Desde que as primeiras vacinas contra o coronavírus foram anunciadas, muita gente se pergunta, desconfiada, como elas foram criadas em tão pouco tempo — dez meses —, sendo que imunizantes que combatem outras doenças levaram anos e até décadas para serem desenvolvidos.
A resposta para essa pergunta passa por três pilares: dinheiro, pesquisa de base e flexibilização da utilização da vacina.
Segundo reportagem da BBC com dados da empresa de inteligência de dados Airfinity, para criar as vacinas contra o Covid-19 foram investidos por governos, indústrias farmacêuticas e organizações sem fins lucrativos cerca de US$ 25 bilhões em menos de um ano. Para efeito de comparação, a vacina contra o HIV, que está em estudo há décadas, recebe entre US$ 200 e US$ 500 milhões por ano no mundo, segundo dados da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA e da OMS. No caso das vacinas contra coronavírus, mais da metade dessa quantia veio de financiamento público. Nunca se investiu tantas verbas em vacinas e de forma tão global. Isso se reflete diretamente na rapidez das pesquisas. Obviamente, com mais dinheiro há mais recursos, como equipamentos de ponta, insumos e mão de obra.
Sem contar que o coronavírus não era um vírus desconhecido pela ciência. O Covid-19 (SARS-COV-2) foi batizado de “novo” coronavírus porque a ciência já conhecia essa família de vírus desde a década de 1960. Em 2003 foi descoberto na China o vírus SARS-COV ou SARS-COV-1. As formas de manifestação dos vírus têm importantes diferenças. Enquanto o SARS-COV-1 causa principalmente problemas respiratórios, como a síndrome respiratória aguda grave, a essa altura da pandemia já se sabe que o SARS-COV-2 afeta o organismo infectado de forma mais generalizada. Mas a biologia do coronavírus já era conhecida pela ciência há anos, e isso também ajudou no desenvolvimento das vacinas.
O terceiro fator que permitiu a criação das vacinas tão rapidamente foi a flexibilização dos prazos para a aplicação do imunizante na população. Geralmente uma vacina passa por três fases de testes em humanos, depois da pesquisa inicial e dos estudos em animais. A primeira é realizada em pequenos grupos e avalia principalmente a segurança. A segunda tem como principal objetivo determinar a imunogenicidade, ou seja, verificar se há desenvolvimento de anticorpos. A terceira fase avalia a eficácia da vacina. Essa última etapa leva entre três a cinco anos para ser concluída.
As primeiras análises demonstraram a eficácia das vacinas. Mas os laboratórios continuarão os estudos por alguns anos, ao mesmo tempo em que os imunizantes já estão sendo disponibilizados para a população.
Tudo se resume a pesar os riscos e benefícios. Na pandemia do coronavírus, temos, até o momento, 133 milhões de infectados e quase 2,9 milhões de mortos no mundo, sendo 350 mil deles no Brasil. “Vamos deixar as pessoas morrendo enquanto os estudos não são concluídos?”, pergunta a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro dos comitês científico e clínico da Sociedade Brasileira de Imunologia. E é por isso que, por orientação da OMS e outras autoridades de saúde, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), os órgãos regulatórios dos governos, como a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil, estão permitindo que se use a vacina antes do término das pesquisas.
Se a vacina foi desenvolvida em tempo recorde, por que o mesmo ainda não aconteceu com possíveis medicamentos para tratar o Covid-19?
Falta de verbas
Mais uma vez, o dinheiro, ou melhor, a falta dele, é um fator importante. As possíveis drogas para combater o Covid-19 estão em teste, mas ainda falta fôlego financeiro para os estudos.
Mas o financiamento não é o único fator impeditivo para termos um remédio eficiente. Há também as limitações biológicas. O coronavírus é um vírus chamado agudo, como a gripe, o sarampo e a caxumba. Isso quer dizer que ele entra no organismo, se replica e é eliminado em cerca de 10 dias. Quando os primeiros sintomas começam a ser percebidos, o vírus já está encerrando seu ciclo e diminuindo sua replicação.
É diferente de um vírus não agudo, como o do HIV, por exemplo. Nesse caso, o vírus nunca é eliminado do organismo por completo, mas as drogas diminuem sua replicação, controlando a doença causada por ele. E é por isso que existem medicamentos para tratar essa enfermidade.
Para um medicamento ser eficaz contra um vírus agudo, ele teria de ser administrado antes que os sintomas surgissem. O dilema é: como saber que uma pessoa está infectada e deve ser tratada antes que ela apresente os sintomas? Ainda não há uma resposta definitiva para essa pergunta.
À espera de uma solução
Entre os medicamentos que já existem no mercado, estão sendo administrados em pacientes internados anticorpos monoclonais, corticoides e antivirais, como o Remdesivir. Um estudo conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA e publicado em maio de 2020 no renomado jornal científico New England Journal of Medicine, mostrou que pacientes que tomaram Remdesivir tiveram uma média de tempo de internação de 10 dias, contra 15 dias do grupo que recebeu placebo. “Quanto mais cedo ele é administrado, melhor o tempo de recuperação”, afirma a imunologista Cristina Bonorino.
Porém o estudo Solidarity, realizado por um consórcio comandado pela OMS e publicado na mesma revista em dezembro de 2020, contrariou a pesquisa anterior e concluiu que o medicamento não reduziu significativamente a necessidade de ventilação ou o tempo de internação, nem diminuiu a mortalidade. Mesmo que o remédio seja um aliado na luta contra o coronavírus, ainda não é a solução para a pandemia.
Infelizmente ainda não podemos prever quando um medicamento criado especificamente para combater o coronavírus chegará ao mercado. Mas Cristina acredita que com dinheiro, tempo e dedicação, é possível transpor os obstáculos. “Ninguém acreditava que a vacina de RNA mensageiro funcionaria, que os cientistas conseguiriam manter o RNA dentro do organismo por tempo suficiente para gerar uma resposta imune do corpo, porque ele é muito instável. Mas eles conseguiram”, diz.
De modo semelhante, a cientista aposta que um remédio contra o coronavírus é possível, muito provavelmente associado a novas técnicas de detecção precoce do vírus no organismo e a testagem em massa para entender melhor o ciclo do vírus. Basta que governos e a indústria farmacêutica estejam dispostos a abrir os cofres e investir nesse caminho do mesmo modo como investiram nas vacinas.
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