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Michael J. New, pesquisador do Instituto Charlotte Loizier, é mestre em estatística e doutor em ciência política pela Universidade de Standford | Acervo Pessoal 
Michael J. New, pesquisador do Instituto Charlotte Loizier, é mestre em estatística e doutor em ciência política pela Universidade de Standford| Foto: Acervo Pessoal 

Na próxima sexta-feira (3), o Supremo Tribunal Federal (STF) dá início às audiências públicas para discutir a legalização irrestrita do aborto até a 12ª semana de gestação no Brasil. As audiências são parte do processo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, movida pelo Psol, com apoio do Instituto Anis. Entre os muitos temas que devem ser discutidos, está a relação entre a legalização do aborto e o número de abortos em um país, que costuma gerar uma guerra de dados entre grupos contrários e favoráveis à legalização. 

Esse tema foi objeto de um relatório do Instituto Charlotte Loizier, um centro de pesquisas e políticas públicas pró-vida sediado nos Estados Unidos. Publicado em maio deste ano, o estudo é assinado por Michael J. New, pesquisador do Instituto, mestre em estatística e doutor em ciência política pela Universidade de Standford e pós-doutor pelo Centro de Dados do MIT. A reportagem conversou com Michael New por e-mail sobre o que os melhores estudos estatísticos e econométricos podem dizer sobre a relação entre o status jurídico do aborto e as taxas de aborto em um determinado país. 

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No estudo, New analisa os problemas com os relatórios que costumam ser citados para comprovar que mudanças legais não afetam a taxa de aborto, como os relatórios do Instituto Guttmacher. “Em nenhum desses estudos os autores tentam controlar as taxas de pobreza, de crescimento econômico, as transições demográficas ou quaisquer outros fatores compensadores que podem afetar a incidência de abortos”, escreve New no relatório. Os melhores estudos, na visão do pesquisador, mostram, ao contrário, que a taxa de abortos em um determinado país é afetada pela legislação.

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New enfatiza ainda que há duas razões para grupos pró-aborto tenderem a exagerar as estimativas do número de abortos clandestinos realizados em um país. “Primeiro, muitos desses grupos apoiam programas de contracepção e querem usar as estimativas de um alto número de abortos para fazer lobby por mais financiamento para esses programas de contracepção. Segundo, esses grupos citam estimativas de altas taxas de aborto como evidência de que muitos abortos estão sendo feitos em condições precárias. Assim, eles argumentam que legalizar o aborto melhoraria as condições de saúde para as mulheres”, disse à reportagem.

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Confira a íntegra da entrevista abaixo:

Gazeta do Povo: No Brasil, quem é favorável à legalização do aborto costuma dizer que, independentemente da lei, quem quiser fazer um aborto fará. Há evidências para sustentar essa afirmação? 

Michael J. New: É verdade que alguns abortos vão acontecer independentemente de ser legalmente permitido ou não. No entanto, há um bom número de pesquisas que mostram que a incidência de abortos responde a seu status jurídico. O melhor estudo saiu no The Journal of Law and Economics, em 2004. Ele buscou compreender como as mudanças nas políticas referentes ao aborto no Leste Europeu, depois da queda do comunismo, afetaram as taxas de aborto. Alguns países, como a Polônia, instituíram proteções aos seres humanos não nascidos. Outros, como a Romênia, legalizaram o aborto.

O estudo concluiu que, onde o aborto é permitido apenas para salvar a vida da mãe ou por razões médicas específicas, as taxas de aborto correspondem apenas a 5% do nível daquelas de onde o aborto sob demanda é legalizado. Além disso, os resultados apontam que mesmo pequenas restrições ao aborto têm impacto [nas taxas]. Os países onde o aborto é legal apenas por razões médicas ou sociais têm uma taxa de abortos 25% menor do que os países onde o aborto está disponível sob demanda. 

Mas são muito citados, pelos que defendem a legalização do aborto, os relatórios do Instituto Guttmacher, que mostram que as taxas de aborto estão caindo nos países que legalizaram o procedimento, mas não naqueles que mantêm a proibição. 

