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Anders Tegnell, chefe de epidemiologia da Suécia
Anders Tegnell, chefe de epidemiologia da Suécia| Foto: EFE/EPA/Jessica Gow

A favorita para ganhar o Prêmio Nobel da Paz deste ano, segundo agentes de apostas britânicos, é a Organização Mundial da Saúde (OMS). Difícil imaginar escolha pior. (OK, Vladimir Putin.) A teoria dos apostadores é que o comitê do Nobel vai honrar a OMS por seus esforços no combate à Covid-19 — mas seria absurdo laurear uma organização que começou na pandemia espalhando desinformação fatal, seguiu promovendo políticas desastrosas e agora busca novos poderes para fazer ainda mais estrago da próxima vez.

Os jurados do Nobel, na Noruega, deveriam estar honrando os verdadeiros heróis da pandemia, começando por um candidato óbvio logo à sua fronteira: Anders Tegnell, o epidemiologista estatal da Suécia. Enquanto a OMS e o resto do mundo entravam em pânico, ele manteve a calma. Enquanto os líderes em outros lugares aleijavam as suas sociedades, ele manteve a Suécia livre e aberta. Enquanto as autoridades de saúde ignoravam seus próprios planos pré-Covid para uma pandemia — e as resmas de relatórios que alertavam que os lockdowns, fechamentos de escolas e máscaras serviriam para pouco ou nada — Tegnell manteve-se firme no plano e deu atenção às evidências científicas.

Jornalistas o expuseram num pelourinho por não se juntar à histeria, mas ele tinha razão. Na Suécia, a taxa geral de excesso de mortalidade — uma medida do número de mortes acima do normal a partir de todas as causas — durante a pandemia é uma das mais baixas da Europa. As crianças suecas continuaram indo à escola e não sofreram perdas de aprendizado, tão comuns em outros lugares. Crianças e adultos suecos seguiram com suas vidas, aconselhados por Tegnell a não usar máscaras enquanto continuavam indo às escolas, lojas, igrejas, playgrounds, academias e restaurantes. E menos deles morreram que na maioria dos estados americanos e países europeus que atrasaram tratamentos médicos, levaram empresas à falência, empobreceram os trabalhadores, retardaram o crescimento emocional e cognitivo das crianças e arrancaram liberdades fundamentais de seus cidadãos.

Se não fosse por Tegnell e alguns outros hereges em lugares como a Flórida, não teríamos evidências claras para impedir uma catástrofe similar quando o próximo vírus chegar. Políticos e autoridades da OMS e dos Centros de Controle de Doenças (CDC) ainda estão promovendo máscaras obrigatórias inúteis e defendendo os seus lockdowns com um truque mágico científico: seleção conveniente de dados e modelos computacionais que supostamente mostram que as medidas teriam funcionado. Essas alegações foram rebatidas em centenas de estudos, mas os jornalistas e políticos na maior parte ignoraram essas pesquisas, preferindo papagaiar as alegações da OMS e de autoridades dos CDC que tentam varrer descobertas inconvenientes para baixo do tapete.

Mas eles não conseguirão desprezar facilmente os resultados da Suécia e outros locais que usaram da mesma estratégia. O mundo real vence o modelo computacional. Tegnell forçou os defensores do lockdown e os fanáticos das máscaras a testar as suas teorias carentes de provas ao fazer da Suécia o grupo controle de um experimento natural, e ele o fez enfrentando uma pressão extraordinária, como reconta o jornalista sueco Johan Anderberg em ricos detalhes no livro O Rebanho: como a Suécia escolheu seu próprio caminho na pior pandemia em 100 anos [em tradução livre; conteúdo coberto apenas pela Gazeta do Povo no Brasil].

Tegnell teve a ajuda de candidato digno a compartilhar com ele o Nobel, Johan Giesecke, que antes ocupou a posição de Tegnell e atuou durante a pandemia como consultor junto à agência de saúde pública sueca. Décadas antes, ele havia recrutado Tegnell para a agência porque estava admirado com a disposição do jovem médico de falar o que pensa sem se importar com as consequências políticas. No começo de março de 2020, quando líderes pela Europa estavam fechando escolas, Giesecke mandou a seu protegido um e-mail com uma frase em latim. Era um famoso conselho de pai mandado em 1648 pelo estadista sueco Axel Oxenstierna para acalmar seu filho, que estava preocupado com não se deixar abalar em negociações com líderes estrangeiros. An nescis, mi fili, quantilla prudentia mundus regatur: “Você sabe, meu filho, com quão pouca sabedoria o mundo é governado?”

