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O ministro Marco Aurélio em embate com a ministra Rosa Weber, no STF: homens interrompem com mais frequência a dala das mulheres nos tribunais | Nelson Júnior/STF
O ministro Marco Aurélio em embate com a ministra Rosa Weber, no STF: homens interrompem com mais frequência a dala das mulheres nos tribunais| Foto: Nelson Júnior/STF

Os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio de Mello se notabilizaram, entre outras coisas, pelo grande número de interrupções que fazem durante o voto dos colegas no Supremo Tribunal Federal (STF). No julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 4 de abril, o que ficou mais evidente para parte do público é que o alvo preferencial dos dois são as mulheres da Corte, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber. Até mesmo a mulher de Marco Aurélio o repreendeu pela conduta considerada inadequada.

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Nos últimos dias, o Judiciário brasileiro está sendo palco de outro embate, com o mesmo pano de fundo: o machismo nos tribunais. Há notícias de que pelo menos 15 juízas se desfiliaram da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) em protesto contra a programação do 23.º Congresso Brasileiro de Magistrados, que será realizado entre 24 e 26 de maio, em Maceió (Alagoas). De um total de 35 palestrantes, apenas os nomes de três mulheres constavam no folder de divulgação do evento.

O movimento das magistradas começou a ganhar repercussão em 3 de abril, ainda antes da sessão do habeas corpus de Lula. Naquele dia, a juíza Geilza Fátima Cavalcanti Diniz fez uma postagem no Facebook falando sobre seu pedido de desfiliação da AMB, e compartilhou o ofício com mesmo teor assinado pela colega Rejane Jungbluth. Nesse documento, ela ressalta que o “principal motivo de meu pedido reside na escolha de 26 palestrantes homens, de 28 no total” (outras confirmações foram feitas posteriormente). Segundo ela, isso representa uma “conduta incompatível com uma entidade que supostamente deveria promover a igualdade de gênero”, e acrescenta que há, inclusive, uma Secretaria de Gênero na AMB. Rejane é juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Sebastião.

Segundo reportagem do site jurídico Jota, outras magistradas do TJDFT aderiram ao movimento. Na última terça-feira (10), informou o site, a juíza Andréa Pachá, da 4.ª Vara de Órfãos e Sucessões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, também comentou sobre sua desfiliação – ela já foi vice-presidente da AMB e ocupou a presidência interinamente por alguns dias, na única ocasião em que uma mulher esteve no comando da instituição. Ela disse que não queria um “confronto”, mas que a iniciativa era necessária para mostrar o descontentamento com a situação. No congresso anterior da AMB, em 2015, de 35 nomes na programação, oito eram mulheres.

“Não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas”

Cármen LúciaIronia da ministra do STF, ao ser perguntada sobre o número de interrupções que os homens fazem nos julgamentos

Segundo o último Censo do Judiciário, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2014, o Brasil tinha 64% juízes e 36% de juízas nos vários graus de jurisdição. Esse é o mesmo percentual do Tribunal de Justiça do Paraná. Em São Paulo, por exemplo, a predominância masculina é maior: 68% a 32%. No Rio de Janeiro, a situação é mais equilibrada: 54% de homens e 46% de mulheres na magistratura. Na segunda-feira passada (9), teve início uma nova pesquisa do CNJ, a do Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros, que vai atualizar esses dados.

No último Censo, as magistradas foram questionadas sobre a desigualdade de gênero no Judiciário. Trinta por cento das magistradas relataram reações negativas por parte de outros profissionais do sistema de justiça por ser mulher. Em relação a processos de remoção e promoção na carreira, em comparação com os magistrados, a porcentagem que relatou enfrentar mais dificuldades é de 13,6% na média, mas o índice chega a 28% na Justiça Federal e a 21% nos tribunais superiores.

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Mansplaining

Em entrevista à Rádio Gaúcha, o ministro Marco Aurélio relatou que sua mulher, a desembargadora Sandra de Santis Mello, classificou a postura dele com as colegas de Corte como “indelicada” na sessão de julgamento do habeas corpus de Lula. No ar, ele pediu desculpas, mas destacou que foi o primeiro homem a receber o prêmio Bertha Luz, condecoração do Senado para quem luta pelos direitos femininos.

O público se dividiu sobre a conduta de Lewandowski e Marco Aurélio. Para alguns analistas e operadores de direito, eles adotam a tática de mansplaining, termo em inglês que se refere às interrupções recorrentes feitas por juízes nas falas das magistradas em que se fala de forma condescendente, como que para “explicar” o que seria certo ou não – na visão masculina.

O termo aparece em um estudo sobre o mansplaining na Suprema Corte dos Estados Unidos, feito pelos pesquisadores Tonja Jacobi e Dylan Schweers, da Northwestern University. A presidente do STF, Cármen Lúcia, em um julgamento de maio de 2017, falou sobre o levantamento, que fez análise sobre 7.239 interrupções, das quais 2.332 de homens e apenas 290 feitas por mulheres. Cármen Lúcia inclusive fez uma brincadeira, ao dizer que a juíza norte-americana a questionou sobre as interrupções no Brasil, ao que Cármen respondeu: “Não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas”.

Outro Lado

A AMB colocou nota oficial em seu site, dez dias depois que as primeiras desfiliações vieram a público. Informou que, “após o fechamento, em fevereiro, do primeiro material de divulgação, outros nomes foram confirmados”.

Cita, entre eles, os da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, e da desembargadora Maria Berenice Dias, aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

A AMB diz em nota que “é uma entidade plural e repudia preconceitos”. Segundo a associação, o 23º congresso exigiu a criação de uma comissão, composta por juízes e juízas, que se reúne desde julho de 2017. “Durante todo esse período, a comissão não recebeu nenhuma sugestão das juízas que resolveram deixar a associação”.

A AMB informou que a programação do evento “está sendo construída gradualmente”. “Ainda não fechamos a programação, pois nem todos os participantes ratificaram os convites, contando-se, dentre estes, diversas mulheres.”

“Seria descabido crer que a comissão decidisse privilegiar a participação masculina”. A entidade afirma que o número de mulheres já é recorde, o maior da história dos congressos.

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