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Estamos diante da geração de juristas que revolucionará o modo como pensamos e aplicamos o direito. Os nascidos depois dos anos 2000 hoje estão com 18 anos, mas seus antecessores, a partir da segunda metade dos anos 1990, também foram criados num universo dominado pela tecnologia, com baixa durabilidade de produtos e alto nível de intensidade informativa. Desde sempre, superexpostos a volumes elevados de informação dinâmica.

Isto é, os mais jovens daqueles que hoje compõem a magistratura, Ministério Público e advocacia são pessoas cujas relações são majoritariamente virtuais, em ambientes urbanizados (ou que pretendem reproduzir o urbano). Quando crianças, não ganharam brinquedos que durariam para sempre, mas baixaram programas de computador até o próximo instante. Fazem amigos pela internet e por meio dela obtêm informações que mais se aproximam da “sua” verdade. Desconfiam, portanto, de notícias vindas de jornais – impressos, virtuais ou televisivos – e dos mais velhos. Focam-se em redes autossustentadas de mensagens compartilhadas. Para os mais novos, Facebook é “coisa de velho” (o que me faz sentir ainda mais paleolítico, eis que sou unfaced). Os telefones não se prestam à voz, mas transmissão de dados (os quais, inclusive, podem instalar diálogos monológicos: eu mando a mensagem de voz; você ouve e responde...). A inserção social depende da exposição em mídias eletrônicas e as relações de poder se conformam a essa lógica.

Se, para muitos de nós os processos eletrônicos ainda são novidade estranha, para os futuros juristas, eles já estão ultrapassados. As audiências de conciliação por meio de chats e as intimações por WhatsApp nasceram marcadas pela efemeridade. Mais: os contratos e processos, tal como os jovens de hoje, não serão estruturados em relações bilaterais, porém multipolares (com o escopo de criar várias soluções, nem sempre duráveis, para o futuro). Tarefas múltiplas para cérebros que ainda não se adaptaram a cogitações plurais e simultâneas.

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Assim, não será estranho várias audiências ao mesmo tempo – presenciais e virtuais. Tampouco será esquisito se o advogado se opuser ao promotor, na frente do juiz, usando “prova” estampada em seu celular, recém-advinda de fonte informal – quem sabe o Instagram ou o WhatsApp. Prova essa que pode desaparecer em segundos...

Nesse universo de informações e tal como os médicos, os advogados experimentarão os clientes-Google: donos da verdade absoluta antes mesmo da primeira consulta (chegam com a solução e o que precisa ser feito). Por outro lado, as comunicações precisarão ser cada vez mais curtas (partes, juízes e promotores nem só não disporão de tempo, tampouco estarão treinados a leituras longas). São experiências vitais que alteram não só a superfície, mas sobretudo a substância do debate judicial. Quem sabe petições em bullet-points, sem análise. Quem sabe decisões com fundamentação diferente da que hoje conhecemos? Palavras ou imagens? Emojis?

Mais ainda e se pensarmos bem, onde estará a prova? Qual será a sua fonte? Qualquer lugar, menos nos autos – reais ou virtuais – do processo. Há tempos atrás, escrevi nesta Gazeta sobre aquilo que chamei de Wiki-justice e motivação-Google, apontando que não são poucas as petições e decisões que se reportam à Wikipédia e ao Google. As razões de pedir, fundamentar e decidir passam a decorrer daquilo que foi achado na rede virtual – em pesquisa não submetida ao contraditório e ao devido processo. Direito à saúde (medicamentos e tratamentos); direito ambiental; direito de família; crime e até ações de controle de constitucionalidade reportam-se a tais fontes. Fico aqui a imaginar o que está por vir.

Porém, o que mais me aflige é o que será feito da segurança jurídica diante de mundo tão precário. Como será controlada a independência dos juízes – e a dependência do processo. Qual será a ordem de prioridades: aquela do pedido, provas e ordem cronológica – ou a definida pelo maravilhoso mundo virtual? Mas, notem bem: o cenário não é de guerra, mas de tratados de paz dinâmicos, com sucessões e substituições às quais precisamos nos adaptar.

Claro que todos esses desafios podem ser angustiantes, mas fiquemos tranquilos: os Millennials já ficaram velhos e estão sendo sucedidos pelos Centennials...

* Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito e professor da Faculdade de Direito da UFPR

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