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Campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde morreram centenas de milhares de pessoas: O triunfo político final da eugenia chegou com os nazistas e seu ataque aos deficientes, homossexuais, ciganos, judeus e qualquer um considerado inimigo do Estado.
Campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde morreram centenas de milhares de pessoas: O triunfo político final da eugenia chegou com os nazistas e seu ataque aos deficientes, homossexuais, ciganos, judeus e qualquer um considerado inimigo do Estado.| Foto: BigStock

Na década de 1920, quando ainda era agnóstico, C. S. Lewis anotou em seu diário sua mais recente leitura: “Comecei a ler ‘Eugenia e outras desgraças’, de Chesterton”.

Controverso escritor católico inglês, Chesterton publicou seu livro em 1922, quando a popularidade da eugenia estava em alta. Opiniões respeitáveis ​​de ambos os lados do Atlântico abraçaram o conceito: uma abordagem científica à reprodução seletiva para reduzir e, eventualmente, eliminar a categoria de pessoas consideradas mental e moralmente deficientes. Do juiz da Suprema Corte dos EUA, Oliver Wendell Holmes, à fundadora da Planned Parenthood, Margaret Sanger, as políticas de eugenia – incluindo a esterilização involuntária – foram saudadas como uma solução “progressista” e “compassiva” para problemas sociais crescentes.

Cem anos atrás, Chesterton discerniu algo completamente diferente: “terrorismo por professores de quinta categoria”. Por um tempo, ele ficou quase sozinho em seu ataque profético ao movimento eugênico e à teoria pseudocientífica pela qual ele foi defendido.

“As pessoas falam da impaciência da população; mas os bons historiadores sabem que a maioria das tiranias foi possível porque os homens reagiram tarde demais”, alertou Chesterton. “Sei que há muitos cujas intenções são inteiramente inocentes e humanas; e quem ficaria sinceramente surpreso pela maneira que descrevo a eugenia. Mas isso é só porque o mal sempre vence pela força dos trapaceiros.”

Chesterton declarou seu objetivo abertamente: A ideologia da eugenia deve ser destruída para que a liberdade humana seja preservada. A ideia eugênica, escreveu ele, “é uma coisa que não pode ser negociada”. No final, seriam necessárias as descobertas nos campos de extermínio de Auschwitz e Dachau para que a maior parte do mundo finalmente rejeitasse a terrível lógica da eugenia. No entanto, Chesterton foi um dos primeiros a ver isso acontecer: quando a máquina do Estado invocaria a autoridade da ciência para privar os indivíduos — tanto os “inaptos” quanto os nascituros — de seus direitos humanos fundamentais.

É difícil exagerar o grau em que a eugenia capturou a imaginação das comunidades médica e científica no início do século 20. O antropólogo Francis Galton, que cunhou o termo – do grego para “bom nascimento” – argumentou que as técnicas científicas para criar animais mais saudáveis ​​​​devem ser aplicadas aos seres humanos. Aqueles considerados “degenerados”, “imbecis” ou “débeis mentais” seriam alvos. Antecipando a oposição pública, Galton disse em reuniões científicas que a eugenia “deve ser introduzida na consciência nacional como uma nova religião”. Organizações científicas de primeira linha, como o Museu Americano de História Natural e instituições como as universidades Harvard e Princeton, pregavam o evangelho da eugenia: realizavam conferências, publicavam artigos, forneciam financiamento para pesquisas e defendiam leis de esterilização.

Para muitos pensadores do Ocidente, a catástrofe da Primeira Guerra Mundial, somada aos problemas de pobreza, crime e colapso social, sugeria uma doença na linhagem racial. Os títulos dos livros ajudam a contar a história: ‘Decadência e Degeneração Social’; ‘A Necessidade de Reforma Eugênica’; ‘Decadência Racial’; ‘Esterilização do Inapto’; e ‘O Crepúsculo das Raças Brancas’. A Sociedade Americana de Eugenia (American Eugenics Society), fundada em 1922 — no mesmo ano em que Chesterton publicou ‘Eugenia e Outras Desgraças’ — foi apoiada por cientistas vencedores do Prêmio Nobel cujo objetivo declarado era esterilizar um décimo da população dos EUA.

A Suprema Corte abriu o caminho. O juiz Holmes, progressista e defensor da eugenia, escreveu a opinião do Tribunal de 1927 em Buck v. Bell, uma decisão de 8 a 1 defendendo as leis de esterilização da Virgínia. Ele resumiu a filosofia do tribunal assim: “Três gerações de imbecis são suficientes”. Em uma década, leis que obrigam à esterilização daqueles considerados uma ameaça ao pool genético [conjunto dos genes e suas variações dentro de uma determinada população] — alcoólatras, criminosos, imigrantes indesejáveis, afro-americanos — foram aprovadas em 32 estados. Pelo menos 70 mil pessoas foram esterilizadas à força, da Califórnia a Nova York.

