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Fachada do prédio do Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília | TSTDivulgação
Fachada do prédio do Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília| Foto: TSTDivulgação

Desrespeito à reforma trabalhista, “criatividade ideológica” na aplicação das leis, penalização desproporcional aos patrões como se fossem sempre os “vilões” e “opressores” e orçamento caro com pouca produtividade. Esses têm sido as principais queixas levantadas por entidades, juristas e todos os que pedem o fim da Justiça do Trabalho (JT), há pelo menos 20 anos. 

confirmação do presidente Jair Bolsonaro de que sua equipe estaria estudando uma proposta para extinguir esse braço do Judiciário foi comemorada por uns e execrada por outros. 

No primeiro grupo estão entidades como a Confederação Nacional do Transporte, que reúne empresas com muitas pendências trabalhistas e que mais de uma vez tem recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para apontar o que julga de inconstitucional nas decisões. No segundo grupo, entre os defensores da Justiça do Trabalho, estão órgãos como a Anamatra, associação que reúne juízes trabalhistas, além de procuradores e outros profissionais do setor, e que em documentos chegou a afirmar que a reforma trabalhista iniciou no Brasil um “estado de exceção”, ou seja, como se a nova lei tivesse acabado com a democracia no país – o que não é verdade. 

A discussão sobre o fim da Justiça do Trabalho não é nova. Em 1997, o então senador Leonel Paiva apresentou uma proposta de mudança na Constituição, a Emenda Constitucional 43, prevendo a transferência de juízes e servidores da Justiça do Trabalho para a Justiça Federal. O objetivo, segundo o parlamentar, seria economizar, estimular acordos como acontecem nos países desenvolvidos e, sobretudo, acabar com o “juiz classista” que teria nascido com a estrutura de leis trabalhistas criadas por Getúlio Vargas. Esse magistrado estaria interessado em fazer justiça social à sua maneira, uma espécie de “Robin Hood” – que roubava dos ricos para dar aos pobres. O projeto acabou sendo arquivado. 

O tema voltou a ser discutido em 2004, durante a votação da Emenda Constitucional 45, que terminou ampliando as competências da Justiça do Trabalho. 

Em maio de 2018, em meio a uma rebelião de juízes que se negavam a colocar em prática a reforma trabalhista, o ex- presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, fez uma declaração polêmica. Segundo ele, caso os juízes se negassem a aplicar a reforma trabalhista, a Justiça do Trabalho poderia terminar. “Se esses magistrados continuarem se opondo à modernização das leis trabalhistas, eu temo pela Justiça do Trabalho. De hoje para amanhã podem acabar com a [instituição]”, disse. 

Os críticos à Justiça do Trabalho têm razão? 

O argumento mais forte contra a Justiça do Trabalho é o de que, com o passar dos anos, criou-se dentro dela um grupo de juízes, apoiados pelos procuradores dos Ministérios Públicos do Trabalho, desconfiado das empresas e interessado em favorecer os funcionários (e seus sindicatos), a qualquer custo. 

Esse amontoado complexo de operadores do Direito do Trabalho faria com que, muitas vezes, quem produz no país fosse penalizado injustamente em nome de uma visão equivocada sobre o melhor caminho para diminuir as desigualdades sociais. Essa postura inviabilizaria o desenvolvimento de muitas empresas no Brasil, prejudicando os próprios trabalhadores, pois colocaria sobre os ombros dos empresários fardos impossíveis de carregar, impedindo o empreendedorismo e, consequentemente, mais postos de trabalho. 

Um indício que provaria a existência desse cenário é um levantamento feito pelo Insper e divulgado no primeiro semestre de 2018. 

Com base em decisões de primeiro grau do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, o maior do tipo no país, que engloba a capital paulista e a Grande São Paulo, foi demonstrado que trabalhadores que ingressam com ações venceram suas causas parcial ou totalmente em 88,5% dos casos. No total, foram analisadas 130 mil decisões de 2006 a 2016. 

Ou seja, de acordo com os pesquisadores, a Justiça do Trabalho pode ser considerada previsível, sendo que na maioria dos casos a decisão penderá para os trabalhadores. “Não cabe falar em imprevisibilidade da Justiça do Trabalho”, insistiram os autores do estudo. 

Seria necessário fazer levantamentos similares nos outros tribunais do trabalho, e muitos acreditam que os resultados seriam equivalentes. Se fosse assim, de duas possibilidades uma: ou os patrões no Brasil estão acostumados a ferir as leis trabalhistas e se arriscar a serem condenados a pagar as altas multas impostas pela Justiça do Trabalho; ou a Justiça do Trabalho, de fato, tende a ser justiceira e penalizar patrões. Onde estaria a verdade? 

Difícil saber. Mas o que é certo é que muitos operadores da Justiça do Trabalho se resistem a reduzir o que há de protecionismo nas leis trabalhistas, mesmo que os próprios funcionários queiram mais liberdade para negociar com os patrões situações específicas. E o Ministério Público do Trabalho (MPT) seria uma das principais peças nessa engrenagem paternalista. 