Políticos da Suécia estavam prontos para fechar as escolas também, mas Tegnell e Giesecke insistiram em pesar custos e benefícios, como Tegnell tinha feito em um artigo de 2009 revisando estudos de fechamentos de escolas durante pandemias. O artigo alertava que os fechamentos poderiam ter pouco ou nenhum efeito sobre a disseminação de vírus e causariam danos econômicos enormes, prejudicariam os alunos e trabalhadores de famílias de baixa renda desproporcionalmente, e criariam uma baixa na força de trabalho do sistema de saúde ao forçar pais a ficar em casa com crianças pequenas. Considerando todos esses perigos, além de dados preliminares da Covid que mostravam que as crianças não estavam espalhando o vírus de forma perigosa nas escolas, Tegnell e Giesecke tiveram sucesso na luta para manter as escolas de ensino primário e médio abertas — sem máscaras, escudos de plástico, distanciamento social ou testes frequentes de Covid para os alunos.

Eles permaneceram racionais enquanto os políticos ao redor do mundo foram assustados na direção dos lockdowns pela equipe de pesquisadores de Neil Ferguson no Imperial College de Londres em meados de março de 2020. O modelo computacional de Ferguson fazia a projeção que a Covid mataria mais de dois milhões de americanos e 500 mil britânicos até o fim do verão, e que em breve haveria 30 pacientes de Covid para cada leito hospitalar disponível nas unidades de tratamento intensivo. A “única estratégia viável”, concluíram os autores do modelo, era uma estratégia de lockdown como a da China.

Não importa que essa estratégia tenha sido considerada com cuidado e rejeitada em numerosos planos de pandemia pré-2020 preparados pela OMS, pelos CDC e agências de saúde do Canadá, Reino Unido, Suécia e outros países. Os panoramas dos planejadores haviam descartado fechar o comércio mesmo durante uma pandemia tão mortífera quanto a da gripe espanhola de 1918. Porém, assim que os números apocalípticos do Imperial College chegaram às manchetes internacionais, os planos foram prontamente esquecidos — exceto na Suécia, onde Tegnell tinha posto Giesecke a cargo de avaliar os modelos de disseminação viral.

Giesecke teve o bom senso de ser cético. Pioneiro da modelagem de epidemias na Suécia, já tinha visto quão erradas as projeções computacionais poderiam estar, especialmente as da equipe de Ferguson no Imperial College. Na opinião dele, como descreve Anderberg em O Rebanho, “A carreira de Ferguson era uma grande sequência de erros de cálculo desastrosos com consequências fatídicas”. Giesecke conseguia recitar de memória os números exatos dos alarmes anteriores de Ferguson, como a projeção de que até 65 mil britânicos morreriam de gripe suína (o número real foi 474). As projeções de Ferguson para a Covid pareceram para ele mais um cálculo alarmista errado, com base em pressupostos defeituosos sobre a letalidade do vírus, como ele se espalha, e como as pessoas responderiam. Quando outros pesquisadores usaram técnicas semelhantes de modelagem para projetar a desgraça para a Suécia, ele dispensou seus alertas como “cenário de terror sem utilidade para ninguém”.

Ele e Tegnell eram da mesma forma céticos a respeito das alegações que a China e outros países haviam “controlado” o vírus ao fechar a sociedade e forçar os cidadãos a usar máscaras. Não tinham nenhuma ilusão de chegar à “Covid zero”. Um país isolado poderia trancar as suas fronteiras e escapar temporariamente da Covid, mas, uma vez que chegasse o vírus transmitido pelo ar, não haveria como parar a sua disseminação (como descobriram Nova Zelândia e Austrália com atraso, depois de dois anos de lockdowns draconianos). Conforme um país após o outro fazia lockdown, Tegnell mandou um email a seus colegas suecos: “O mundo enlouqueceu”.

