Assim que chega novembro, começa a expectativa em torno da Black Friday, tradição que nasceu nos Estados Unidos e que a cada ano ganha mais força no Brasil. Em 2018, o mega saldão está programado para o dia 23, mas é possível encontrar ofertas que duram todo o mês. Apesar das promoções tentadoras, os clientes devem estar muito atentos às condições da compra antes de levar o tão sonhado produto para casa. Nesse sentido, o Justiça preparou um guia para deixar os consumidores cientes não apenas de seus direitos, mas também de seus deveres, para que a Black Friday não termine com gosto amargo.
Metade do dobro
Uma queixa constante dos consumidores sobre a data é que, durante o período, muitas lojas aumentam o preço original dos produtos para poder dar desconto. É o velho chavão da “metade do dobro” ou da “Black Fraude”. Para evitar cair em armadilhas, a primeira dica de Luciana Pedroso Xavier, advogada e professora de Direito do Consumidor, é: pesquise!
“O consumidor não deve se empolgar demais com a Black Friday para não comprar coisas de que não precisa. Pesquise com antecedência para fazer um negócio, pesquise para monitorar o preço”, afirma a professora. Caso seja verificada a maquiagem de preços, cabe fazer denúncia ao Procon e, obviamente, evitar fazer compras em estabelecimentos que pratiquem tal ilegalidade.
Na internet, sites como Zoom e Buscapé oferecem ferramentas que permitem a comparação dos preços por período. O Procon de São Paulo também mantém uma lista com sites que tiveram reclamações de consumidores registradas no órgão, foram notificados e não deram resposta ou não foram encontrados.
Comprei e não gostei
E se o consumidor encomendar um produto pela internet e, ao recebê-lo, perceber que não era o que se esperava, é possível trocá-lo ou pedir o dinheiro de volta, ainda que não possua nenhuma avaria? Luciana explica que não existe um direito subjetivo à troca para todas as compras, a não ser que a mercadoria apresente um dano – vício ou defeito – ou que a loja garanta essa possibilidade de forma clara, informando prazos e meios para a troca.
Importante, aqui, fazer uma diferenciação entre vício e defeito. O vício é verificado quando o produto não apresenta a qualidade ou quantidade esperada a partir das informações contidas em manual, na embalagem, na publicidade, etc. O defeito, por sua vez, não precisa ser constatado, necessariamente, de pronto, e causa ao consumidor graves danos de ordem material e moral. O que no jargão popular muitas vezes é classificado como “defeito”, na verdade é um vício.
Voltando à possibilidade de troca de produtos que não estejam estragados, o que a lei garante é o direito ao arrependimento, previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e que pode ser exercido no prazo de sete dias a contar do recebimento do produto – e não da realização da compra. Segundo a advogada, fica a critério do cliente escolher outro produto ou pedir o dinheiro de volta.
Produtos com avarias
Já nos casos de produtos estragados, mesmo que adquiridos durante um período de promoção, o fornecedor tem o dever de sanar o vício, substituir o produto por outro em perfeitas condições de uso, restituir a quantia paga ou realizar o abatimento proporcional do preço, nos termos do artigo 18 do CDC.
O prazo previsto em lei para reclamar a respeito dos vícios aparentes ou de fácil constatação é de 30 dias para produtos ou serviços não duráveis – como alimentos – e de 90 para mercadorias duráveis – como eletrodomésticos. A contagem se inicia a partir da entrega efetiva do produto. Caso seja necessário fazer prova do vício, o recomendado é que ela se dê por fotos ou vídeos, mas relato testemunhal também pode ser utilizado.
Deve-se salientar, no entanto, que não há problema algum no fato de as lojas venderem produtos com avarias, como nos casos de queima de estoque, desde que sejam observadas duas condições: o consumidor deve estar ciente do vício que o produto contém e deve haver um desconto proporcional ao estrago. Omitir do cliente as reais características do produto incorre em publicidade enganosa, que pode render ao fornecedor detenção de três meses a um ano, além de multa.