Um bom exemplo disso é a ação civil pública do MPT do Rio Grande do Norte, ainda em tramitação, contra a Confecções Guararapes, dona da Riachuelo: os procuradores entenderam que as pequenas confecções do interior do Estado atuavam como se fossem filiais da Guararapes e, por isso, processaram a empresa, pedindo R$ 36 milhões por danos morais coletivos, pelo não pagamento de todas as obrigações trabalhistas, como se os donos e funcionários dessas pequenas empresas parceiras tivessem vínculo empregatício com a Guararapes. Muitos dos empreendedores dessas pequenas confecções se manifestaram contra o MPT, pois não desejavam o mesmo que os procuradores. Não queriam, por exemplo, vale-transporte (trabalhavam em suas casas) ou serem empregados, mas simplesmente abrir um negócio – estavam desempregados – e a parceria da Guararapes, que neste caso específico tinha o apoio e a consultoria do Sebrae e do governo do Estado. 

A Guararapes pode ter cometido ilícitos, que devem ser sanados, mas o caminho para resolvê-los seria inviabilizar totalmente o projeto com as confecções do interior do Rio Grande do Norte? “É muito fácil elogiar ou criticar sem conhecer a realidade do Rio Grande do Norte. Se uma costureira prefere trabalhar em casa e receber por isso, quem é o MPT para obrigá-la a colocar em risco o seu emprego por não receber o vale-transporte? Até que ponto o estado deve dizer o que é melhor para elas? Se essas pessoas perdem o emprego, como vão comprar pão? Remédios? O que o MPT vai fazer por essas pessoas? Dar o Bolsa Família?”, questionou um juiz do trabalho, crítico ao MPT, que não quis se identificar por medo de represálias de seus colegas, à Gazeta do Povo

Ao mesmo tempo, não se pode negar que muitas empresas abusam de seus empregados. Situações de escravidão ainda são identificadas no Brasil e noticiadas todos os dias, como a de empregados de uma carvoaria no interior do Paraná que trabalhavam de domingo a domingo sem receber salário

Por isso, pesquisadores como o professor Antônio Rodrigues de Freitas Jr., professor de Direito do Trabalho na USP, temem o fim da Justiça do Trabalho e o afrouxamento das leis trabalhistas. Para ele, dificilmente a dignidade do trabalhador seria protegida sem essas instituições. “Na verdade, quem teme as leis não são os empresários modernos, atualizados com a atual conjuntura econômica. São aqueles conservadores que se sentem ameaçados pelo direito à dignidade. Para esses, vale aquele propósito: a Justiça só vale quando é de acordo com meus interesses”, diz. 

Sindicato dos juízes 

Em outubro de 2017, semanas antes da entrada em vigor da reforma trabalhista, em 11 de novembro do mesmo ano, cerca de 600 juízes do trabalho e outros operadores dessa área do direito – entre os quais procuradores do MPT –, em evento na Anamatra, se reuniram e criaram um documento com 125 enunciados, que descreviam como deveria ser interpretada a reforma trabalhista. A recomendação era que os juízes não aplicassem vários itens da lei – aprovada pelo Congresso por mais de 600 parlamentares escolhidos pela população em eleições democráticas – porque as consideravam inconstitucional. 

É consenso no meio jurídico que o texto da lei 13.467/2017, a famosa reforma trabalhista, tem trechos que dão margem a controvérsias – tanto é assim que questionamentos ainda aguardam julgamento no STF. Os legisladores, para aprovar o documento às pressas, foram descuidados na redação da norma em muitos pontos. Mas, seja como for, em um Estado Democrático de Direito isso não seria motivo para não aplicar uma lei aprovada no Congresso – já que o Poder Judiciário apenas deve julgar e não criar normas. Ou, ao menos, os magistrados deveriam aguardar que as dúvidas fossem resolvidas nas instâncias adequadas. 

Para críticos à JT, essa rebelião contra a lei, tentando “fazer a justiça com as próprias mãos”, prejudica o país. 

“A Justiça do Trabalho no Brasil é notoriamente ideológica, no sentido de que seus juízes se veem como transformadores da realidade social. Seus juízes acreditam que sua função é domesticar os patrões, com punições, para que deixem de explorar os trabalhadores, que são explorados. O mecanismo é arbitrar judicialmente indenizações na forma de direitos concedidos aos trabalhadores para serem pagos pelos patrões”, diz Alexandre Sansone Pacheco, Professor da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas em São Paulo) e doutorando e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). 

Leia também: É legal fazer demissão coletiva sem sindicato. Por que juízes dizem que não?

Ainda segundo o especialista, a Justiça do Trabalho alimenta o conflito entre empregados e patrões. “Esse modo marxista de ver as relações de trabalho despreza a livre iniciativa e o direito de propriedade, além de infantilizar os trabalhadores, que passam a ver os patrões como seus exploradores, ao invés de valorizarem a cooperação que há entre eles. Não é exagero dizer que a Justiça do Trabalho alimenta um sentimento antiempresarial no Brasil”, acredita. 

