Theo Wilson, um poeta e ator de 36 anos nascido em Denver, no estado do Colorado, decidiu se disfarçar e entrar no mundo dos supremacistas. Em 2015, ele começou criando um perfil falso chamado “Lucious25”| Foto: Theo Wilson/Washington Post

Assim que Theo Wilson começou a fazer vídeos no YouTube sobre cultura e raça, provocadores começaram a encher sua página com insultos raciais.

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Após se engajar em discussões virulentas sem fim na sessão de comentários, Wilson começou a perceber algo curioso: os provocadores pareciam falar uma língua própria, repleta dos mesmos fatos distorcidos e falsa história. Era como se eles tivessem passado por uma “porta dimensional”, chegando de um universo alternativo onde a história, política e os fatos comumente aceitos tivessem sido virados do avesso. 

Lá havia a ideia de que a escravidão era uma forma de caridade que beneficiava africanos escravizados; que negros libertos possuíam mais escravos do que os brancos antes da Guerra Civil; que pessoas de cor representam a maior parte daqueles que recebem ajuda de programas sociais nos Estados Unidos; e que o investidor e filantropo George Soros financia os protestos do movimento Black Lives Matter. 

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Curioso sobre de onde seus provocadores estavam obtendo as lições de história revisionista, Wilson, um poeta e ator de 36 anos nascido em Denver, no estado do Colorado, decidiu se disfarçar e entrar no mundo dos supremacistas. Em 2015, ele começou por criar um perfil falso chamado “Lucious25”, um supremacista branco que aparentava ser um membro nativo daquela rede de extrema-direita alternativa, contou. 

Seu avatar no perfil era John Carter, o herói confederado da série de ficção científica criada por Edgar Rice Burroughs sobre aventuras quase mortais em Marte. 

Em apenas algumas semanas, a identidade alternativa de Wilson já estava questionando o local de nascimento do presidente Barack Obama, protestando contra o Black Lives Matter e reclamando de pessoas que ele chamava de “race-baiters” (termo utilizado na internet para denominar pessoas que utilizam o argumento racial para iniciar uma discussão), como o Procurador Geral Eric H. Holder Jr. Após vários meses, ele se tornou uma figura desagradável já conhecida em websites da extrema-direita que atraíam supremacistas brancos — como Infowars e American Renaissance — e na sessão de comentários de vídeos racistas no YouTube. 

“Para ser honesto, foi um pouco animador”, disse Wilson para o público em uma recente conferência TEDx sobre sua experiência. “Eu literalmente passava dias clicando com meu novo perfil racista, sendo completamente improdutivo no trabalho enquanto andava na terra Ariana”. 

Durante oito meses como um provocador racista, Wilson nunca revelou sua identidade verdadeira. Quando tudo acabou, disse Wilson, ele chegou a apreciar a forma em que a bolha da mídia da extrema-direita incapacita seus participantes — oferecendo uma torrente sem fim de bodes expiatórios para seus problemas sem dar nenhuma solução confiável. 

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Nós falamos com o poeta sobre sua experiência, se supremacistas brancos podem ser redimíveis e porque ele acredita que os liberais devem ouvir a extrema-direita. A entrevista foi editada por conta de seu tamanho. 

Como foi assumir a identidade de uma pessoa que, se real, presumidamente odiaria você e tudo o que você representa? 

Foi doloroso no início. Eu ainda sou eu. Isso não é como o personagem cego do comediante Dave Chapelle que era da Ku Klux Klan e não sabia que era negro. Para ir além da dor, eu tive que me desassociar do fato de ser negro. O incômodo não sumiu, mas com o tempo começou a parecer um estudo de personagem. Eu já atuei antes e a força que desenvolvi no teatro me permitiu fazer isto. Atuar te ensina que você não pode simplesmente atuar, mas que você deve ser, então eu meio que dizia para mim mesmo que eu era o Daniel Day Lewis ou o Denzel Washington me tornando em um personagem. 

Conforme você se tornou mais familiar com a extrema-direita alternativa on-line, o que mais lhe chocou sobre as visões deles? 

