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Não há dúvida de que o papa é o principal líder cristão do planeta. Nenhum outro ramo do cristianismo tem um rebanho tão grande — são 1,3 bilhão de pessoas sob a autoridade da Igreja Católica Apostólica Romana.
Mas a autoridade suprema do bispo de Roma não é aceita por todas as denominações cristãs. Mesmo antes da Reforma Protestante, outras vertentes do cristianismo se desenvolveram em paralelo, sem se submeter ao Vaticano.
Por exemplo: no cristianismo Ortodoxo, não existe uma figura equivalente ao papa, que seja infalível em matéria de doutrina e que tenha poder de ordenar cardeais e bispos em todo o planeta. Em vez disso, há patriarcas distintos, que são responsáveis por liderar regiões geográficas específicas.
Lucas Gesta, mestre em História e Professor do Seminário Batista do Sul, diz que as igrejas de confissão ortodoxa mantiveram o sistema de governo anterior ao Grande Cisma do Oriente, em 1054. "As igrejas ortodoxas nunca estiveram sob autoridade de Roma. Na pentarquia antiga, Roma era o patriarcado do Ocidente, portanto representando apenas a autoridade sobre este", ele diz. A pentarquia era o sistema que dava precedência às igrejas de Roma, Constantinopla, Jerusalém, Alexandria e Antioquia.
De acordo com Gesta, o papa católico ocupava originalmente uma função semelhante à dos patriarcas ortodoxos atuais: "O bispo de Roma também é patriarca. Ou seja: ele é o representante máximo de um rito, no caso o latino. Suas atribuições são comparadas às dos demais patriarcas, representantes de outros ritos, como o copta e o grego".
Para os católicos romanos, entretanto, a posição de primazia da Igreja de Roma lhe garantia autoridade sobre os outros patriarcados. Parte disso tem a ver com a intepretação de que o próprio Cristo instituiu Pedro como o líder máximo da igreja cristã. O trono de Pedro, portanto, asseguraria a posição de autoridade do bispo de Roma, que é o sucessor de Pedro. A discordância sobre o poder de Roma foi justamente uma das causas do Grande Cisma do Oriente.
Saiba mais sobre sete outros “papas” dentro da tradição cristã.
1) Bartolomeu I - Patriarca de Constantinopla

A expansão geográfica do cristianismo começou imediatamente depois que Jesus retornou aos céus e encarregou os discípulos de espalharem a mensagem do Evangelho.
Com diferentes igrejas sendo plantadas por diferentes seguidores de Jesus, era natural que diferenças teológicas e de governança surgissem.
Ainda assim, a igreja cristã se manteve relativamente unida até o Grande Cisma do Oriente (1054), causado principalmente por uma discordância sobre a hierarquia entre Deus Pai e Jesus Cristo na Trindade. Essa divisão deu início à separação entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa.
De lá para cá, tanto uma quanto a outra afirmam representar o cristianismo original. Dentre os ortodoxos, o patriarca de Constantinopla era conhecido como “primeiro entre iguais”. Ou seja: o principal líder dos ortodoxos, mas não sem os atributos hierárquicos do papa de Roma.
A precedência tem a ver com a importância de Constantinopla. Já em 330, a cidade passou a ser a sede do Império Romano (que depois ficou conhecido como Império Bizantino).
Hoje, o posto é ocupado por Bartolomeu I, que assumiu a função em 1991. O patriarca nasceu numa família grega na Turquia e é doutor em Lei Canônica pela Universidade Gregoriana de Roma. Ele fala sete línguas e tem se esforçado para reforçar os laços com outras igrejas cristãs – inclusive católicos e protestantes. Por mais de uma vez, ele visitou o papa Francisco no Vaticano.
Constantinopla caiu em 1453 e passou para o controle dos otomanos. Hoje, rebatizada como Istambul, a cidade pertence à Turquia. Mas o patriarca de Constantinopla continua lá. Ele é responsável pela Igreja Ortodoxa Grega, que tem cerca de 15 milhões de fiéis, e por outras igrejas cristãs que seguem o mesmo rito.
2) Teodoro II - Patriarca da Igreja Copta