Como filósofo cristão, Chesterton reconheceu o problema histórico de as igrejas usarem o estado secular para impor a doutrina religiosa. Mas ele virou a questão acusando as elites científicas de repetir os erros da Inquisição:

Quem realmente está tentando tiranizar através do governo é a Ciência. Quem realmente usa o braço secular é a Ciência. E o credo que realmente está cobrando dízimos e capturando escolas, o credo que realmente é imposto por multa e prisão, o credo que é realmente proclamado não em sermões, mas em estatutos, e difundido não por peregrinos, mas por policiais — esse credo é o grande mas disputado sistema de pensamento que começou com a evolução e terminou na eugenia.

Sob a visão da eugenia, os mais vulneráveis ​​da sociedade não encontrariam compaixão e ajuda; eles encontrariam o bisturi do cirurgião. Como Chesterton brincou, não haveria simpatia pelo personagem de Tiny Tim, o menino aleijado da família Cratchit em ‘Um Conto de Natal’, de Charles Dickens. “O eugenista, pelo que sei, consideraria a mera existência de Tiny Tim como uma razão suficiente para massacrar toda a família Cratchit.”

Esses fatos merecem ser lembrados à luz do debate desencadeado pela recente decisão da Suprema Corte derrubando Roe v. Wade. Margaret Sanger alardeou as características eugênicas do controle de natalidade e encontrou apoio dos principais eugenistas do país. Como ela afirmou em um discurso no Congresso Internacional de Eugenia de 1921, em Nova York: “O problema mais urgente hoje é como limitar e desencorajar a superfertilidade dos deficientes mentais e físicos”.

No coração do movimento de eugenia, acreditava Chesterton, estava uma visão totalmente materialista da pessoa humana: o homem como rato de laboratório. “O materialismo é realmente nossa Igreja estabelecida”, escreveu ele, “pois o governo realmente a ajudará a perseguir seus hereges”.

A verdade preocupante é que a comunidade científica desempenhou um papel decisivo na aceitação política e social da eugenia. Membros de todas as profissões médicas e científicas usaram sua imensa autoridade cultural para persuadir educadores, legisladores, juristas, jornalistas e clérigos de que a eugenia oferecia a melhor esperança de resgatar a raça humana da decadência e até da extinção. Henry Osborn, paleontólogo e cofundador da American Eugenics Society, resumiu sua visão assim: “Assim como a ciência iluminou o governo na prevenção e disseminação de doenças, ela também deve esclarecer o governo na prevenção da disseminação e multiplicação de membros inúteis da sociedade...”

O triunfo político final dessa ideia, é claro, chegou com os nazistas e seu ataque aos deficientes, homossexuais, ciganos, judeus e qualquer um considerado inimigo do Estado. De fato, médicos nazistas se correspondiam com eugenistas americanos enquanto eles projetavam seus próprios programas de esterilização.

O movimento eugênico, como Chesterton previu, tornou-se uma história miserável de negação dos ideais democráticos para servir a uma visão utópica. “Assim, a tirania deu apenas um passo para alcançar os lugares secretos e sagrados da liberdade pessoal”, escreveu ele, “onde nenhum homem com sanidade jamais sonhou em vê-la”. Inconscientemente ou não, o sonho eugênico desencadeou uma catarata de medos e ódios profundamente enraizados — santificados desta vez por um sacerdócio secular, a comunidade científica.

C. S. Lewis, o professor de Oxford cuja conversão ao cristianismo foi auxiliada pelos escritos teológicos de Chesterton, também observou esses desenvolvimentos com horror. Como Chesterton, ele advertiu sobre o cientista desvinculado das restrições da moralidade ou religião tradicional.

“Os modeladores de homens da nova era estarão armados com os poderes de um estado onicompetente e uma técnica científica irresistível”, escreveu Lewis em ‘A Abolição do Homem’. Em tal época, ele previu, a suposta conquista do homem sobre a natureza não levaria à sua libertação — muito pelo contrário. “Pois o poder do homem de fazer a si mesmo o que quer significa, como vimos, o poder de alguns homens de fazer a outros o que quiserem.”

Joseph Loconte é distinto professor visitante no Grove City College e autor de 'A Hobbit, a Wardrobe, and a Great War' [Um Hobbit, Um Guarda-Roupa e uma Guerra Mundial]. O trailer do filme baseado no livro, que será lançado em breve, pode ser encontrado em hobbitwardrobe.com

©2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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