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No fim de seu segundo período no poder, entre 1951 e 1954, Getúlio estava sendo pressionado a renunciar | Arquivo/Folhapress
No fim de seu segundo período no poder, entre 1951 e 1954, Getúlio estava sendo pressionado a renunciar| Foto: Arquivo/Folhapress

Ele saiu da vida para entrar para a história como um dos mais polêmicos presidentes do Brasil. Há 60 anos, no dia 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas se suicidou com um tiro no coração em seu quarto no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. O episódio mudou o rumo do país e evitou o golpe militar arquitetado contra ele.

O tiro ressoou em toda a Nação. Para o historiador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Dennison de Oliveira, o episódio eternizou a mística de Vargas como "pai dos pobres" e defensor do Brasil. Antes do disparo fatal, a Presidência de Vargas era ameaçada pelos opositores.

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Em maio daquele ano, ele concedeu um aumento de 100% no salário mínimo. O jornalista e pesquisador Eduardo Bueno escreve que esse fato fez o "estopim da crise ser aceso". Não contente, o então presidente discursou aos trabalhadores. "Hoje vocês estão no governo. Amanhã serão governo". "Foi o que bastou: para a União Democrática Nacional (UDN – partido opositor a Vargas), para os conservadores e os militares, era preciso derrubar Vargas", escreveu Bueno. Faltava um pretexto que não tardaria a aparecer.

Pela culatra

O maior e mais ruidoso crítico ao presidente era o deputado e jornalista Carlos Lacerda, que figurava como o principal líder da oposição. Com apoio da mídia, Lacerda exigia a renúncia de Vargas e apelava às Forças Armadas para que elas restabelecessem a democracia e a ordem no Brasil.

Para quem frequentava o círculo getulista era preciso dar um jeito em Lacerda. Fiel a Vargas por três décadas, o chefe da guarda presidencial, Gregório Fortunado, conhecido como Anjo Negro, foi apontado como o responsável por tramar o assassinato de Lacerda. Há quem diga que o irmão de Vargas, Benjamin, seria o verdadeiro mandante – o que nunca ficou provado.

O tiro saiu pela culatra. No dia 5 de agosto, dois pistoleiros tentaram matar Lacerda na porta de sua casa na Rua Toneleros, em Copacabana. O resultado foi o pior possível para o governo que, segundo a imprensa, passou a se ver mergulhado em um "mar de lama". No atentado, morreu o major da Aeronáutica Rubem Vaz, que atuava como segurança do jornalista. Lacerda teria levado apenas um tiro no pé.

A Aeronáutica investigou o crime e provou que o plano fora arquitetado dentro do Palácio do Governo. Em 29 horas, os culpados foram presos. A punhalada pelas costas, como Vargas classificou o episódio, abalou moralmente o presidente perante a sociedade.

No dia 23, 30 generais lançaram o Manifesto à Nação, que era um ultimato para Vargas deixar o poder. Na mesma noite ele convocou uma reunião ministerial e avisou: "Só saio morto do Catete". Por volta das 4h30 do dia seguinte, um tiro ecoou pelo palácio. Getúlio deixou também uma carta-testamento que se transformaria num dos mais conhecidos documentos históricos brasileiros. Nela, Vargas fazia uma declaração nacionalista e de amor ao povo brasileiro.

Mãe dos ricos

O historiador Dennison de Oliveira, autor do livro Os soldados alemães de Vargas, afirma que uma das piadas mais conhecidas da época é que Vargas era o "pai dos pobres", mas a "mãe dos ricos". "Ou seja, essa anedota demonstra que o povo tinha conhecimento de que se havia ganhos dos trabalhadores na Era Vargas, muitíssimos maiores eram esses ganhos para os empresários." As políticas de Vargas beneficiaram a maioria dos setores empresariais. O acordo entre o presidente e as elites, até então predominantemente agrárias, é que a CLT não valia da porteira da fazenda para dentro. "Isso aliviou as tensões dentro da sua base de apoio, que englobava praticamente todos interesses econômicos dominantes no país à época, quando a maioria da população ainda morava no campo."

Golpe adiado?

