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O ex-juiz da Lava Jato e pré-candidato à Presidência da República Sergio Moro.| Foto: Lula Marques/Fotos Públicas

Com cerca de 10% das intenções de voto, segundo o Instituto Paraná Pesquisas, a menos de um ano das eleições, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) acena vigorosamente para o público evangélico. No último dia 3, o pré-candidato à presidência foi entrevistado pelo pastor batista Yago Martins, à frente do canal Dois Dedos de Teologia, com quase 700 mil inscritos. O maior gesto, contudo, viria na segunda-feira (7), com uma carta explicitamente destinada ao eleitorado cristão publicada durante um evento de pastores em Fortaleza, no Ceará, na companhia do jurista Uziel Santana, coordenador do núcleo evangélico da pré-campanha do candidato e do senador Eduardo Girão.

"Bolsonaro já tem perdido espaço e temos visto um grande movimento entre evangélicos que esperam uma terceira via moderada e comprometida com uma sociedade que leva ciência e justiça a sério. Muitos cristãos têm valores que não se encaixam num governo como o de Lula, logo, não votariam em Lula. Essas pessoas merecem saber que possuem opção viável em Moro", afirmou Santana, à Gazeta do Povo.

Temas como a defesa do Estado democrático de direito, o combate à corrupção, o fim dos privilégios políticos e a defesa da liberdade religiosa figuraram tanto na live quanto na carta, que repercutiram na imprensa e entre lideranças evangélicas. Entre outros projetos, Moro se comprometeu a não expandir a legislação em vigor sobre o aborto – que prevê a não punição da prática em casos de estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia do bebê -, a garantir a imunidade tributária das igrejas e a lutar contra a sexualização precoce de crianças e adolescentes.

Ainda assim, o ex-ministro da Justiça terá que lidar com um obstáculo considerável: a fama de “traidor” que lhe foi imposta pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Há duas semanas, Moro foi chamado de “covarde” pelo pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia, que o comparou com a figura bíblica de Judas, o traidor de Jesus Cristo – um comentário que ressoa a impressão de parte do eleitorado, sobretudo em comunidades neopentecostais. Por outro lado, as pesquisas recentes mostram que parte do público cristão que ajudou a eleger Bolsonaro cogita migrar para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a despeito do antipetismo que marcou o pleito de 2018. Na luta para se consolidar como a “terceira via”, a avaliação de lideranças evangélicas e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo é que as falas de Moro tendem a surtir um efeito limitado.

Para o pastor luterano Valdir Steuernagel, embaixador da Aliança Cristã Evangélica, afirmação do Estado democrático, da separação entre os poderes e dos papéis da igreja e do Estado tornam o documento uma carta “clássica”. “Acho essa demarcação importante e ele estabelece um cuidado. Acontece que, mais para o final, ele fala da realidade que vivemos em relação ao desemprego, a desigualdade, mas não aponta o caminho para isso. A realidade evangélica é uma realidade anárquica, ela não responde a um controle centralizado. E essa base está sentindo a fome, a pobreza, a falta de moradia... Nesse sentido o Moro não me transmite a ideia de que ele é uma pessoa que se importa de verdade”.

À frente da Igreja Reforma e Carisma, o pastor Helder Nozima reforça a relevância da pauta econômica e seu impacto para as eleições de 2022. “O evangélico mais pobre está mais preocupado com a questão econômica: se vai ter ou não emprego, se ele vai ou não conseguir pagar as contas. Chega uma hora que a pauta dos costumes não faz tanta diferença quanto receber ajuda do governo em meio a uma pandemia. E nesse sentido a imagem do Lula é muito forte e ele tem uma presença por conta dos evangélicos de baixa renda e escolaridade. Moro erra ao não perceber isso, ele está mirando nos evangélicos que têm mais escolaridade e um poder aquisitivo maior”, avalia.

A pauta dos costumes 

Embora o contexto econômico e a gestão da pandemia sejam fatores decisivos para o pleito de outubro, as pautas relacionadas aos costumes continuam protagonizando o debate eleitoral. E, nesse quesito, as lideranças ouvidas pela reportagem são unânimes: ainda que equilibrado, o discurso de Moro é insuficiente para mobilizar a base que ajudou a eleger o presidente.

“Com relação ao aborto, por exemplo, o ponto de vista do Moro é politicamente correto e alinhado ao que a lei brasileira já apresenta. A grande questão é que os evangélicos são mais conservadores com relação a essas pautas do que ele. A ideologia de gênero é um bom exemplo: ele não usa esse termo, fala de sexualização precoce. Em uma carta para católicos e evangélicos, ele enfatiza a questão das liberdades sexuais e não fala em casamento gay. Tudo isso faz com que ele pareça descalibrado com relação ao que os evangélicos gostariam de ouvir”, avalia Nozima. “Nesse sentido, a única vantagem que ele tem a oferecer com relação ao Bolsonaro é uma imagem menos associada à violência, menos constrangedora”.

À frente da Igreja Batista Manaaim, o pastor Yago Martins, que entrevistou o ex-juiz, partilha desta avaliação. “Em alguns assuntos, Moro claramente está desconectado do que o que o público evangélico espera de um presidente. Perguntei sobre homeschooling e ele não só demonstrou reticências como deu declarações que demonstram falta de conhecimento com relação às famílias homeschoolers. Por outro lado, mostrou alguma vontade de aprender a respeito”, diz o pastor. De fato, o corte da entrevista na qual o pré-candidato falou sobre o ensino domiciliar circulou entre grupos de pais adeptos da prática e gerou críticas.

“Quanto ao aborto, Bolsonaro sempre foi mais veemente quando dizia: ‘se o Congresso aprovar, eu veto’. Moro promete manter como está. Por mais que, na prática, seja a mesma coisa, essa fala faz duvidar que ele compraria isso como uma batalha pessoal, que estaria disposto a perder capital político para brigar contra o aborto. Bolsonaro sempre soube dialogar muito mais com esses anseios”, completa Martins. “Do mesmo modo, quando fala que vai lutar contra a sexualização precoce, a gente entende que é uma linguagem meio encriptada para o público evangélico sobre ideologia de gênero, mas dificulta a confiança. Ele está acenando para o público evangélico sem incomodar os que pensam contra. Precisa entender que não é mais juiz falando para uma corte”, avalia Martins.

Para o cientista da religião Kenner Terra, doutor pela Universidade Metodista de São Paulo e membro da Rede Latino-americana de Estudos Pentecostais, o discurso de Moro, insuficiente para drenar votos do presidente, mira o eleitorado de Ciro Gomes. “Ele quer ocupar essa terceira via se afastando ao máximo do bolsonarismo, mas ainda reproduz falas que remetem à ministra Damares Alves, sem levar às últimas consequências. Isso vai colar? Historicamente, não. Os eleitores órfãos do Bolsonaro vão para o Moro, e eles são o menor número.  O ex-juiz vai disputar esse órfão com o Ciro”.

“Vale lembrar que, em termos demográficos, o evangélico médio no Brasil é mulher, negra e pobre. Esse é o povo. É conservador e vem de uma tradição católica com a qual o discurso moral funcionou em 2018. Mas agora esses evangélicos passaram por uma crise econômica e não se mobilizam mais só com o tema da corrupção ou do aborto. No fim das contas, Moro falou com um evangélico idealizado”.

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