Caixa violada
Se o consumidor receber um produto com a caixa violada, mesmo que, aparentemente, a mercadoria se apresente em perfeitas condições, deve-se informar o fornecedor desde logo. Isso porque, com o uso, pode ser revelado um dano que só ocorreu devido à embalagem maculada – e, aí, o prazo legal para a reclamação já pode ter caducado.
Atraso na entrega
Outra reclamação comum dos consumidores em épocas de grande volume de compras, como a Black Friday, é sobre a demora na entrega das mercadorias. Antes de tudo, é preciso estar atento às condições da compra estipuladas pelo fornecedor.
“O prazo de entrega é o que foi acordado no momento da compra. Muitas vezes, o consumidor não dá atenção para a leitura das condições, onde deve constar quando o prazo começa a ser contado, se é a partir do pagamento, do envio, etc”, afirma a professora de Direito do Consumidor, ressaltando que a partir do momento que a loja cobra pelo frete, é preciso fornecer um código de rastreamento e o prazo deve ser cumprido à risca.
Caso o cliente perceba, por meio desse rastreio, que não recebeu o produto no prazo, o primeiro passo é entrar em contato com a loja para pedir esclarecimentos. Se o problema se estender, pode cancelar a compra e receber o dinheiro de volta, com juros e correção monetária.
Uma dica que Luciana dá é a plataforma Consumidor.gov.br, onde empresas participantes se comprometem a receber, analisar e responder reclamações dos consumidores em até 10 dias, evitando que as questões vão até a Justiça. “Muitas vezes, além de resolver a situação, a loja dá um crédito ou um desconto em futuras compras, como forma de compensação”, comenta.
Dano moral
Mesmo que haja vias alternativas para a resolução de problemas consumeristas, não são raros os casos que chegam à Justiça envolvendo o atraso na entrega de produtos. Em entrevista anterior à Gazeta do Povo, o advogado Bruno Boris, professor da Universidade Mackenzie, explicou que a jurisprudência trata atrasos menores, de dois ou três dias, como situações cotidianas, que não geram direito ao ressarcimento por dano moral.
Já atrasos maiores, que chegam a um mês, podem resultar em indenização. “Ainda mais se contava-se com o produto para um casamento, formatura, ou para presentear alguém no Natal, por exemplo, e ele foi encomendado com antecedência razoável”, complementa Luciana. Para tanto, o consumidor deve demonstrar, de forma explícita, os danos que sofreu, qual foi a situação incômoda pela qual passou.
Erro justificável
Muitas vezes, quando o produto é ofertado com um preço muito abaixo do original, ainda que em épocas de promoção, o fornecedor pode alegar erro justificável ou evidente na oferta, podendo cancelar a compra e devolver o dinheiro do consumidor.
“O erro evidente é uma criação jurisprudencial, não existindo um percentual, um parâmetro, variando de acordo com as circunstâncias da situação. O que eu me sinto muito à vontade de falar é que a hipótese de erro durante Black Friday é muito menor, pois surge da ideia de queima de estoque”, afirma a advogada Luciana Xavier. Segundo ela, o consumidor tem a expectativa de que vai conseguir grandes barganhas e ao se deparar com preços muito baixos, imagina que é por conta da data especial. Guardar provas das promoções, por meio de folhetos ou prints, é recomendado.
Em tempos “normais”, quando o preço ofertado tem muita discrepância com o comumente praticado, o consumidor não pode se “aproveitar” da situação, pois tanto ele quanto o fornecedor têm o dever de agir de boa-fé – podendo responder na Justiça por seus atos.
Idoneidade da loja
Por fim, não custa ressaltar que é sempre recomendado que se pesquise a idoneidade da loja, ainda mais nos casos de compra online, por meio da verificação de qual é o endereço físico e se existem canais de relacionamento com o consumidor. Também é indicado acessar o histórico de reclamações a respeito da empresa em plataformas como o Reclame Aqui, o próprio Consumidor.gov.br e junto ao Procon local.
Leia também: Reclamar online sem motivo pode gerar condenação na Justiça
Deixe sua opinião