Assim como a Igreja Católica foi fundada por Pedro, a Igreja Copta atribui suas origens a Marcos, o apóstolo.
Essa comunidade se tornou uma igreja “autocéfala” — ou seja, totalmente independente — em 451, em meio a uma discussão teológica sobre a natureza de Jesus. Os coptas defendiam o monofisismo (a ideia de que Jesus tinha apenas uma natureza divina, e não uma natureza humana e divina, como creem ainda hoje os principais ramos do cristianismo).
Nas últimas décadas, embora tenham mantido sua independência, os coptas foram se reaproximando dos católicos e dos demais ortodoxos. Em 2013 e 2023, Teodoro II visitou o papa Francisco em Roma.
A Igreja Copta foi duramente perseguida desde que o Egito foi conquistado por árabes muçulmanos, em meados do século 7. Hoje, cerca de 10% dos egípcios pertencem à denominação. Com cerca de 12 milhões fiéis — a maioria no Egito —, os coptas também mantêm templos nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e no Reino Unido. Ao lado das Igrejas Ortodoxas Etíope, Síria, Armênia, a Igreja Copta faz parte da comunhão das Igrejas Ortodoxas Orientais.
O líder dos coptas é Teodoro II, de 72 anos de idade. Ele nasceu em Mansoura, no Egito. Antes de se formar em teologia, estudou Farmácia e trabalhou por dez anos no ramo farmacêutico. Foi apenas em 1986, aos 33 anos, que ele entrou para um monastério. Quatro anos depois, ele foi ordenado padre. No cálculo da Igreja Copta, ele é o 118º patriarca da história.
O chefe da Igreja Copta também utiliza o título de "papa", e embora tenha o título de Patriarca de Alexandria, vive no Cairo.
Aliás, o formato da eleição do líder copta é peculiar: primeiro, uma lista tríplice é formada em uma votação com representantes das congregações coptas mundo afora. Depois, cada um dos nomes é colocado em uma urna e um garoto vendado seleciona um deles. O nome escolhido se torna o papa.
3) Abune Matias - Patriarca da Igreja Ortodoxa da Etiópia

A Etiópia tem uma história peculiar. Uma das nações mais antigas do mundo, o país nunca foi colonizado e, ao contrário dos vizinhos, resistiu à expansão do Islamismo.
Isso também se reflete no seu perfil demográfico, incomum para o norte da África. Os dados mais recentes mostram que os ortodoxos são 42.1% dos etíopes, com 20,8% de protestantes e menos de 1% de católicos.
O patriarca (“Abune”, em etíope) Mathias lidera cerca de 40 milhões de fiéis.
Apesar de ser quase tão antiga quanto o cristianismo, a igreja etíope adotou o título de patriarca apenas em 1959. Até então, o país tinha um bispo, que era indicado pelo patriarca ortodoxo de Alexandria (da Igreja Copta).
O atual ocupante do cargo, Abune Matias (cujo nome de nascimento é Teklemariam Asrat) tem 84 anos e ocupa a função desde 2013.
A história do patriarcado etíope é cheia de reviravoltas. O segundo patriarca, Teófilo, foi preso e executado pelo regime socialista que aboliu a monarquia do país em 1974.
Mais recentemente, entre 2018 e 2022, a Igreja Ortodoxa Etíope teve dois patriarcas ao mesmo tempo por causa de uma disputa complexa sobre quem era o ocupante legítimo do cargo. Um acordo permitiu a coexistência dos dois — Mathias, que continua sendo patriarca, e Merkorios, que havia deixado a Etiópia em 1991 por perseguição política. Merkorios morreu em 2022.
4) Arcebispo da Cantuária (cargo vago) - Igreja Anglicana

Em 1534, o Parlamento Inglês declarou o rei Henrique VIII como o líder da igreja no país, vetando a autoridade do papa para nomear bispos e interferir na vida religiosa da nação.
Além da famosa controvérsia sobre o divórcio do rei (que queria se separar mas não obteve permissão do papa), a separação foi resultado de uma queda-de-braço mais antiga sobre quem tinha o poder sobre a Igreja na Inglaterra.
O “papa” da Igreja Anglicana é o Arcebispo de Cantuária. O cargo está vago atualmente. O último a ocupar o posto foi Justin Welby, que renunciou ao cargo em janeiro deste ano.
A Igreja teria acobertado crimes de John Smyth, acusado de abusar de mais de uma centena de crianças e jovens em atividades educacionais promovidas pela denominação. Welby foi informado dos abusos em 2013, mas não informou as autoridades a respeito. Interinamente, as funções de Welby foram passadas ao Arcebispo de York, Stephen Cottrell.
Na Inglaterra, a Igreja Anglicana tem 26 milhões de membros, mas apenas uma pequena fração deles frequenta os templos religiosos regularmente. Nas últimas décadas, a denominação adotou uma postura mais liberal em temas como o divórcio e a prática homossexual. Com isso, parte das igrejas de fé anglicana fora do Reino Unido deixou de obedecer ao Arcebispo de Cantuária.
5) Karekin II - Patriarca da Igreja Apostólica Armênia