Que ainda há pessoas que pensam que pessoas negras não são completamente humanas e que nós estamos atrasados em termos evolutivos. Os comentários que li sobre nossos traços faciais serem como os de macacos e nossa pele negra ser uma prova de nosso primitivismo foram chocantes. O fato é que há pessoas que acreditam que a diferença entre nós e eles é a diferença entre duas espécies, não uma raça. Eu fui criado com muitos exemplos de excelência negra e nunca sobre inferioridade. Enquanto isso, as pessoas nesses fóruns ainda estão discutindo frenologia (uma teoria que afirma poder prover informações sobre a personalidade, caráter e outras coisas de alguém a partir do formato da cabeça). Quem ainda usa frenologia? Nós mapeamos o genoma humano! 

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Após passar um tempo no universo supremacista branco, você considera todos eles “más pessoas”? 

É sábio evitar absolutos. “Mau” geralmente significa “irresgatável” e “descartável”. Então, se eu pensasse que todos na extrema-direita são assim, o experimento seria inútil. 

 Você menciona que nos fóruns eles também estão buscando “respostas” para questões. O que eles estão tentando solucionar? 

Eles estão sofrendo para entender por que eles terão menos oportunidades na América atual do que a geração de seus pais. Eles também querem respostas para questões simples sobre raça na América, como: qual é o objetivo do multiculturalismo? Por que apenas pessoas negras podem dizer a palavra com “n” (“nigger”, termo altamente pejorativo quando utilizado por brancos nos EUA)? Como o racismo não acabou quando LeBron James e a Oprah possuem contas bancárias enormes? Como as ações afirmativas são qualquer coisa que não racismo reverso? Por que eu não deveria ter orgulho de ser branco se outra pessoa tem orgulho de ser negro? 

Você se chocou com a realidade de que se infiltrar nesse mundo seria praticamente impossível para você em quase qualquer outro momento da história americana? Você estaria colocando sua vida em risco. 

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Esse experimento foi um completo produto da era digital. Mesmo quando o oposto era feito no livro “Black like me” (“Negro como eu”, sem edição em português), sempre há a possibilidade de que você pode ser descoberto, mas aqui isso é algo extremamente improvável a menos que alguém seja um hacker. A internet é como aquilo que o carro é para a agressividade no trânsito. O vidro e o aço criam esta bolha de segurança percebida que amplifica a raiva das pessoas mas evita que elas tenham que lidar com as consequências dessa raiva. Há uma honestidade que é exposta no processo. 

Você fala sobre “quebrar a separação digital”. A tecnologia nos oferece a chance de nos conectar com novas pessoas e ideias, mas você não acredita que é uma ferramenta confiável para combater o racismo. Por quê? 

James Baldwin diagnosticou com precisão a necessidade da cultura branca em projetar sombras nos corpos negros como sendo uma das origens do racismo. Um smartphone e um iPad não irão satisfazer essa necessidade. Tudo o que eles fazem é reforçar nossos desejos e vontades e se esses desejos são imaturos, nós nunca crescemos. O racismo é uma jaula confortável e a tecnologia não forneceu uma chave para sair dela. Nós precisamos ter conversas corajosas, face a face com pessoas difíceis fora da segurança de nossos laptops. 

Você fala dos racistas com uma certa compaixão. Isso sugere que você tem esperanças sobre nossas chances de derrotar o racismo? 

Só porque essa experiência me fez mais piedoso não significa que eu estou mais esperançoso. Minha compaixão vem do fato de saber que essas pessoas ainda estão muito vulneráveis à configuração social. Mas as forças sociais que fazem o racismo um lugar comum não estão necessariamente sumindo. Veja o que aconteceu em Chalottesville, por exemplo. Como uma novíssima geração de pessoas brancas passou a ter tanto ódio? Eles nunca se juntaram a seus pais em um linchamento. Eles nunca sentiram o cheiro da pele de um negro queimando em uma praça pública ou viveram nos Estados Unidos com as leis Jim Crow. E ainda assim, eles adotaram essas atitudes de ódio. Isso não me faz esperançoso de nenhuma forma.

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Tradução de Maíra Santos