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O governo doa de graça um bem que pode ser excluído: rodovias, parques, educação, saúde, seja o que for. Então algum economista propõe a privatização de um desses bens gratuitos. Os tecnocratas podem fazer algumas objeções técnicas à privatização. Mas as pessoas comuns responderão com uma pergunta retórica, demonstrando sua indignação: “Quer dizer que só os ricos deveriam ter direito a rodovias/parques/educação/saúde/seja lá o que for?”

É uma falácia do espantalho? Na realidade, não. Como já expliquei anteriormente, uma falácia do espantalho ocorre quando você falsamente atribui um argumento tolo a seus adversários. Mas dizer que “só os ricos...” é um argumento apresentado comumente por quem se opõe à privatização. 

Exatamente o quê, porém, existe de tão tolo no argumento de “só os ricos...”? 

  • 1. Alguns serviços prestados gratuitamente pelo governo continuariam bastante acessíveis após a privatização. Esses bens certamente não seriam “só para os ricos”. Isso fica especialmente claro se (a) subsídios governamentais estão empurrando os preços para cima, ou (b) a privatização abrir caminho para reduções amplas nos impostos. 
  • 2. Vamos supor que, após a privatização, os bens antes gratuitos se encarecessem muito. Os não ricos ainda assim poderiam ter acesso a eles, se priorizassem sua aquisição. No sistema atual, por exemplo, barcos custam caro. Mas muitas pessoas com poder aquisitivo modesto ainda assim possuem um barco, isso porque elas priorizam a posse de um barco, abrindo mão de outros bens e serviços para liberar recursos para uma atividade que valorizam intensamente. Priorizar é especialmente eficaz no longo prazo, porque as pessoas motivadas podem poupar dinheiro e acumular economias, e o fazem. 
  • 3. O mercado muitas vezes oferece produtos caros lado a lado com produtos substitutos equivalentes, de preço mais baixo. Em um mercado livre, por exemplo, andar de carro no horário de pico provavelmente teria um custo muito alto. Mas os pedágios custariam muito menos antes e depois do horário de pico. 
  • 4. Quando fazem um planejamento prévio, as pessoas não ricas muitas vezes podem arcar com produtos muito caros, comprando seguros. Mesmo que as apólices não sejam baratas, o seguro é uma maneira clássica de converter choques financeiros devastadores em cargas financeiras administráveis. 
  • 5. Quando não resta outra alternativa, os não ricos podem recorrer a empréstimos e ajuda beneficente. 

Críticos inteligentes provavelmente me acusarão de ser excessivamente literal. É claro que dizer que “apenas os ricos terão x” é hipérbole. Mas é uma maneira poética de lamentar as iniquidades do mecanismo de mercado. Eu, porém, digo que os críticos inteligentes fazem uma interpretação excessivamente benevolente do discurso populista. 

Se fossem literalmente verdadeiros, os argumentos hiperbólicos seriam objeções poderosas à privatização. Se a privatização vai de fato privar todas as pessoas não ricas do acesso a qualquer tipo de assistência médica, provavelmente não deveríamos privatizar a saúde. Mas, se o pior que pudermos dizer sobre a privatização é “os ricos terão mais e melhor assistência médica”, as réplicas evidentes são: “Os ricos já têm mais e melhor assistência médica”, seguida por “é para isso que serve o dinheiro: para conseguir mais e melhores coisas”. 

Resumindo, o chavão de “só os ricos” não é apenas um exagero simplista. Como a maior parte das declarações políticas hiperbólicas, é eficaz porque algumas pessoas o interpretam literalmente. Como eu já disse em textos anteriores

Por que os proponentes da ação governamental são tão afeitos à hipérbole? Porque ela é retoricamente eficaz, é claro. São necessárias afirmações exageradas e palavras floridas para desencadear entusiasmo público por ações governamentais. Quando probabilidade, custos e benefícios são pesados com prudência, as ações governamentais recebem poucos elogios – e não conseguem arrancar aplausos do público. 

O que seria necessário para transformar o discurso demagogo populista de “só os ricos...” em análise política séria? Seria simples: os críticos do mercado poderiam argumentar que a melhoria marginal dos incentivos não justifica os custos marginais da desigualdade maior. É claro que, quando a questão é apresentada nesses termos, é fácil passar de uma atitude crítica para uma agnóstica. 

Bryan Caplan é professor de economia na Universidade George Mason, pesquisador do Mercatus Center, professor adjunto do Cato Institute e blogger do EconLog, além de integrar a rede de docentes da FEE.

Conteúdo publicado originalmente no site da Foundation for Economic Education. Publicado em português com permissão. 

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