![SpaceSail: concorrente da Starlink não é um negócio da China Acordo do Brasil com a SpaceSail, empresa chinesa que quer concorrer no país com a Starlink. Ao centro, Juscelino Filho, ministro das Comunicações.](https://media.gazetadopovo.com.br/2024/11/22150344/spacesail-brasil-acordo-960x540.jpg)
Vários sites noticiaram a assinatura de um memorando de entendimento entre China e Brasil, na figura do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, no qual a empresa SpaceSail proveria serviços de internet via satélite nos moldes da Starlink.
O acordo foi anunciado como derrota para a SpaceX e Elon Musk, com chamadas tratando a SpaceSail como “concorrente” e afirmando que ela “bateu” a Starlink. A verdade, como sempre, não acompanha o ufanismo.
Quem é a SpaceSail?
A China está investindo pesado em empresas aeroespaciais. A SpaceSail é uma delas, subsidiária da Shanghai Spacecom Satellite Technology, bancada pela municipalidade de Xangai, com um aporte de US$ 933 milhões (R$ 5,4 bilhões na cotação atual). Fundada em 2024, a SpaceSail é conhecida localmente como Qianfan, e já usou — acredite — o nome “G60 Starlink”. Eles planejam oferecer serviço de acesso à internet usando satélites de órbita baixa, inicialmente para o território chinês.
Isso é inédito?
Não, a Starlink já oferece esse serviço só prometido pela SpaceSail, e há outros concorrentes planejando entrar no mercado, como o Projeto Kuiper, da Amazon. A Rússia planeja um sistema próprio e a Europa planeja o sistema IRIS², nos mesmos moldes. Algo em comum nesses projetos é que nenhum foi lançado ainda, por um motivo simples:
O espaço é caro
Um lançamento espacial pode custar mais de US$ 100 milhões (R$ 581,3 milhões). Em um foguete Delta IV da United Launch Aliance (ULA, um fabricante aeroespacial), um quilograma colocado em órbita custa US$ 12.300 (R$ 71,5 mil). Em um Ariane 5, foguete da Agência Espacial Europeia, custa US$ 8.500 (R$ 49,4 mil). A SpaceX barateou enormemente o custo de lançamento, mas mesmo em seu foguete Falcon 9 o custo é de US$ 2.600 por quilograma (R$ 15.114/kg) enviado ao espaço.
Constelações com centenas de satélites demandam dezenas de lançamentos. A SpaceSail fez dois, cada um levando 18 satélites. O foguete usado, o Longa Marcha 6A, tem um custo por quilograma de US$ 11 mil (R$ 64 mil). Um lançamento dedicado custa US$ 70 milhões (R$ 407 milhões).
A conta não fecha
A SpaceSail promete terminar 2025 com 648 satélites em órbita. São 18 satélites em cada foguete, totalizando 36. Ao custo unitário de US$ 70 milhões por lançamento, são US$ 2,52 bilhões ao todo. Se todo o dinheiro da empresa fosse usado só para lançamentos, ainda faltaria US$ 1,5 bilhão (R$ 9,2 bilhões).
Como a Starlink sobrevive, então?
A Starlink, por ser uma subsidiária da SpaceX, domina toda a cadeia produtiva. Ela constrói os próprios satélites e os próprios foguetes, o que barateia bastante os custos. Além disso, a SpaceX domina a tecnologia de foguetes reutilizáveis, ninguém mais no mundo consegue pousar um foguete, vistoriar e lançar de novo alguns dias depois.
Alguns foguetes da SpaceX já foram lançados 23 vezes. Imagine a economia de não ter que construir 23 foguetes.
A reutilização é fundamental para viabilizar a indústria aeroespacial. Até hoje um foguete equivale a um caminhão que leva uma caixa de cerveja, chega no destino e é jogado fora. Há empresas chinesas tentando criar foguetes reutilizáveis, mas estão anos atrás da SpaceX.
O Projeto Kuiper, da Amazon, é um dos concorrentes da Starlink com mais chances de ter sucesso, pois a Blue Origin, empresa do bilionário Jeff Bezos, principal acionista da Amazon, está finalizando o New Glenn, um foguete próprio. Mesmo assim, o Projeto Kuiper contratou lançamentos também de outras empresas, inclusive a SpaceX, para atingir a cadência necessária de lançamentos.
Cadência é a palavra-chave. Para manter uma constelação de satélites você precisa lançar muito e lançar sempre.
A China como um todo efetuou 56 lançamentos orbitais em 2024, até o final de novembro. A SpaceSail ocuparia 64% desses lançamentos para colocar 648 satélites em órbita em 2025.
A SpaceX, sozinha, até 18 de novembro, realizou 77 lançamentos de satélites Starlink em 2024. No total são 6.676 satélites em órbita, com um plano de lançarem 12.000, e uma possível expansão para 30.000.
A Starlink dá lucro?
Com um investimento planejado de US$ 10 bilhões (R$ 58,13 bilhões), a Starlink precisa de uma base grande de clientes. Hoje são mais de quatro milhões. Em um evento 15 de novembro, Gwynne Shotwell, presidente da SpaceX, revelou que 2024 será o primeiro ano em que a Starlink dará lucro, mas o futuro do projeto depende da Starship, o superfoguete da empresa.
Os primeiros satélites Starlink eram pequenos, cada lançamento do Falcon 9 levava 60. A versão nova, muito mais poderosa, capaz de atender mais usuários com mais velocidade, é maior e mais pesada. Só cabem 20 por lançamento. Isso aumenta o custo. Com a Starship, a SpaceX poderá lançar 200 satélites de cada vez, o que é fundamental para expandir a constelação, e repor os satélites que ultrapassam sua vida útil.
Se a China ainda não conseguiu nem copiar o Falcon 9, que dirá a Starship.
E o Brasil com isso?
A SpaceSail não vai atender o território brasileiro tão cedo, o tal acordo é só mais uma peça ufanista, como as promessas de “dezenas” de empresas usando a base de Alcântara para lançar foguetes, ou a vergonhosa participação do Brasil na Estação Espacial Internacional, da qual fomos expulsos por falta de pagamento. Ao menos não houve até agora dinheiro público investido, ao contrário de casos como o foguete Ciclone, que seria desenvolvido em conjunto com a Ucrânia, mas — depois de R$ 1 bilhão afundado no projeto — foi cancelado.
Carlos Cardoso é editor de Ciências do Meiobit.com.
Esquerda tenta mudar regra eleitoral para impedir maioria conservadora no Senado após 2026
Falas de ministros do STF revelam pouco caso com princípios democráticos
Sob pressão do mercado e enfraquecido no governo, Haddad atravessa seu pior momento
Síria: o que esperar depois da queda da ditadura de Assad
Deixe sua opinião