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 | Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas
| Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

Em todos os processos criminais por sonegação fiscal há o seguinte panorama: a empresa suprime fraudulentamente pagamento de tributo e há a lavratura de auto de infração pela autoridade fiscal e respectivo procedimento administrativo, para averiguar se o tributo é, ou não, devido. Após essa fase - e somente após, nos termos da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal (STF) -, inicia-se a investigação e o processo criminal. Paralelamente a isso, há a execução fiscal do tributo, quando o valor passa a ser efetivamente cobrado pelo Estado.

O problema que se verifica é que, muitas vezes, a autoridade fiscal não tem se mostrado a mais justa em suas decisões na esfera administrativa. Não raras vezes é necessário rediscutir, judicialmente, através de embargos à execução fiscal, o que fora decidido em fase administrativa. 

Problema maior ocorre quando, antes de se ter a chance de discutir judicialmente o valor, agora inscrito em dívida ativa, o sócio administrador da empresa encontra-se ameaçado por condenação criminal pela prática de sonegação fiscal, cujo processo tramita, na grande maioria dos casos, mais rápido. Ou seja: sem sequer haver decisão judicial sobre a dívida tributária, há uma condenação criminal. 

Agora, e se após essa condenação houver desconstituição desse crédito tributário? O que acontece com esse período em que a pessoa ficou condenada criminalmente? O dano está causado e não há quem irá repará-lo. E isso, infelizmente, acontece na maioria dos casos. 

Mas há solução. Recentemente, os magistrados de 1º grau têm se mostrados sensíveis a esse problema, inovando em suas decisões. Tem-se autorizado a suspensão do processo criminal – independente do momento processual que se encontram - para aguardar o trânsito em julgado do processo tributário (no caso, dos embargos à execução fiscal). 

E isso acontece, hoje, sob dois fundamentos: (1) é sabido que, caso o acusado pague integralmente o tributo sonegado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, há a extinção de sua punibilidade - ele não recebe pena (HC 116.828/SP). De modo semelhante, o valor do tributo pode ser parcelado. Enquanto isso ocorre, o processo será suspenso até o completo adimplemento, quando igualmente haverá a extinção da punibilidade. Além disso, (2) sabe-se que para a empresa discutir judicialmente o tributo, com a oposição de embargos à execução, é necessário que o valor seja integralmente garantido. 

Nada disso é novidade no cenário jurídico, mas é no somatório desses dois fatos que se encontra a solução para o problema. 

Com a garantia de que o tributo, cedo ou tarde, será pago (eis que já está garantido), abrem-se duas possibilidades: (i) a empresa sai vitoriosa na esfera cível e, com o entendimento de que não há tributo sonegado, não subsiste o processo criminal; ou (ii) no caso de sucumbir, devido à garantia, há o pagamento integral do crédito - via de consequência, na esfera criminal, há a extinção da punibilidade pelo pagamento. Ou seja, em qualquer hipótese o resultado na esfera criminal será idêntico: não haverá imposição de pena ao acusado. 

Diante desse fato, o que se tem dito aos magistrados quando aceitam acusação por sonegação fiscal nesses moldes é que, absolutamente, não há motivo para manter ativo o processo criminal. Somente deve haver processo quando presente o “interesse de agir”, sendo um de seus elementos a “utilidade do processo”, que absolutamente não há no caso. Como dito, o processo penal nunca alcançará sua finalidade. 

O que se afirma é, exatamente, que não há qualquer utilidade em manter ativo ou seguir com processo criminal - designando audiências para oitiva de testemunhas e interrogatório dos acusados - que não haverá resultado. Nunca haverá imposição de pena. O processo está fadado a ineficácia. 

Reconhecendo a absoluta desnecessidade de manter ativo processo criminal nessas condições, já houve decisão do STJ (HC 155.117) concluindo pelo trancamento do processo criminal pelos exatos fundamentos aqui expostos. Segundo o relator, "os documentos juntados aos autos demonstram que foram ajuizadas ações cíveis contestando os autos de infração aplicados e os três débitos tributários que deram suporte à denúncia. Nos três casos foram oferecidas garantias integrais sobre os valores devidos, garantias estas já aceitas pelos respectivos juízos e pela Fazenda Pública". E concluiu que "dessas circunstâncias, não vejo razões que justifiquem a manutenção do processo criminal, pois em qualquer das soluções a que se chegue no juízo cível ocorrerá a extinção da ação penal, motivo pelo qual se mostra razoável o seu trancamento". 

Infelizmente esse não é o entendimento que predomina nos tribunais superiores. Há outros julgados que afirmam vigorar a independência entre as esferas, entendendo que o trâmite na esfera cível não teria o condão de influenciar o processo criminal (STJ; REsp nº 962087). Com esse fundamento, afastam a possibilidade do trancamento do processo. 

Apesar disso, de modo tímido, os tribunais vêm reconhecendo esse fato e aplicado entendimento que, em que pese intermediário, permite chegar ao mesmo resultado prático. Há decisões de nagistrados de 1º grau determinando a imediata suspensão do processo criminal até o trânsito em julgado do processo tributário. 

Com efeito, sabe-se que é possível a suspensão do processo criminal quando o fato dependa de decisão de outra esfera (chamada de questão prejudicial heterogênea; art. 93, CPP), mas somente é autorizada após o término da instrução e julgamento - ou seja, após ouvidas todas as testemunhas e interrogado os acusados. O que se tem visto, com sucesso, é uma reinterpretação da lei - que hoje conta com mais de 75 anos desde sua criação - sendo determinada a suspensão do processo antes mesmo desses atos. Em que pese não haja o imediato arquivamento do processo criminal, o resultado prático acaba sendo o mesmo: sua extinção após ter tido a chance discutir a autuação fiscal judicialmente. 

Foi nesse sentido a recente decisão, de 8 de agosto de 2017, da 8ª Vara Criminal de Curitiba (PR), que entendeu que “os argumentos apresentados pela defesa são consistentes, pois se acaso seja desconstituído o crédito tributário, os processos criminais serão extintos. Também, se o requerente não obtiver os processos criminais serão extintos resultado positivo na esfera fiscal, o pagamento da dívida já está garantido de forma integral e se assim for, ocorrerá a extinção da punibilidade. Ante o exposto, (...) acolho a pretensão da Defesa e suspendo o curso processual” (autos nº 0012403-82.2016.8.16.0013). 

E a vantagem vai além! Não só se garante que o diretor da empresa não seja condenado criminalmente enquanto não acabar a discussão na esfera cível, mas se permite à empresa escolher a melhor estratégia econômica para o caso.

Atuar com tranquilidade nos embargos à execução fiscal, sem a pressão do processo criminal, permite à empresa que discuta no tempo que precisar a matéria naquela esfera. E, talvez o mais importante, caso já se saiba que o crédito tributário (o todo ou parte dele) tenha que, cedo ou tarde, ser pago, abre-se a possibilidade de ser aguardado o surgimento de um Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) que seja mais vantajoso, o que permitirá, sempre, pagar menos do que realmente deve. Na prática, a suspensão do processo criminal equivale ao êxito. Caso, ao final, haja a necessidade de pagar, há ao menos a certeza de que se está pagando o mínimo.

Felipe Américo Moraes é advogado criminal, especialista em direito penal econômico e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

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