O torniquete é composto por um tubo fino que é inserido em uma artéria. Ele então tam injetada água salgada para inflar um pequeno balão posicionado na ponta do tubo, assim, a aorta foi bloqueada e a circulação da pelve e pernas são foram cortadas. Acima do balão, o sangue flui normalmente para o cérebro, coração, pulmões e outros órgãos vitais| Foto: SAM HODGSON/NYT

Uma estudante de 18 anos e vários outros pedestres foram atropelados no ataque ocorrido na Times Square, mês passado. Ela teve hemorragia interna e as transfusões feitas não davam conta da perda de sangue. 

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Médicos e enfermeiros no Hospital NYC Health & Hospitals/Bellevue correram contra o tempo para salvar Jessica Williams, de Dunellen, Nova Jersey. Ela sofreu graves ferimentos nas pernas, abdômen e pelve. Seu pulso disparou para 150 batimentos por minuto e a pressão arterial caiu para 40/30. 

"Ela estava prestes a ter uma parada cardíaca", disse Dr. Marko Bukur, cirurgião de traumatologia. 

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Ele então utilizou um aparelho que ainda ninguém no hospital havia testado, exceto em sessões de treinamento com manequins. O dispositivo chegara ao hospital poucos dias antes. 

Chamado de cateter ER-REBOA, nasceu nos campos de batalha do Iraque e Afeganistão. A ideia partiu de dois médicos militares que viram soldados morrendo de hemorragia interna que não podiam ser estancadas em hospitais pouco equipados das zonas de guerra. 

A invenção, manufaturada pela Prytime Medical e liberada pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA), desde 2015 está sendo gradualmente adotada em centros de traumatologia de todos os Estados Unidos. Recentemente passou a ser utilizada pelos militares. Mas um treinamento rigoroso das equipes médicas é indispensável para usá-lo: se mal manuseado, pode ser perigoso. 

O Dr. Bukur perfurou a coxa de Jessica Williams, rosqueou um tubo fino na artéria femoral e o afrouxou quando atingiu 30 centímetros dentro da aorta, a principal artéria que leva sangue do coração para a maioria do corpo. Ele então injetou água salgada para inflar um pequeno balão posicionado na ponta do tubo, assim, a aorta foi bloqueada e a circulação da pelve e pernas de Jessica foram cortadas. Acima do balão, o sangue flui normalmente para o cérebro, coração, pulmões e outros órgãos vitais. 

Quase instantaneamente, a pressão da jovem subiu e seu coração desacelerou. O balão conseguiu parar a hemorragia no interior da pelve, quase como se fechasse uma torneira. 

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Ganhando tempo

REBOA significa, em inglês, oclusão de balão ressuscitador endovascular da aorta, mas alguns médicos o descrevem simplesmente como um "torniquete interno". 

A circulação pode ser cortada de forma segura apenas por um período – idealmente, não mais do que 30 minutos. O tempo passava e a falta de fluxo sanguíneo podia danificar gravemente as pernas de Jessica e seus órgãos internos. O balão deu o tempo necessário à equipe até que a fonte da perda de sangue fosse encontrada e obstruída. Caso os médicos não conseguissem encontrá-la, no momento em que o balão fosse esvaziado, Jessica voltaria ao estado inicial de risco devido à hemorragia. 

Em Nova York, o Dr. Sheldon H. Teperman, diretor de traumatologia e da UTI do NYC Health & Hospitals/Jacobi, e o Dr. Aksim G. Rivera, cirurgião vascular, estão ensinando o procedimento para cirurgiões da cidade em outros centros médicos da região. Os cirurgiões do Bellevue treinaram com eles. 

A equipe do Hospital Jacobi, liderada pelo cirurgião Edward Chao foi a primeira na cidade a usar o ER-REBOA, em fevereiro. Sua paciente, Nanetta Hall, 60, gerente de administração de recursos humanos da cidade, tinha sido atropelada por uma caminhonete. Como Jessica, ela quase morreu por conta de hemorragia interna, causada por lesões pélvicas. 

Insônia e amputação

Dr. Sheldon Teperman, diretor de trauma e cuidados críticos no NYC Health & Hospitals/Jacobi, e Dr. Edward Chao, cirurgião de fraturas, no Jacobi Medical Center, em Nova York, June, 2017.   
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"É um instrumento que salva vidas, mas tem que ser usado conscientemente, porque bloquear o fornecimento de sangue de metade do corpo é perigoso. Chego a ter insônia, preocupado que alguém o use de maneira incorreta", disse Chao. 

Vários pacientes no Japão tiveram suas pernas amputadas após o uso prolongado do aparelho inflado. 

Os médicos Todd E. Rasmussen e Jonathan L. Eliason tiveram a ideia do cateter ER-REBOA em 2006, enquanto alocados como cirurgiões no Iraque. Com a renovação dos torniquetes e das técnicas de transfusão, foi possível impedir que soldados sangrassem até a morte por conta de ferimentos nas pernas e braços. Mas não havia solução semelhante para a hemorragia no abdômen ou na pelve, chamada pelos médicos de "hemorragia não compressível". 

Os dois médicos, cirurgiões vasculares, começaram a desenvolver o novo dispositivo baseados em um cateter de balão mais antigo, projetado para prevenir hemorragias em pessoas que tinham que passar por cirurgia na aorta. 

O dispositivo mais antigo pode ser usado em vítimas de traumas, mas não é fácil. Ele é grande e complexo. Era para ser usado por cirurgiões vasculares. Raios-X eram necessários para guiá-los. O balão foi "projetado para ser usado em bons centros de cirurgia, com salas de cirurgia bem equipadas", disse Rasmussen, coronel da Força Aérea, coordenador adjunto de pesquisa e cirurgião assistente na Faculdade Militar de Medicina e do centro médico da Universidade Uniformed Services em Bethesda, Maryland

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"Nada traduz o desespero de um paciente que pode morrer em sete minutos" disse David Spencer, presidente da Prytime Medical.

