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O ministro participou do XIII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, em Curitiba | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
O ministro participou do XIII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, em Curitiba| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

O ministro Luís Roberto Barroso está otimista em relação ao futuro do Brasil. Em uma perspectiva histórica, ele apontou diversos avanços que o país obteve ao longo dos últimos 30 anos no campo dos direitos fundamentais. E isso, segundo ele, graças à Constituição de 1988, que comemora o aniversário de promulgação no próximo dia 5 de outubro. 

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Apesar de lamentar a corrupção endêmica e um sistema político-eleitoral falho, em que o voto do eleitor não vai necessariamente para quem ele quer eleger, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) acredita que estamos no caminho certo e que a sociedade brasileira, agora desperta, precisa ser resiliente para atravessar esse momento difícil de transição de um país velho para um país novo.

Barroso participou nesta quinta-feira (31) da conferência “Democracia e Liberdade”, durante o XIII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, promovido pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. O evento ocorre até sábado (2) no Teatro Guaíra, em Curitiba. “Devemos olhar sempre de uma maneira positiva todas as situações. Os países passam por aquilo que precisam passar para evoluírem e se aprimorarem”, afirmou o ministro.

Segundo ele, a Constituição de 1988 fez uma transição bem-sucedida de um regime autoritário, intolerante e, por vezes violento, para um Estado constitucional de direito. E isso permitiu ao país alcançar inúmeras conquistas, apesar de haver muito ainda a avançar.

A primeira conquista, de acordo com Barroso, foi a estabilidade institucional. “Tivemos diversos escândalos como o dos anões do orçamento, mensalão, petrolão, dois impeachments de presidentes e, mesmo assim, não houve tentativas de golpe que promovesse uma ruptura da legalidade. Apesar de ter tido um impeachment altamente controvertido, mas que eu não vou abordar aqui”, despistou.

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Em comparativo, o magistrado se lembrou de uma dezena de tentativas de golpe de Estado em épocas anteriores à Constituição de 88, como a Revolução Constitucionalista de 1932, a Intentona Comunista de 1935, o Golpe do Estado Novo de 1937, a destituição de Getúlio Vargas em 1945, as duas tentativas de golpe contra Juscelino Kubitschek na década de 50, o veto dos ministros militares à posse de João Goulart em 64, o Golpe Militar de 1964, a prorrogação do mandato de Castelo Branco e o cancelamento das eleições de 1965. “E ainda tivemos o Ato Institucional N°5”, acrescentou.

A segunda conquista foi a estabilidade monetária, conforme lembrou o ministro. “Quem tem mais de 40 anos sabe dos horrores da hiperinflação, que penaliza, sobretudo, as pessoas mais pobres, que não podem se proteger no mercado financeiro.”

Outra conquista foi a inclusão social de 30 e 40 milhões de pessoas, que deixaram a linha da pobreza extrema ao longo das últimas três décadas. “O índice de desenvolvimento humano do Brasil foi nesse período foi o que mais cresceu na América Latina, com aumento importante na escolarização e na expectativa de vida”, frisou o ministro.

Direitos fundamentais

Barroso realçou como o Brasil evolui no respeito aos direitos fundamentais de seus cidadãos e ressaltou que, embora esta não seja a Constituição ideal, ela é a Constituição que nos conduziu bem até aqui.

“Sou totalmente contrário em se jogar na lata do lixo o capital político que ela representa e convocar uma nova assembleia constituinte nesses tempos de polarização. Penso que correremos um monstruoso risco de retrocesso”, afirmou. 

Na visão do ministro, os avanços nos direitos sociais foram bem visíveis, como na educação – com expansão significativa da educação infantil, universalização do ensino fundamental e agora em um processo de universalização do ensino médio. “É claro que a qualidade ainda é um questão a ser melhorada, mas não dá para negar os avanços”, ponderou. E nesse campo há outros três desafios pela frente, segundo Barroso: a universalização do acesso de crianças à escola na primeira idade (até 3 anos), avanço na alfabetização das crianças na idade correta e, por fim, combate à evasão do ensino médio.

