, a condição de uma sociedade livre, ou ao menos é assim que eles a veem”.

Isso faz sentido quando penso nos meus dias de estudante e nos primeiros anos como professor, quando frases como “bom, pessoalmente acredito em x, mas quem sou eu para dizer?” era infelizmente comum nas aulas de introdução à filosofia. “Então você acha que a escravidão é errada, mas não diria que é errado uma pessoa ser dona de escravos?”, o professor, às vezes eu mesmo, perguntaria. “A escravidão é errada para mim; eu não teria escravos, mas talvez para outra pessoa ou cultura isso não fosse um problema. Eu não faria, mas quem sou eu para dizer o que é certo ou errado para os outros?”. O professor: “E se eu tivesse escravos e tentasse escravizar você? Você não veria problema nisso?”. Aluno: “Claro! Pessoalmente, sou contra a escravidão”.

Como as coisas mudaram! Esse não é mais o diálogo padrão de uma aula. Embora haja certamente uma ingenuidade esclarecida e preguiça intelectual na afirmação – afinal, nenhum aluno realmente diria que a escravidão é moralmente aceitável — o relativismo deu origem a uma permissividade cada vez maior nas argumentações. O “perigo” que os alunos eram “ensinados a temer”, nas palavras de Bloom, “não era o erro, e sim a intolerância”, e assim os alunos passaram a fazer afirmações estupidamente erradas em nome da tolerância — esperando serem tolerados –, já que a “única virtude” que eles aprenderam foi ter a “cabeça aberta”. A “cabeça aberta”, escreveu Bloom, e “o relativismo que a torna a única postura permitida” é “a maior ideia de nosso tempo”. O maior perigo se tornou o "acreditar fielmente”.

Talvez seja melhor dizer que ter a “cabeça aberta” era a maior ideia daquela época. Hoje em dia, não é essa abertura, e sim o dogmatismo o que descreve a “grande ideia” e “virtude” do nosso tempo. Talvez os alunos continuem teoricamente comprometidos com o relativismo, no sentido de lhes faltarem justificativas de fontes morais, mas muitos deles são fundamentalmente dogmáticos em seus preceitos. Ainda que Bloom descrevesse seus alunos como pessoas comprometidas com o relativismo enquanto postulado moral — para eles, a própria condição de uma sociedade livre — muitos se desviaram disso: hoje conclusões dogmáticas não abertas ao debate são consideradas condições necessárias de uma sociedade justa.

Mark Lilla descreve o ambiente atual no qual a argumentação e o debate foram substituídos por um ponto de vista no qual a crítica é um tabu: “Às vezes nossos campi mais privilegiados parecem presos a um mundo de religiões arcaicas. Somente aqueles com uma identidade comprovada têm, como xamãs, permissão para falar sobre certos assuntos”. Mais uma vez, esse é um tipo de relativismo em seu compromisso teórico, já que debates sobre a validação são considerados irrelevantes ao discurso moral, mas um tipo de relativismo disposto a prescrever ortodoxia, ostracizar hereges e punir dissidentes.

Mas como esse relativismo teórico se combina com o dogmatismo? A resposta, sugiro, está no renascimento de um antifascismo anárquico e distorcido.

Antifascistas anarquistas

Nos vários capítulos do livro The Age of Secularization [A era da secularização] que refletem sobre os protestos estudantis do fim dos anos 1960, Augusto Del Noce diz que “não há dúvidas de que os extremistas se veem como os antifascistas mais radicais”. Mas “há tipos diferentes de antifascismo” e o fato é que os antifascistas distinguem dois aspectos fundamentais do fascismo — "o nacionalismo e o anarquismo” —, rejeitando por completo o nacionalismo e mantendo o “lado puramente anárquico”. Consequentemente, o jovem, que nunca viveu o fascismo real, “redescobre seu pior aspecto, sem deixar de se ver como o antifascista mais radical”.

De acordo com Del Noce, os antifascistas do fim da década de 1960 adotaram a tendência anárquica de negação do fascismo. “Não há nenhum aspecto do extremismo estudantil que não seja uma redescoberta dos temas do fascismo”, continua ele. Entre esses aspectos estão os objetivos amplos e sem definição clara, resumidos na mentalidade do “eu quero”; o “direito da juventude de ocupar o poder”; a preocupação com “a mudança geracional” e não com os interesses de classe; a vocação revolucionária, sobretudo se a revolução for liderada pelos jovens; a negação do status quo; o anti-intelectualismo; e o mito da novidade.

