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| Foto: PRPR / Fotos Públicas

Enquanto acompanhamos a extrema dor e sofrimento causados pelo impacto do desmoronamento a barragem da Companhia Vale do Rio Doce na Mina do Feijão, em Brumadinho (MG), ficamos chocados pelo elevado número de vítimas que provavelmente não tiveram nenhuma capacidade de reação ao súbito deslizamento de lama. Acompanhamos ainda o esforço heroico das várias equipes de salvamento, que conseguiram resgatar muitas pessoas, ainda que haja centenas de vidas perdidas. 

Em meio a discussões sobre punição dos culpados, extensão das penalidades civis e criminais, assim como afastamento da diretoria da empresa, não podemos deixar de olhar para essa catástrofe pela perspectiva de gerenciamento de risco, para analisar em detalhe como processos de gestão de risco poderiam ter contribuído para evitar o problema ou mesmo limitar os impactos verificados. 

Um dos conceitos que temos que abordar é a noção de que não existe empreendimento isento de risco, ou seja, sempre existirá nível de risco inerente à atividade para cada tipo de empresa. Esses riscos podem ser reduzidos por meio da implementação de controles apropriados e eficazes, ou assumidos - ou seja, pode-se escolher como estratégia conviver com tais riscos. O processo de gerenciamento de risco consiste em exatamente identificar, mensurar, monitorar e controlar os riscos inerentes associados a atividade empresarial desenvolvida. 

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No caso da atividade de mineração, agora mais do que nunca, desnecessário seria mencionar que se trata de atividade de considerável complexidade técnica, pois empreendimentos de mineração possuem alto potencial de dano ambiental, não raramente com substancial risco de perda de vidas humanas. Especialistas em gestão de risco trabalham com modelos de probabilidade que normalmente são bastante eficazes na estimativa de ocorrência de eventos. Se havia qualquer dúvida sobre a probabilidade e impacto do rompimento de uma barragem, a história fornece dados valiosos para aprimorar a análise de exposição a riscos e avaliar a necessidade de controles preventivos e monitoração mais eficazes. Nesses casos, engenheiros e demais especialistas técnicos devem contribuir para que todas as hipóteses sejam consideradas no escopo dos trabalhos. 

A empresa, obviamente, possuía mapeamento de riscos que contemplava acidentes dessa natureza, e até contratou consultoria para fazer uma avaliação do estado da barragem. O processo de gestão de risco determina que nesses casos seja feita detalhada análise das causas-raiz para imediatamente fortalecer os controles existentes e prevenir ocorrências futuras. A empresa ainda deverá, obrigatoriamente, informar o que de fato aconteceu, quais foram as falhas nas estimativas, monitoração e análises efetuadas que levaram a considerar a probabilidade de rompimento da barragem de maneira totalmente equivocada. 

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Empresas possuem responsabilidade com todos os seus stakeholders, sejam eles funcionários, reguladores ou acionistas. Em relação ao impacto ambiental, a responsabilidade é em relação à toda a sociedade, que certamente sofrerá os impactos da grande degradação do ecossistema. 

Como resultado até aqui, famílias foram duramente impactadas pela morte de trabalhadores. O ecossistema levará décadas para se recuperar da poluição causada. Os investidores, que sempre buscam previsibilidade de retorno financeiro para seu capital, se sentem prejudicados pela omissão da informação de que a empresa trabalhava níveis de risco mais elevados que os anunciados, e provavelmente buscarão reparação na Justiça. Passado o impacto e horror das imagens de destruição, deve-se refletir profundamente sobre a governança corporativa e modelo empresarial de exploração de minério, com gestão de riscos incompatível e provavelmente pouco integrada com a atividade-fim da empresa. 

Aphonso Mel Rocha é consultor nas áreas de compliance, governança, riscos financeiros e gerenciamento de riscos. Foi head de compliance nos bancos HSBC, Bradesco e BNP Paribas

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