Tegnell confiava nos suecos para tomar precauções sensatas, o que eles geralmente fizeram. Muitos seguiram as recomendações do governo de praticar o distanciamento social e trabalhar de casa quando possível. Os idosos e pessoas com problemas respiratórios foram aconselhados a ficar em casa, mas Tegnell pediu às pessoas que não usassem máscaras, que ele considerava ineficazes e em potencial danosas. Ele resistiu à pressão para que ordenasse um lockdown quando a taxa de mortalidade da Suécia subiu no começo da pandemia. O número de mortes, enquanto era uma ordem de magnitude inferior ao número apocalíptico projetado pelos autores de modelos computacionais, era ainda assim um dos mais altos da Europa, e muito mais alto que o dos países vizinhos.

Tegnell enfrentou críticas intensas em casa e fora do país pela “tolice fatal” da Suécia, como The Guardian a chamou. Jornalistas estrangeiros, que se diferenciavam nas coletivas de imprensa em Estocolmo por serem os únicos que estavam usando máscaras, retrataram a Suécia como um “Estado pária” e “o mau exemplo do mundo”. Tegnell reconheceu que a Suécia havia errado por não se mexer rápido o suficiente para impor restrições em asilos de idosos, mas insistiu que a estratégia da Suécia era em geral sensata. Ele e seus apoiadores apontaram que a Suécia estivera mais vulnerável que seus vizinhos nórdicos porque o vírus havia entrado lá antes e porque o país tinha mais viajantes internacionais, mais imigrantes e mais habitantes urbanos. Também tinha mais idosos vulneráveis (o que foi chamado de “efeito fogo de palha”) pois as ondas de gripe anteriores haviam sido muito menos letais na Suécia que nos países vizinhos. Na Dinamarca, por exemplo, a taxa de mortalidade tinha sido atipicamente alta em 2019 por causa da gripe, de modo que havia menos pessoas idosas frágeis vivas no começo da pandemia. A taxa de excesso de mortalidade da Dinamarca em 2020 foi muito menor do que a da Suécia, mas a taxa ao longo do período completo de dois anos foi aproximadamente a mesma em ambos os países.

No fim o vírus se espalharia para os outros países apesar de seus lockdowns e máscaras obrigatórias, avisou Tegnell em julho de 2020, quando aconselhava os seus colegas e críticos a pensar a longo prazo. “Depois do próximo verão”, disse ele, “penso que poderemos julgar melhor o que foi bom em alguns países e ruim em outros”.

Dito e feito: no verão de 2021, a Suécia servia de exemplo, mas não de “mau exemplo”. Sem fechar escolas ou fazer lockdown ou implementar máscaras obrigatórias, tinha se saído melhor que a maioria dos países europeus de acordo com o ranking mais importante: a taxa cumulativa de excesso de mortalidade. Críticos da estratégia de Tegnell ateram-se a argumentar que a taxa da Suécia era mais alta que a de vários outros países ao redor, mas essa foi uma seleção conveniente de dados porque dois desses países — Noruega e Finlândia — também tinham evitado máscaras obrigatórias e seguido políticas similares à da Suécia depois de seus lockdowns do começo da pandemia.

Hoje a estratégia de Tegnell tem uma cara ainda melhor, de acordo com os rankings mais recentes de excesso de mortalidade da revista The Economist, do Banco de Dados de Mortalidade Mundial, e da OMS. Os rankings diferem um pouco a depender dos métodos estatísticos usados, mas todos os três grupos calculam que a taxa cumulativa de excesso de mortalidade da Suécia durante a pandemia foi uma das mais baixas da Europa e do resto do mundo.  O método da Economist, que é ajustado pelas diferenças demográficas entre os países, mostra que a cada 100 mil pessoas houve 61 mortes excedentes na Suécia. Esse número de 61 mortes é mais alto que o da Dinamarca ou Noruega (35 e 47 mortes, respectivamente), mas é mais baixo que o da Finlândia (72 mortes). Também é mais baixo que o da Alemanha (67 mortes), que ganhou efusivos elogios da imprensa durante a pandemia por seus lockdowns rigorosos e regras que obrigavam os cidadãos a usar máscaras cirúrgicas ou N95. A maioria dos países europeus sofreu mais que 100 mortes excedentes por 100 mil, inclusive alguns perto da Suécia: os Bálcãs, Rússia, Polônia, Países Baixos, Bélgica e Grã-Bretanha.

