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Os juristas Aury Lopes Junior e René Ariel Dotti, em evento em Curitiba | Polyndia /Divulgação
Os juristas Aury Lopes Junior e René Ariel Dotti, em evento em Curitiba| Foto: Polyndia /Divulgação

A imparcialidade que deve permear o Judiciário, atrelada à noção de que cada parte envolvida no processo tem sua função, perdeu-se – e a Justiça sequer tenta disfarçar. É o que pensa o jurista Aury Lopes Junior, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Para ele, o que se vê atualmente é “juiz praticando ato de parte, parte querendo fazer ato de juiz, Ministério Público fazendo acordo e estabelecendo penas, se colocando no lugar do juiz e juiz mandando prender de ofício”.

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Lopes Junior foi um dos convidados do XIII Simpósio de Direito Constitucional, que aconteceu em Curitiba. Ainda, em palestra proferida na última sexta-feira (1°), o jurista afirmou que, muitas vezes, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) é “deprimente”. Na visão do criminalista, o que se observa são votos que carecem de fundamentação jurídica e acabam tendo caráter político, num discurso de combate à impunidade. 

O professor da PUC-RS não foi o único a apontar, no evento, falhas cometidas pelo Poder Judiciário no âmbito do processo penal. Fauzi Hassan Choukr, pós-doutor pela Universidade de Coimbra, apontou que principalmente nos últimos três anos os conceitos de presunção de inocência do réu e as práticas de execução antecipada da pena no país, quando ainda há recursos para serem julgados, vêm sendo alvo de distorções. 

“Os anos parece que não foram suficientes para afastar de uma vez por todas a distinção entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade. Não foram suficientes para se entender que qualquer prisão anterior à sentença condenatória irrecorrível é possível, a título cautelar, com fundamentos e finalidades cautelares, mas que não pode se estender no tempo de modo a se transformar em pena antecipada”, afirmou. 

Para Choukr, a criação da figura da execução provisória da pena acabou por acomodar o Estado na situação de não prover o julgamento em tempo oportuno. Segundo ele, dentre os países de estrutura democrática e vinculados a um sistema regional de direitos humanos, o Brasil é o único onde se fala sobre essa figura, pois o ordenamento internacional público e o ordenamento comparado tratam a prisão anterior à condenação irrecorrível como um tema de processo cautelar. 

‘Parte da imprensa alimentou um discurso que foi assumido por segmentos da comunidade jurídica de uma maneira incompreensível, a dizer que nós temos um ordenamento absolutamente irreal, porque no resto do mundo não é assim’, comenta, citando exemplos como a Constituição de Portugal e o Código de Processo Penal Alemão, que estabelecem que se pode prender sim antes de condenar definitivamente, mas com fundamentos cautelares. 

“Aos olhos desses ordenamentos internacionais, dizer que alguém aguarda preso 5, 8 ou 10 anos o julgamento de mérito é inconcebível, absolutamente irracional”, complementou.

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Crise de identidade 

Na visão de Aury Lopes Junior, a crise de identidade entre as figuras da jurisdição criminal é uma das principais responsáveis pela crise atual do sistema. O criminalista aponta que a punição é necessária, uma característica da civilização. É preciso, contudo, observar as “regras do jogo”. Enquanto de um lado se tem uma Constituição democrática, do outro se vê um “Cógido de Processo Penal autoritário e fascista”. No meio, um juiz que não compreende qual é seu papel dentro do processo penal. 

Numa estrutura democrática acusatória, segundo Lopes Junior, o juiz fica afastado da arena das partes. Em uma estrutura inquisitória e autoritária, no entanto, o magistrado está em outro lugar, deslocado da natureza de sua função. “O problema no Brasil é que a gente não consegue romper com isso, para caminhar rumo ao processo penal acusatório que está desenhado pela Constituição”, diz. 

O que se observa, muitas vezes, é um magistrado que entra no processo já com a imagem mental formada e sem originalidade cognitiva, ou seja, na maioria das vezes a tendência é pender para o lado da acusação. 

Ativismo abusivo 

Outro a participar do simpósio foi o professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) René Ariel Dotti, que enalteceu a Constituição Federal e criticou os pedidos de intervenção militar às vésperas de uma eleição democrática. Foi muito aplaudido pelo público. 

Dotti afirmou que o fenômeno do ativismo judicial se choca com os papéis do Poder Legislativo e do Poder Executivo, pois consiste em uma interpretação das normas jurídicas de acordo com as convicções pessoais do magistrado, embora com fundamento em valores substanciais ancorados na Constituição. 

O jurista afirmou ser contra também o ativismo que estabelece restrição da garantia da presunção de inocência, que é uma das cláusulas pétreas da Constituição Federal. Defendeu, ainda, a instituição do habeas corpus. Para Dotti, são impetrados muitos habeas corpus porque são praticadas inúmeras ilegalidades pelo Poder Judiciário. 

“O habeas corpus foi considerado pelo STF como um instrumento de retardamento das ações penais, que também considerou que os processos demoravam muito em função de recursos protelatórios de advogados muito bem remunerados. Os advogados devem reagir a esse tipo de acusação, sem nenhum fundamento, porque é direito de toda pessoa recorrer até a instância suprema para a defesa dos seus direitos fundamentais”, observou. 

O professor também se mostrou favorável ao fim do foro privilegiado para todas as autoridades, com exceção dos presidentes dos três Poderes federais. O instituto seria, ao ver de Dotti, o grande responsável pela estatística gritante da impunidade no Brasil.

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