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STJ proíbe taxa de conveniência cobrada por e-commerces em venda de ingressos para atividades culturais, o que deve encarecer o serviço para quem não o usa
STJ proíbe taxa de conveniência cobrada por e-commerces em venda de ingressos para atividades culturais, o que deve encarecer o serviço para quem não o usa| Foto:

O Superior Tribunal de Justiça julgou que é ilegal a cobrança de taxa de conveniência para ingressos comprados em sites de eventos.

A ação coletiva foi ajuizada pela Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul contra a empresa Ingresso Rápido, que realiza venda de ingressos para shows, sessões de cinema e peças de teatro.

No voto da relatora, a ministra Nancy Andrighi, constou que se os produtores optam por vender os ingressos de modo terceirizado, isto é, virtualmente, teriam de oferecer diversas opções de sites aos consumidores. Em seu entendimento, a prática resultaria no cerceamento da liberdade de escolha dos compradores. Ela a classificou como venda casada, o que é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

No entanto, houve aplicação equivocada do dispositivo na opinião de Felipe Fonte , professor da FGV Direito Rio. “Na prática, há muitos casos em que os órgãos de fiscalização consumerista acusam empresários de praticar venda casada, apesar de tecnicamente não se tratar disso. É o caso em questão, em que o consumidor segue com a opção de não usar o serviço de compra eletrônica. A venda casada exige o condicionamento”.

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Ele complementa afirmando que em um mercado razoavelmente competitivo a venda de produtos “de forma casada” levaria o fornecedor à falência por decorrência da própria lógica de mercado. “Como a regra geral é a livre iniciativa, o padrão não deveria ser a ilegalidade da venda casada, exceto em casos em que se constate a existência de falha de mercado (como em caso de um monopólio) ou abuso da livre concorrência”.

Atualmente cobra-se um valor pela conveniência de adquirir o ingresso pela internet. O preço varia, em alguns sites, de 5% a 20% do valor do ingresso. Com a proibição da discriminação da compra em uma eventual taxa de serviço, pela proximidade dos valores, é razoável que haja um reajuste de preços em todos os ingressos, não apenas para os que utilizarem da facilidade.

Na tentativa de proteger, prejudicam

Na prática, a decisão, referente ao Recurso Especial 1.737.428, gera consequências que tendem a contrariar as intenções dos magistrados de proteger os consumidores. Todas as despesas que a atividade empresarial tem com e-commerce terão de ser custeadas por todos os adquirentes de ingressos, não apenas por aqueles que usufruírem do serviço.

Isso porque o preço do ingresso corresponde ao que a empresa promotora cobra pelo ticket que permite acesso ao evento. Já a taxa de conveniência é o valor cobrado por quem está vendendo para realizar essa intermediação, e, como sugere o nome, fornecer comodidade ao consumidor que nutre preferência pela compra virtual. São serviços distintos, e faz sentido que sejam oferecidos como tal.

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Além disso, a possibilidade de obtenção de ingressos online não impede a existência dos pontos de venda presenciais, de forma que os clientes não interessados em pagar pela taxa podem optar por bilheterias físicas. Com a proibição da cobrança, seu valor tende a ser embutido no próprio ingresso, fazendo com que todos os compradores arquem com ambos os custos, independentemente de onde obtenham o ticket.

Nesse sentido, também é possível haver um desestímulo aos empreendedores para otimizarem os serviços e oferecer facilidades aos consumidores, forçando a suspensão de atividades de empresas responsáveis pela terceirização das vendas.

Repasse ao consumidor

Desde os anos 1960 já há o entendimento pela literatura econômica de que os custos de transação impostos normativamente às firmas acabam por gerar repasses aos consumidores de seus produtos. Esta foi uma das contribuições que permitiram Ronald Coase ser laureado com o prêmio Nobel de 1991. A despeito disso, os magistrados brasileiros ignoram os incentivos econômicos gerados por suas decisões.

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Como dizia outro Nobel, Milton Friedman, “o maior erro da análise de uma política pública é julgá-la por suas intenções e não por suas consequências”. Magistrados deveriam pensar nisso a todo o tempo, mas os possíveis efeitos de suas decisões tratam-se de um ponto raramente considerado nas sentenças.

Vice-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia e mestre em direito por Harvard, Bruno Bodart critica a decisão.:

“Compreendo que a intenção de proibir a cobrança de taxa de conveniência seja a de proteger o consumidor, mas tenho dúvidas quanto ao efeito prático, pois nada impede que o comerciante cobre um preço maior pelo produto ou serviço incorporando essa taxa. O preço adicional, naturalmente, será repassado a todos os consumidores, utilizem ou não a facilidade da compra pela internet.”

