Placas de identificação dos prisioneiros judeus no campo de concentração de Auschwitz| Foto: Pixabay

Em 1961, Adolf Eichmann, um dos maiores responsáveis ​​pela organização e implementação do Holocausto, foi condenado à morte em Israel. Até aquele momento, nenhuma execução estatal havia sido realizada pela jovem nação. Israel havia abolido a pena de morte por assassinato em 1954. Mas a sentença ainda poderia ser imposta aos criminosos de guerra nazistas e seus colaboradores.

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A sentença de morte desencadeou automaticamente um recurso na Suprema Corte de Israel. Enquanto o tribunal estava deliberando, muitos dos mais proeminentes acadêmicos, artistas e intelectuais de Israel se opuseram à sentença de morte para Eichmann.

Entre eles estava o renomado filósofo Martin Buber, que havia fugido da Alemanha em 1938. Buber e o primeiro-ministro israelense David Ben-Gurion, dois secularistas, eram membros de um grupo de estudo da Bíblia. Antevendo que o tribunal superior validaria a sentença de morte, Buber se aproximou do primeiro-ministro em uma sessão do grupo de estudo e perguntou se eles poderiam se reunir para que ele pudesse argumentar em favor da clemência. Ben-Gurion concordou.

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Durante a reunião, de duas horas, Buber citou o rabino hassídico Menachem Mendel Hager de Kosov (1768-1825): "A Torá nos ensina que ninguém senão Deus pode nos mandar destruir um homem". Ben-Gurion, um oponente da pena de morte, decidiu levar essa ideia aos ministros do seu gabinete. Eles a rejeitaram.

Quando as notícias sobre o pedido de Buber se tornaram públicas, o jornal Maariv foi categórico: "Perdão para Eichmann? Não! Seis milhões de vezes não!" O principal poeta de Israel, Uri Zvi Greenberg, respondeu em termos mais pessoais: "Eu não estou falando em nome do povo judeu e não em nome dos milhões. Eu estou falando por mim mesmo. O assassinato de meu pai e minha mãe diz respeito a mim. Buber pode renunciar à retribuição pela morte de seus pais se eles foram mortos por Eichmann, mas nem ele nem outros Bubers podem exigir anistia para o assassino dos meus pais. "

Lembrei-me deste incidente quando fiquei sabendo que Eva Mozes Kor havia morrido este mês, aos 85 anos. Kor, que ficou presa em Auschwitz por dez meses, estava entre os 1.500 gêmeos nos quais o doutor nazista Josef Mengele conduziu experimentos horrendos.

Isso por si só teria feito dela uma figura icônica. Mas Kor fez outra coisa, e isso a tornou polêmica. Ela declarou que perdoou aqueles que a torturaram, juntamente com todos os que participaram do genocídio.

Ela viajou para Auschwitz em 1995 com um dos médicos que conduziu os experimentos. Ela agarrou o braço dele e segurou-o com força, enquanto ele galantemente ajudava-a a subir e descer as escadas. Ela apareceu em 2015 em Lunenburg, na Alemanha, no julgamento de Oskar Groening, o "contador" de Auschwitz, onde ela segurou as mãos e deu um tapinha no ombro dele e aceitou seu beijo agradecido em sua bochecha.

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Kor sempre insistiu que ela estava perdoando esses perpetradores apenas em seu nome. No entanto, muitos sobreviventes foram incomodados por suas ações. Eu os assisti fazendo caretas enquanto o público aplaudia de pé e a mídia a descrevia como alguém "que achava isso [o perdão] em seu coração", a implicação era que os sobreviventes que não seguiam seu exemplo eram incapazes de superar seu ressentimento. Sobreviventes me disseram que sentiam que estavam sendo retratados como pessoas sem coração, enquanto Kor estava sendo celebrada como uma heroína, alguém maior que eles. Ecoando Greenberg, eles se perguntaram: como posso perdoar os assassinos de meus pais? Essa é uma decisão que caberia a eles. E eles não sobreviveram para fazer isso.

O perdão é uma qualidade primordial na tradição judaica. Segundo a tradição, um judeu reza pelo perdão três vezes por dia, no mínimo. O período mais sagrado do ano, do Rosh Hashaná ao Yom Kippur, é construído em torno do perdão.

A tradição judaica exige que alguém que tenha sido enganado, magoado, perdoe a pessoa que agiu contra eles. Mas isso se baseia na expectativa de que o "pecador" reconheceu o erro, tentou "corrigi-lo", resolveu nunca repeti-lo e então — e só então — voltou-se para a pessoa a quem errou ao pedir perdão.

O perdão não é um talismã que purifica magicamente os erros. Pode-se, claro, como Kor, perdoar alguém sem esse processo. Kor muitas vezes falou de como o ato de perdoar a libertou da raiva em seu coração. Isso é completamente compreensível.

O que atormentava muitos sobreviventes e seus filhos não era seu perdão, mas sua concessão pública e bastante dramática de anistia a todos os assassinos nazistas, incluindo aqueles que tinham feito pouco — se é que absolutamente nada — para demonstrar que compreendiam como terrivelmente errada estava sua tentativa de aniquilar de um povo inteiro. Ela parecia estar dando a eles não apenas seu perdão pessoal, mas também o deles.

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Neste ponto, à medida que as gerações daqueles que podem falar na primeira pessoa do singular sobre o que suportaram estão diminuindo, a questão está se tornando discutível. Tudo o que resta é lembrança. Isso não é pouca coisa.

Acredita-se que o fundador do movimento hassídico no judaísmo tenha dito: "A lembrança é o segredo da redenção". Mas e quanto à redenção terrena, não divina, para as sociedades que assassinaram e escravizaram? Eles, e as gerações que se beneficiaram do crime, são redimidos não quando um sobrevivente diz "Eu te perdôo", mas quando eles honestamente confrontam o que aconteceu e, quando possível, fazem o possível para compensar seus erros.

Deborah E. Lipstadt ensina história do Holocausto na Universidade Emory e é a autora do livro ‘Antisemitism: Here and Now’ (‘Anti-semitismo: aqui e agora’).