O estudo de 2018 do Instituto Guttmacher é problemático. A maioria dos países onde o aborto é ilegal são países em desenvolvimento, localizados na África, na Ásia, na América do Sul e no Oriente Médio. Esses países, em geral, têm altas taxas de pobreza. A taxa de abortos nesses países não deveria ser comparada à taxa de abortos de democracias industrializadas. 

Outra experiência frequentemente lembrada no Brasil é a de Portugal. De acordo com os dados oficiais após a legalização, a taxa de abortos subiu nos primeiros anos após a legalização e depois caiu. O que aconteceu em Portugal? 

Portugal tornou suas leis a respeito do aborto mais permissivas em 2007. Entre 2006 e 2008 (o primeiro ano completo de aborto legalizado), o número de abortos foi de 1.215 para 18.160. Os números continuaram a subir e chegaram a 20.480 em 2011. Desde então, o número de abortos tem caído. O dado mais recente indica que 15.959 abortos foram feitos em 2016. De todo modo, as tendências em Portugal parecerem similares às tendências em outros países que legalizaram o aborto. As taxas de aborto sobem drasticamente nos primeiros cinco anos depois da legalização e, depois, caem lentamente, mas, em geral, nunca caem para os níveis pré-legalização. 

Afinal, de que maneira a lei tem impacto nas taxas de aborto?

O estudo do Journal of Law and Economics é o melhor estudo sobre o modo como o status legal do aborto tem impacto sobre as taxas de aborto. Mas há outras pesquisas que mostram que leis com orientação pró-vida reduzem as taxas de aborto. Por exemplo, há um bom número de pesquisas (cerca de 17 estudos) que mostram que, quando o aborto é pago com dinheiro do contribuinte, ou seja, subsidiado, as taxas de aborto sobem. Mesmo os grupos pró-aborto admitem isso. 

Em 2010, o Centro de Direitos Reprodutivos nos Estados Unidos divulgou uma análise da Emenda Hyde (que limita a competência do governo federal dos Estados Unidos de fazer repasses para a realização de abortos por meio do Programa Medicaid). Eles afirmaram que a Emenda Hyde impediu um milhão de abortos desde 1976. Minha própria análise (publicada em 2016) mostra que a Emenda Hyde impediu até dois milhões de abortos. 

Nos países onde o aborto é ilegal, não há dados oficiais sobre as taxas de aborto, o que cria a possibilidade de estimativas exageradas ou de subnotificação. Qual é o método mais preciso para estimar as taxas de aborto nos países onde a prática é ilegal? 

Eu não tenho certeza sobre a melhor maneira de estimar as taxas de aborto nos países onde há restrições legais. Tendo dito isso, os grupos que defendem o aborto legalizado têm, claramente, incentivos para exagerar o número de abortos que ocorrem nesses países. Isso acontece por duas razões. Primeiro, muitos desses grupos apoiam programas de contracepção e querem usar as estimativas de um alto número de abortos para fazer lobby por mais financiamento para esses programas de contracepção. Segundo, esses grupos citam estimativas de altas taxas de aborto como evidência de que muitos abortos estão sendo feitos em condições precárias. Assim, eles argumentam que legalizar o aborto melhoraria as condições de saúde para as mulheres [leia mais sobre alternativas para a saúde das mulheres que não envolver legalizar o aborto]. 

De qualquer modo, independentemente do número exato, é fato que algumas mulheres fazem abortos. Quais são as ações e políticas públicas pró-vida mais efetivas para evitar abortos e ajudar as mulheres que precisam de ajuda? 

No tocante às questões incrementais, a política mais efetiva é acabar com os subsídios para o aborto. Se os abortos não são subsidiados pelo governo, o número de procedimentos cai. De modo mais geral, as pessoas que defendem a vida precisam fazer muitas coisas para derrubar as taxas de abortos. Primeiro, aprovar leis protetivas. Segundo, influenciar a opinião pública a ser mais pró-vida. Terceiro, financiar centros de apoio a mulheres grávidas. A redução de 50% na taxa de abortos nos Estados Unidos, desde 1980, deve-se, em grande medida, ao fato de as pessoas que defendem a vida terem seguido essas estratégias.

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