Rasmussen e Eliason propuseram criar uma versão menor que poderia ser colocada rapidamente dentro da aorta, sem raios-x, por cirurgiões de traumatologia e, eventualmente, por cirurgiões gerais, médicos que estejam em plantão de emergência ou mesmo por médicos militares. 

Esses médicos costumam ser os primeiros a chegar às pessoas feridas. O primeiro momento após uma lesão é chamado pelos traumatologistas de "a hora de ouro": "é quando há a maior margem de resgate das vidas", Rasmussen disse. 

Em 2009, ele e Eliason fizeram um protótipo apelidado de "versão Home Depot". 

"Era um dispositivo complicado", disse Rasmussen. Mas foi suficiente para dar início aos testes no laboratório. Os resultados foram promissores, mas as grandes e tradicionais empresas de aparelhos médicos não mostraram nenhum interesse em desenvolvê-lo. 

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Salva-vidas

Depois de uma palestra que Rasmussen deu em 2009, na qual mencionou a falta de interesse comercial nas pesquisas médicas militares, Spencer, um empresário do ramo da tecnologia e empreendedor em San Antonio, ofereceu-se para iniciar uma empresa, desenvolver o dispositivo e colocá-lo no mercado. Spencer, que cresceu em meio militar, diz ter gostado da ideia de investir num aparelho desenvolvido a partir da própria necessidade militar e que pode salvar vidas civis.

Os cateteres ER-REBOA são usados apenas uma vez e então descartados, e custam cerca de US$2 mil. Ele é considerado relativamente barato se comparado a outros aparelhos utilizados em cirurgias vasculares. O "ER", do nome, representa os sobrenomes dos dois inventores, Eliason e Rasmussen. 

O Departamento de Defesa do Estado e a Universidade de Michigan têm a patente, disse Rasmussen. Ele mesmo não ganha dinheiro com isso. 

Pessoas com lesões pélvicas, como Jessica Williams e Naneta Hall, são candidatos ideais para o uso do REBOA, dizem os cirurgiões. Elas são notórias por causarem hemorragias fatais. Quando o corpo recebe uma pancada forte o bastante para quebrar a pelve, o impacto faz com que centenas de pequenas veias e artérias que sangram excessivamente se rompam. O sangramento na pelve pode ser difícil ou mesmo impossível de conter, porque a área muitas vezes não pode ser suficientemente comprimida. 

A hemorragia abdominal também pode ser estancada com o dispositivo, quando empurrado mais profundamente na aorta. 

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"Tenho quase certeza que o balão salvou a vida de Jessica", disse Bukur. Com a interrupção da circulação, ele foi capaz de envolver a área danificada com gazes, para impedir mais sangramento depois do esvaziamento do balão. Outro cirurgião removeu o baço da jovem, que foi rompido e também sangrava demais. 

Sem festa de formatura

Quase um mês depois, Williams e sua mãe, Elaine, ficaram chocadas ao saber que um tubo de plástico com um balão foi crucial para salvar sua vida. Ela está se recuperando em um dos hospitais de reabilitação da cidade. Será um trabalho de meses até que possa voltar a andar normalmente. Ela não tem memória de ser atingida pelo carro que matou uma mulher e feriu outras 22 pessoas, no último dia 18 de maio. 

"Eu fico um pouco feliz por não conseguir lembrar. Posso me concentrar em melhorar e viver um dia após o outro", afirma ela. 

Jessica perdeu sua festa de formatura do ensino médio, mas planeja assistir remotamente os colegas se graduando. 

Spencer disse que o dispositivo já foi usado mais de mil vezes. São 126 pacientes que sabidamente sobreviveram depois do seu uso. 

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"Somos conservadores na alegação que ele foi responsável por salvar alguém", disse ele. 

O dispositivo pode impedir que as vítimas de acidentes morram de hemorragia, mas podem existir ferimentos na cabeça ou algum outro dano aos órgãos que se tornam fatais. 

"O REBOA não é a segunda vinda do messias. Não vai milagrosamente salvar alguém que estava de moto e bateu em um carro a 120 km/h. Mas dá aos cirurgiões uma oportunidade que talvez não existisse antes", disse Spencer. 

Sem transfusão

Um caso na Universidade da Califórnia, no Davis Medical Center, envolveu uma mulher grávida com alto risco de morrer por hemorragia devido a uma anomalia da placenta. Como testemunha de Jeová, ela não podia aceitar transfusões de sangue. Utilizar o balão ajudou os médicos a realizar uma cesariana que salvou mãe e bebê. 

No curso de formação do REBOA, na semana passada, dado a cerca de 50 cirurgiões de traumatologia da região de Nova York, Teperman trouxe uma convidada surpresa: Nanetta Hall. Ferida em fevereiro, ela estava prestes a ser dispensada da reabilitação hospitalar. Com um andador, dirigiu-se lentamente até a frente do auditório para se dirigir aos médicos. Não fosse o REBOA, ela disse que provavelmente não teria sobrevivido. 

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Spencer, da Prytime, havia acabado de descrever a morte do soldado que levou os cirurgiões militares a criar o ER-REBOA. Gesticulando para Hall, ele disse, "Por causa da morte daquele homem é que esta senhora está viva." 

Dirigindo-se aos médicos, Hall então disse: "Por favor, levem isso a sério. Façam com que esse procedimento se espalhe. Ele é vital e deve ser ensinado".