Será que o suicídio de Getúlio teria adiado por dez anos o golpe militar no Brasil? Os pesquisadores se dividem em relação ao tema. Segundo Dennison de Oliveira, o que se sabe é que o golpe militar que se armava contra Vargas foi liquidado com o suicídio dele. "Incorre-se em raciocínio teleológico fazer qualquer relação entre esse evento e os de dez anos depois: impossível demonstrar essa relação", assegura. Renato Carneiro Junior, porém, acredita que com o tiro no peito Vargas conseguiu afastar temporariamente os militares do poder. "Com sua morte, ele afastou o golpe dos militares, apoiados por vários civis ligados à UDN e a interesses norte-americanos, por dez anos.

Trajetória

De chefe do governo a presidente eleito, Vargas ficou quase 20 anos no poder. Até hoje o “fantasma” de Vargas divide opiniões, seja por suas ações sociais ou por seu autoritarismo. Ele foi presidente do Brasil em dois períodos. O primeiro de 15 anos ininterruptos, entre 1930 e 1945, e que se dividiu em 3 fases: de 1930 a 1934, como chefe do Governo Provisório estabelecido pela Revolução de 30; de 1934 até 1937, como presidente da República do Governo Constitucional (tendo sido eleito presidente pela Assembleia Nacional Constituinte de 1934); e de 1937 a 1945, como presidente-ditador, enquanto durou o Estado Novo implantado após o golpe de Estado.

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Nesse período, os governadores e prefeitos eram nomeados pelo presidente da República. “Não podemos esquecer os anos do Estado Novo, em que a imagem de Vargas como ‘pai dos pobres’ foi trabalhada à exaustão pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), mas também do que seu governo significou desde o início, contrariando interesses dos grandes empresários paulistas e das oligarquias dos estados”, afirma o historiador Renato Carneiro. O DIP atuava como um órgão censor de jornais, rádios, peças de teatro e publicidade.

Durante o Estado Novo, em 1937, Vargas fechou o Congresso, prescreveu todos os partidos, outorgou uma Constituição e governou com poderes ditatoriais. Em 1945, foi derrubado pelos militares e em seu lugar assumiu o general Eurico Gaspar Dutra, como presidente eleito pelo voto popular.

No segundo período, em que foi eleito por voto direto, Getúlio governou o Brasil por três anos e meio: de 31 de janeiro de 1951 até 24 de agosto de 1954, quando se suicidou. Café Filho, vice de Vargas, assumiu a Presidência.

Pontos positivos e negativos da Era Vargas

Positivos

• Na área trabalhista, criou a Justiça do Trabalho (1930), o Ministério da Justiça e o salário mínimo (1940), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, a carteira profissional e as férias remuneradas.

• Na área estatal, criou a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Vale do Rio Doce (1942), a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945) e entidades como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1938. No último mandato, criou a Petrobras. “Ele criou a infraestrutura necessária ao desenvolvimento a partir da ação do Estado, na criação de companhias como a Petrobras, capitalizadas o suficiente para enfrentar a concorrência de grandes multinacionais”, ressalta Renato Carneiro.

Negativos

• O atrelamento dos sindicatos aos interesses de seu governo formou uma estrutura viciada. “A mesma política centralizadora levou a um culto à personalidade de Vargas, fazendo sobressair a necessidade popular de um tutor permanente, de um salvador da pátria”, salienta Carneiro. Dennison de Oliveira, por sua vez, ressalta que no que se refere aos direitos humanos Vargas conduziu a pior ditadura da história brasileira, “causando um número indeterminado de mortos e torturados que seguramente somam milhares de vítimas”.

• O autoritarismo, com a dissolução do Congresso e a censura à imprensa, marcou a Era Vargas. A entrada do Brasil na Segunda Guerra também é considerada um ponto negativo. Ao mesmo tempo em que “namorava” com os governos totalitários, Vargas não queria desagradar aos Estados Unidos, que queriam montar uma base no Nordeste e cobraram uma posição de Getúlio. Em troca, o governo norte-americano financiou a instalação da Siderúrgica de Volta Redonda.

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