A mais reveladora dessas semelhanças é a negação de “quaisquer hierarquias de valores”, de modo que “tudo o que resta é um negativismo puro e a vontade de realizar algo tão vago que chega a ser ‘nada’”. Se o fascismo do começo do século XX tinha um objetivo, por mais distorcido que fosse, no nacionalismo, os antifascistas têm apenas negações que se revelaram como uma espécie de “anarquia fascista” ou “desejo de poder” com uma clara “orientação totalitária”. Mas note que é um “totalitarismo de destruição”. O desejo de destruir até mesmo antigos sistemas éticos e religiosos.

Os estudantes extremistas dos anos 1960 se colocaram numa situação incômoda: depois de rejeitarem a tradição, a metafísica clássica e tanto os laços judaico-cristãos quanto os gregos com o Ocidente, eles se veem desprovidos de uma estrutura ética plausível sobre a qual fundamentar suas ideias de justiça e injustiça. Como tudo o que era antigo tinha de ser destruído, a ética disponível era rejeitada como “mistificações” ou “legitimações falsas”. As muitas bases éticas eram vistas com suspeita, como ilegítimas, carregas de resquícios de ideias teológicas, e por isso tinham de ser rejeitadas. Mas como, então, justificar que a ideia de que o “sistema” é de alguma forma injusto ou errado? As categorias morais usadas para se defender tais argumentos foram comprometidas.

Se a razão, a lei natural, a lei eterna, a Imagem de Deus, os direitos naturais, o dever, a dignidade humana, a teleologia e coisas assim são rejeitadas como parte de uma tradição de culpa, os extremistas recorrem a algo mais atávico e bárbaro – isto é, a libertação alcançada por meio da “eliminação da repressão dos instintos”.

Não por acaso, os revolucionários dos anos 1960 (e de hoje) são obcecados pela sexualidade e pela transgressão, diz Del Noce, uma vez que o mal que eles desejam vencer não é a injustiça ou a irracionalidade ou qualquer outro candidato a causador de distúrbios sociais e pessoais. O grande mal é a “repressão”. A repressão causa infelicidade e violência, a repressão humilha e menospreza, a repressão prejudica e apaga a experiência de vida de certas identidades.

A libertação ocorre por meio da “manifestação de poderes primitivos e bárbaros” e a “revolução se torna uma revolta absurda contra o que existe”. Isto é, se algo faz parte da tradição política e moral, esse algo está necessariamente maculado por se associar à repressão. A lei repreende e submete, a religião repreende, a civilização repreende, assim como o dinheiro, a propriedade, o casamento, a monogamia, a equação sexo e gênero, a família e as proibições contra o vandalismo.

Como resultado, a revolução não é capaz de fazer distinção “entre o que é positivo e o que é negativo na realidade existente”. Pegue, por exemplo, a recente derrubada de monumentos de confederados como Jefferson Davis e a destruição de estátuas como as de Abraham Lincoln e Frederick Douglass. Elas certamente parecem uma raiva sem diferenciação e incapaz de fazer distinções, uma raiva que, numa fúria de destruição anárquica, simplesmente nega.

No movimento atual, vemos um tipo de “raiva abençoada” que tende à destruição. Estamos derrubando, desmembrando e desfigurando nossa cultura e instituições em nome da “resistência”, da “liberdade” ou da “justiça”, mas também destruímos a razão, as normais morais, a tradição, a religião e o dever.

Como resultado, criticamos e exigimos, mas de um ponto de vista de negação; sabemos – ou melhor, alguns acham que sabem — o que não querem, mas não está claro se eles sabem o que querem. E, como eles rejeitaram as normais morais, é impossível para eles justificarem racionalmente seus desejos e repulsas. A partir daí, a palavra “justiça” nada mais é do que uma expressão de suas exigências, e realmente eles exigem em vez de persuadirem ou proporem. A atividade deles é uma expressão da vontade, porque eles exorcizaram a lógica e agora somente a vontade – a teimosa – permanece.

É dessa forma que os antifascistas de hoje imitam certa feiura dos fascistas. Eles rejeitaram a razão, negaram os códigos morais e agora querem governar. Eles se tornaram, como Platão previu na República, “zangões com ferrões”. Esses zangões, na história de Platão sobre a devolução do regime, tendem à tirania – assim como os antifascistas atuais. Não se podem viver apenas pela negação; porque sempre se negará os outros. E, na verdade, os dogmáticos tiranos da revolução atual são profundamente injustos.

R.J. Snell é editor do Public Discourse e diretor de programas acadêmicos no Witherspoon Institute.

© 2020 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês
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