Como seria o “fim” da Justiça do Trabalho 

São vários os caminhos possíveis para transformar a estrutura que hoje julga as ações trabalhistas no Brasil. Além da sugestão dada pelo senador Paiva, em 1997, de incorporar a Justiça do Trabalho à Justiça Federal, há quem sugira uma transferência dos servidores para a Justiça Estadual. 

“Minha resistência ao TST, mais que por causa de suas decisões muitas vezes estapafúrdias, reporta-se à sua desnecessidade. Em um país com a extensão territorial do Brasil, com as diferenças políticas, econômicas e culturais entre suas regiões, ainda mais num sistema federativo, não é razoável que as leis trabalhistas sejam interpretadas do mesmo modo país afora, nas metrópoles e nos seus rincões”, Rodrigo Dias da Fonseca, Professor e coordenador da pós-graduação em Ciências e Legislação do Trabalho do IPOG (Instituto de Pós-Graduação e Graduação) e juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Itumbiara. 

De qualquer forma, para ele, a junção com a Justiça Federal poderia trazer economia aos cofres públicos. 

“Tal medida, se bem executada, inclusive pode gerar economia de escala, menos desperdícios de recursos e maior racionalidade administrativa”, diz Rodrigo Dias da Fonseca e Professor e coordenador da pós-graduação em Ciências e Legislação do Trabalho do IPOG (Instituto de Pós-Graduação e Graduação). 

No entanto, de acordo com Fonseca, a junção das duas Justiças não diminuiria o número de ações. “A fusão da Justiça do Trabalho e Justiça Federal naturalmente não impedirá a existência de conflitos trabalhistas, ligada a rigor ao excessivo detalhamento e intromissão do Estado nas relações privadas de trabalho, bem como ao atávico descumprimento da lei, à conduta desleal de se buscar vantagens indevidas em juízo”. 

“Se essas ações serão apreciadas e julgadas pela Justiça do Trabalho, ou por um juiz do Trabalho convertido em juiz federal, pouco importa: provavelmente as críticas e queixas permanecerão as mesmas, pois dificilmente o teor do julgamento será alterado substancialmente”, completa. 

Futuro 

Na prática, não é tão fácil acabar rapidamente com a Justiça do Trabalho, explica Sólon Cunha, professor da FGV e membro do Conselho Superior de Relações do Trabalho da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). 

Mesmo que a mudança política permita voltar a discutir o tema – algo inimaginável em governos de esquerda no Brasil – e, realmente, a Justiça trabalhista esteja atravessando um período especial de críticas, qualquer decisão movimentará estruturas complexas, com juízes que não alterariam suas práticas de um dia para outro. “A estrutura, orçamento e volume de processos desautorizam uma decisão precipitada sobre o tema”, afirma. 

Por outro lado, Sólon Cunha lembra que a reforma trabalhista causou uma diminuição significativa no número de ações trabalhistas e, caso essa realidade se mantiver constante, a Justiça do Trabalho terá de ser reestruturada naturalmente. 

“Ainda não sabemos se essa tendência vai perdurar [de redução de ações trabalhista]. Se continuar a redução, a composição do Judiciário Trabalhista deverá passar por uma reestruturação”, afirma. 

O juiz Marlos Melek, um dos autores da reforma trabalhista, também vê com bons olhos a junção das duas justiças, mas não o fim de uma justiça especializada. “Gostaria de ver a proposta final antes, mas em tese, com [a junção das duas Justiças] poderíamos racionalizar o sistema, os custos, os processos. Por exemplo, mesmo em uma cidade pequena encontramos um prédio para a Justiça Estadual, um para a Justiça Federal, um para Justiça Trabalhista, outro para a Militar. Não há necessidade desses gastos públicos”, diz. “Mas vejo com um pouco de preocupação o fim de uma Justiça especializada. É algo ainda muito prematuro. É um processo que leva décadas até a sociedade atingir esse nível de patamar civilizatório”. 

Para Sólon Cunha, o ideal, no futuro, seria estimular mecanismos alternativos de solução de conflitos na área trabalhista – como a mediação e a arbitragem –, como ocorre em muitos países desenvolvidos. Isso traria economia, flexibilidade e justiça também aos empregados, caso os contratos não fossem honrados pelos empregadores. 

A Justiça do Trabalho, de acordo com a última edição do relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, teve um gasto de R$ 18,2 bilhões dos cofres públicos em 2017, 20,1% dos gastos totais do Poder Judiciário, e arrecadou, no mesmo período, R$ 3,7 bilhões (7,6% do total do Poder Judiciário). Emprega 3,7 mil juízes (20,1% do total de magistrados brasileiros), 40 mil servidores (15% do total no Poder Judiciário) e 12 mil auxiliares.

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