Mulher coloca uma flor ao prestar homenagem às vítimas italianas em Las Ramblas, Barcelona, em 21 de agosto de 2017, quatro dias após os ataques de Barcelona e Cambrils, nos quais 15 pessoas foram mortas.| Foto: JAVIER SORIANO/AFP

O ataque terrorista na sede da ONU em Bagdá, em 19 de agosto de 2003, é relembrado por ter tirado a vida de Sergio Vieira de Mello, o líder da missão da agência no Iraque. Para mim, esse foi o dia que eu perdi o meu marido, Jean-Sélim Kanaan, e o nosso filho, com 28 dias de vida, perdeu o pai. Vinte e duas pessoas foram mortas no bombardeio, e mais de 100 foram feridas. Jean-Sélim tinha 33 anos, e um mês depois nós comemoraríamos o nosso primeiro aniversário de casamento.

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Naquele dia, nossa família foi destruída, e o meu bebê e eu fomos jogados em um território desconhecido – o terrorismo. Nós nos beneficiamos na cidadania francesa de Jean-Sélim, mas a grande maioria dos países não reconhecem as necessidades das vítimas de terrorismo (tratamento médico ou psicológico de longo prazo, compensação financeira) nem tem medidas de assistência às vítimas. Os seus governos não têm consciência nem conhecimento ou simplesmente não têm interesse na natureza concorrente e politicamente atraente dos programas de prevenção ao terrorismo.

Além disso, reconhecer vítimas de terrorismo pode ser visto como uma admissão pública de que terroristas são um desafio verdadeiro ao Estado. E responder às necessidades dessas vítimas de terrorismo podem gerar custos que muitos países não querem ter. 

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Desde aquele dia trágico, eu encontrei muitas pessoas cuja luta após um ataque terrorista vem sendo extremamente dolorosa. 

Vítimas de terrorismo muitas vezes sofrem de modos que as vítimas de crimes comuns não sofrem.

Diferentemente da maioria dos crimes, os terroristas e as suas vítimas não são dois pontos ligados por uma linha reta, mas parte de um triângulo cujo terceiro ângulo é o alvo final do ataque – uma comunidade, um governo ou uma instituição.

Os terroristas não têm nenhum interesse nas vítimas – eles atingem uma rua movimentada em Paris, Istambul, Londres, Bali, Berlim, Túnis ou Barcelona pelo o que ela representa, não pelas vítimas que estão ali. 

Para as vítimas, essa desumanização intencional pode ser muito difícil de entender e aceitar. Depois de 14 anos, eu ainda não tenho uma explicação clara para o meu filho, Mattia-Sélim, sobre quem colocou duas toneladas de TNT em um caminhão suicida que tinha como alvo oficiais da ONU, e o porquê disso. E eu nunca tive a oportunidade de encontrar consolo nos julgamentos dos responsáveis. 

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Vítimas de terrorismos muitas vezes são deixadas com um senso de abandono e injustiça que não é curado. Ainda assim, o alto grau de sofrimento – físico e psicológico – que atinge as vítimas, a “dimensão pública” do terrorismo e o efeito de desumanização deliberado, assim como os fracassos dos sistemas de justiça nacionais para lidar com um crime cada vez mais transnacional, pedem uma nova resposta para vítimas de terrorismo por parte dos governos e das Nações Unidas. 

Vítimas de terrorismo não deveriam ser uma preocupação posterior, mas serem incluídas nos programas e estratégias antiterrorismo, tanto a nível nacional quanto internacional. Já que hoje todos os países são alvos em potencial de terrorismo, todos os países deveriam estabelecer programas de assistência a vítimas e familiares. 

Ao mesmo tempo, as Nações Unidas deveriam criar um fundo internacional para complementar os programas nacionais, principalmente para países com recursos limitados. O fundo deveria ajudar a oferecer assistência médica, psicológica, legal e humanitária. Com base em precedentes como o Fundo Voluntário das Nações Unidas para as Vítimas de Tortura, esse fundo deveria ser financiado por meio de contribuições voluntárias de países membros da ONU e, possivelmente, dos bens apreendidos de grupos terroristas. 

Mattia-Sélim sabe muito bem que o terrorismo transacional é complexo, mata muitas pessoas e não é limitado a uma única nacionalidade. Ele, assim como muitas outras vítimas de terrorismo, também entende que as vítimas não são consideradas questões centrais do problema, e que toda conversa sobre medidas antiterrorismo que escutamos diariamente no rádio e na TV não tem como objetivo principal trazer verdade e conforto às vítimas. Todos nós deveríamos nos esforçar mais: Qualquer um pode se tornar uma vítima de terrorismo. E as vítimas merecem reconhecimento e suporte.

*Laura Dolci-Kanaan vive em Genebra e escreveu um livro sobre as consequências do terrorismo para as vítimas.

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Tradução de Andressa Muniz