A Armênia foi o primeiro país a adotar o cristianismo como religião oficial. A linha sucessória do patriarca da Igreja Apostólica Armênia teve início em 301, quando São Gregório foi escolhido para o posto.
Teologicamente, a Igreja Apostólica Armênia é ortodoxa. Atual líder da denominação, o Patriarca Karekin II é a autoridade espiritual de 7 milhões de fiéis ao redor do mundo.
Karekin II (originalmente, Ktrij Nersessian) estudou teologia na Áustria, na Rússia e na Alemanha, onde também atuou como sacerdote. Em 1999, em uma eleição com cerca de 450 representantes da Igreja, ele recebeu o título de Patriarca e Católico de Todos os Armênios. O termo "Católico", aqui, não tem a ver com a Igreja de Roma: a expressão é usada em seu significado grego de "universal".
O “Vaticano” da Igreja Apostólica Armênia é a catedral de Etchmiadzin, uma das mais antigas do mundo.
6) Inácio Efrém II - Patriarca da Igreja Ortodoxa Síria

A Igreja Ortodoxa Síria tem suas raízes na Igreja de Antioquia, que é mencionada no Novo Testamento como uma das primeiras comunidades cristãs a se organizar.
A sobrevivência da denominação é quase um milagre, dadas as muitas ondas de violência cometidas por facções islâmicas na região desde o século 7. Hoje, a denominação tem cerca de 1,5 milhão de membros.
A Igreja tem a sua sede em Damasco, na Síria. Historicamente, ela manteve presença em outros países da região — e até hoje mantém templos em Israel, na Jordânia, no Líbano e no território da Palestina.
Como um testemunho das suas raízes no cristianismo Primitivo, a Igreja Ortodoxa Siríaca mantém um monastério dentro da Cidade Antiga de Jerusalém. Para muitos, o local abriga o cenáculo, onde Jesus teve última ceia com seus discípulos.
O patriarca Inácio Efrém II está prestes a completar 60 anos de idade. Ele se formou em um seminário no Líbano, mais tarde, também estudou no Egito e obteve um doutorado em Teologia pelo St. Patrick's College, na Irlanda. Antes de se tornar o líder da Igreja Ortodoxa Síria, ele foi padre e bispo de congregações nos Estados Unidos, formadas sobretudo por imigrantes vindos da Síria. Saʿid Karim (seu nome de batismo) foi alçado ao posto de patriarca em maio de 2014.
7) Cirilo I - Patriarca Igreja Ortodoxa Russa

A importância da Igreja Ortodoxa Russa não se dá pela antiguidade (o país só começou a se tornar cristão no século 9), mas pelo seu tamanho.
Com cerca de 90 milhões de fiéis sob seu comando, o patriarca de Moscou tem 78 anos e é filho de um sacerdote ortodoxo com uma professora.
Foi em 1598 que o metropolitano (ou bispo) de Moscou recebeu, com a aprovação de Constantinopla, o título de patriarca — ao lado dos bispos de Alexandria, Antioquia e Jerusalém.
Historicamente, o patriarca de Constantinopla sempre foi o “primeiro entre iguais” por sua importância histórica. Mas, como atualmente Moscou tem o patriarcado com o maior número de fiéis no mundo ortodoxo, há quem afirme que o Patriarca Cirilo é quem merece o título.
O conflito com a Ucrânia tem afetado as relações de Moscou com os outros ramos ortodoxos. Em 2018, a Igreja Ortodoxa Russa se desligou do Patriarcado de Constantinopla depois que o patriarca Bartolomeu I reconheceu a independência da Igreja Ortodoxa da Ucrânia — até então, sob o controle da Igreja Ortodoxa Russa.
O patriarca Cirilo I é uma figura próxima de Vladimir Putin, a quem costuma elogiar politicamente. O líder ortodoxo também apoiou entusiasmadamente a invasão russa à Ucrânia em 2022.
Segundo Lucas Gesta, a disputa de poder é mais antiga: "O patriarcado russo passa por um projeto de poder antigo, quase que imperialista, de impor sua autoridade além do que é previsto pelas igrejas calcedonianas. A ideia antiga, basicamente, é que Moscou seja uma 'nova Roma'", ele explica.
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