Ele complementa que o STF possui precedentes declarando a inconstitucionalidade de leis que interferem no preço cobrado por estacionamentos em shoppings por violação à livre iniciativa: “Pode ser que algum questionamento semelhante seja levado ao STF no caso da taxa de conveniência”.

Paternalismo, demagogia e encarecimento

Já Fonte defende que o efeito imediato da decisão, que abre precedente, será a redistribuição dos custos do serviço de e-commerce associado às vendas de ingresso. “Atualmente o modelo é de pagamento individual por usuário, mas com a mudança da regra as promotoras de eventos terão de arcar com essas despesas e distribuí-las perante todo o conjunto de compradores de ingresso. Então, tem-se um subsídio cruzado injusto, já que pessoas que não vão usar a plataforma pagarão por ela”.

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O professor ainda alerta que, como a calibragem do preço do ingresso é realizada antes do evento, as promotoras de e-commerce terão de antecipar a quantidade de usos que a plataforma terá. “Essa estimativa acrescenta risco à operação, e a existência do risco significa encarecimento do serviço. Então, além do subsídio cruzado para os não-usuários, é possível que haja um prejuízo geral a todos os consumidores”.

Não faz sentido que juízes decidam sobre custos de serviços, uma vez que não conhecem a estrutura de despesas de tudo o que se produz numa economia. É um paternalismo que, inclusive, subestima a capacidade do consumidor em analisar se vale a pena arcar ou não com o custo adicional. “Falta uma visão mais consequencialista nos operadores do direito no Brasil. Os cursos de direito ganhariam muito se os alunos fossem expostos à análise econômica do direito e à literatura básica sobre políticas públicas”, defende Fonte.

Talvez as décadas em tribunais tenham feito os ministros do STJ perderem a vivência de outras realidades, como a dos empreendedores. Na prática, em nome de uma suposta proteção, a demagogia dos ministros obrigará todos os consumidores a pagarem um pouco mais caro.

STJ já proibiu descontos ao consumidor

Não é a primeira decisão que ignora qualquer racionalidade econômica por parte do STJ. Em 2015, a corte decidiu que cobrar um preço diferente para pagamento com cartão de crédito pelo mesmo produto ou serviço e oferecer desconto para pagamento em dinheiro seria uma prática abusiva e, portanto, ilícita.

A lógica por detrás do oferecimento de descontos para o pagamento em dinheiro é a de que, nesse caso, não é necessário o pagamento das taxas cobradas pelas operadoras de cartões de crédito, que chegam a 11% do valor da compra. A desigualdade de preço nas compras feitas em dinheiro ou no cartão não significa uma arbitrariedade dos comerciantes, mas reflete as diferenças de custo entre as duas vendas.

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O efeito prático acabou por ser o de impedir descontos para pagamento em espécie, ou até a restrição de estabelecimentos em aceitarem cartões de crédito ou débito. Em outras palavras: quem antes economizava pagando com dinheiro para fugir das taxas de cartão acabou sendo obrigado a pagar mais caro por conta de uma decisão que pretendia proteger o consumidor.

Dessa forma, após assumir a presidência da República, Michel Temer editou Medida Provisória — posteriormente convertida em lei pelo Congresso Nacional — para restabelecer a liberdade de comerciantes darem descontos.

Soluções fora do Judiciário

Procurado pela Gazeta do Povo, o secretário Nacional do Consumidor, entidade vinculada ao Ministério da Justiça, Luciano Timm afirmou que não comentará o caso específico, mas alerta. “É preciso que saibamos ponderar consequências das decisões judiciais e que incorporemos a Análise de Impacto Regulatório”.

Timm se refere a um sistema de avaliação de custo-benefício que cada regulação pode trazer para a sociedade. Em outras palavras, é um mecanismo mediante o qual busca-se verificar quais os possíveis benefícios e prejuízos que a adoção de determinada norma causará a fim de concluir se sua implementação terá saldo positivo, bem como o custo de oportunidade gerado quando comparada com outras alternativas. Tudo antes da medida ser implementada. A AIR está presente em países como Alemanha, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Holanda e Reino Unido.

Nossas Convicções: Proporcionalidade e liberdade profissional

Além desta medida, entre os principais trabalhos a serem desenvolvidos pela Senacon, definidos como prioridades pelo secretário, constam alterações nas normas regulatórias que dêem mais segurança jurídica ao mercado. Ademais, o órgão investirá na divulgação de ferramentas de mediação entre consumidor e empresas a fim de evitar a intervenção do Judiciário.

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