A Suécia se saiu especialmente bem quando comparada aos Estados Unidos, que sofreu 206 mortes excedentes por 100 mil. São mais que o triplo da taxa sueca, com outra diferença gritante: o número de mortos entre os jovens e pessoas de meia idade. Mesmo ao longo de 2020, o pior ano de pandemia para a Suécia, nenhuma mortalidade excedente ocorreu entre os suecos com menos de 70 anos, mas a taxa decolou entre os americanos mais jovens. Os CDC relataram que a taxa de mortalidade excedente subiu de forma mais proeminente entre os americanos entre 25 e 44 anos do que em qualquer outra faixa etária. Quando os pesquisadores analisaram as mortes excedentes entre os americanos com idade entre 15 e 54, descobriram que a maioria morreu de outras causas que não foram a Covid. Muitos foram vítimas presumíveis de perturbações dos lockdowns: tratamentos médicos e de saúde mental cancelados, isolamento e falta de atividade física forçados, o pico de desemprego, os aumentos vertiginosos nas taxas de transtornos de depressão e ansiedade, obesidade e diabetes, e abuso de álcool e drogas.

Essas mortes equivalem a “uma emergência de saúde histórica, mas em grande parte não reconhecida”, de acordo com um estudo de Casey Mulligan, economista da Universidade de Chicago, e Robert Arnott, estatístico e chefe da organização Research Affiliates. Eles calculam, de forma conservadora, que os EUA viram 171 mil mortes excedentes de causas que não foram a Covid desde o começo da pandemia até o ano passado. Notam que, enquanto a Economist calculou uma taxa alta similar de mortalidade excedente por não-Covid por toda a União Europeia, há uma exceção notável ao padrão: a Suécia, onde a mortalidade por causas não-Covid foi menor que a normal durante a pandemia. “Talvez”, observam, “o resultado da Suécia seja relacionado à minimização das perturbações aos estilos de vida normais de seus cidadãos”.

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Com a possível exceção da Crise de 1929, os lockdowns foram o erro de política pública mais custoso já cometido durante tempos de paz nos Estados Unidos. As piores consequências dos lockdowns foram suportadas por pessoas dos países mais pobres, que viram aumentos devastadores na pobreza, fome e doença. Mesmo assim a OMS recusou-se a reconhecer esses erros e quer mudar o seu planejamento de pandemias para promover mais lockdowns no futuro. Chegou a propor um novo tratado global dando a si mesma o poder de aplicar as suas políticas ao redor do mundo — deste modo impedindo que um país como a Suécia demonstre que essas políticas não funcionam.

A última coisa que a OMS merece é o encorajamento dos jurados do Nobel. O prêmio deveria ser laureado àqueles que protegeram as vidas e liberdades de milhões de cidadãos durante esta pandemia, e cujo trabalho pode ajudar a proteger o resto do mundo durante a próxima. Além de Tegnell e Giesecke, os candidatos óbvios são três especialistas em saúde pública que lideraram o esforço internacional de restaurar a sanidade à sua profissão: Jay Bhattacharya de Stanford, Sunetra Gupta de Oxford e Martin Kulldorff de Harvard. No outono de 2020, eles publicaram um apelo para o fim dos lockdowns e fechamentos das escolas, a Declaração de Great Barrington, que ganhou assinaturas de dezenas de milhares de colegas cientistas e médicos. Eles angariaram evidências científicas ao longo da pandemia para se oporem à histeria da Covid e ajudaram a persuadir líderes na Flórida e outros lugares a seguir estratégias de sucesso como a da Suécia.

Isso totaliza cinco candidatos dignos para um Nobel, que não pode ser compartilhado por mais de três pessoas. Porém, dado o impacto global sem precedentes da Covid-19 e os lockdowns, os esforços para impedir aquela catástrofe merecem mais que um prêmio. Quando foi antes que tão poucos fizeram tanto para ajudar os muitos? Deem o Prêmio Nobel da Paz para Tegnell e Giesecke e o Prêmio Nobel de Medicina para os cientistas da Great Barrington. E, no mínimo, que a OMS e o resto do establishment da saúde pública sejam banidos de serem considerados para qualquer tipo de prêmio. A maior realização deles foi demonstrar uma lição que não precisávamos ter aprendido uma vez mais: “Você sabe, meu filho, com quão pouca sabedoria o mundo é governado?”

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John Tierney é editor contribuinte do City Journal e coautor de O Poder do Ruim: Como o efeito da negatividade nos controla e como podemos controlá-lo (trad. livre).

©2022 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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