No campo da saúde, outra conquista importante para o ministro foi o Sistema Único de Saúde (SUS), “um dos maiores programas de saúde pública do mundo, que atende 160 milhões de pessoas que antes eram consideradas indigentes da saúde”. Ele destacou ainda os amplos programas de vacinação do governo e de assistência farmacêutica, com mais de mil medicamentos disponíveis para distribuição gratuita. Mas ainda há entraves, segundo Barroso, como o custeio de medicamentos de alto valor e melhorar o atendimento de saúde para as minorias.

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A propósito, Luís Roberto Barroso destacou os avanços no respeito aos direitos das minorias, com ações afirmativas em favor de negros, índios e da população LGBT. “Hoje estamos a caminho de criar uma sociedade verdadeiramente igualitária”, disse.

E apesar do progresso em se tratando da participação e ascensão feminina no universo político e social, a violência doméstica ainda é um problema que precisa – e está sendo – enfrentado, segundo o ministro. Mas ele observou que hoje há uma maior independência da mulher em relação ao homem, ao ingresso dela no mercado de trabalho e à liberdade sexual, entre outras conquistas dos últimos 30 anos.

Críticas

Apesar de termos uma das maiores democracias do mundo e o melhor sistema de apuração eleitoral, através do voto eletrônico, Barroso criticou o sistema de eleição de voto proporcional em lista aberta.

“O eleitor vota em quem ele quer – essa é a parte boa. Mas a parte ruim é que ele elege também quem ele não sabe, porque o voto vai para o partido. Só 10% dos candidatos se elegem pelo voto direto e 90% se elegem com a transferência partidária do voto. Portanto, o eleitor não sabe em quem votou, e também depois não tem como cobrar do político. Por isso eu defendo o voto distrital misto, em que o eleitor tem dois votos: um no distrito e outro no partido. O sistema precisa ainda baratear o custo das eleições, aumentar a representatividade democrática e facilitar a governabilidade”, afirmou o ministro. 

Outro problema que precisamos enfrentar é a corrupção sistêmica. “A corrupção no Brasil não é produto de falhas individuais. É um produto de um plano de desvio sistemático de dinheiro, que envolve agentes públicos, privados, empresas estatais, empresas privadas, partidos políticos, membros do Congresso, membros do Executivo. Uma elite extrativista que tomou conta do país e passou a desviar dinheiro para o seu próprio benefício”, criticou. 

Os esquemas de caixa dois revelados por esquemas como o mensalão e o petrolão são o modo como a corrupção se organizou dentro do Estado brasileiro, segundo Barroso. “Vivemos nesse momento uma imensa reação do pacto oligárquico, que não deseja essa transformação. Esse é o modo naturalizado de se fazer política e de se fazer negócios no Brasil, saqueando o dinheiro do povo brasileiro. O problema não é para onde vai, o problema é de onde o dinheiro vem”.

Segundo o ministro, vivemos um momento de enfrentamento dessa situação, mas que não é fácil porque a corrupção vem de toda a parte e tem aliados em todo lugar. “Os parceiros da corrupção no Brasil fazem um discurso libertário, mas na verdade eles fazem um discurso de um país velho. Por isso é preciso que a sociedade brasileira continue mobilizada para empurrar essa estrutura para a margem da história. Sou solidário aos juízes que corajosamente enfrentam essa velha ordem, e sou solidário com eles quando são desautorizados pelos tribunais superiores insensíveis ao momento histórico e ao princípio do tempo”, disse.

Orgulho

Nesse sentido, o magistrado entende que, ao mesmo passo que sentimos vergonha por causa da corrupção no país devemos sentir orgulho, porque poucos países tiveram coragem de enfrentar um problema tão antigo e profundo. Ele disse ainda que a sociedade brasileira está mais consciente sobre isso e que deixou de aceitar a corrupção com algo natural, o que deve gerar uma transformação, mesmo que lenta.

“Temos que deixar de ser o país que se atrasou na história e ser o país que se encontra com o seu destino. Não há batalhas invencíveis quando a gente escolhe os valores certos e está do lado certo da história”, sentenciou o magistrado. 

Além de Luís Roberto Barroso, participaram da conferência o juiz federal Jairo Schäfer, diretor do Foro da Seção Judiciária de Santa Catarina, que palestrou sobre direitos fundamentais prestacionais no contexto de crise das instituições democráticas, e o professor e fundador da ABDConst Flávio Pansieri, que falou sobre liberdade no Estado de ideias totalitárias.

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