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O ditador de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e Raul Castro, ex-ditador da ilha.| Foto: Irene Pérez/Cubadebate

O Parlamento cubano aprovou em 22 de dezembro de 2023 uma nova Lei de Saúde Pública, que substitui a de 1983 e entre suas singularidades está a possibilidade de que pacientes graves da ilha solicitem a eutanásia ou o suicídio assistido.

Não, essas palavras não estão literalmente no texto legal. O presidente da Sociedade Cubana de Direito Civil e de Família, Leonardo Pérez Gallardo, um dos participantes do “debate” da nova norma – que, como era de esperar, se encerrou com o voto favorável unânime dos 470 deputados – anunciou ela como se a omissão do conceito da eutanásia ou o emprego de um eufemismo atenuasse a gravidade do fenômeno: “Se evitam termos como eutanásia na expressão da norma jurídica, e se utiliza o plural, que é importante: determinações”, disse ele.

Pérez fez alusão ao artigo 159.1 da nova lei: “Reconhece-se o direito das pessoas a acessar uma morte digna, mediante o exercício das determinações para o final da vida, que podem incluir a limitação do esforço terapêutico, os cuidados contínuos ou paliativos e os procedimentos válidos que finalizem a vida, dirigidos a pessoas com doenças crônicas degenerativas e irreversíveis, com um sofrimento intratável, que se encontrem em fase agônica ou terminal de vida ou que tenham sofrido lesões que as coloquem nesta condição”.

Para tornar isso possível, anunciou-se a aprovação de “protocolos padronizados de atuação multidisciplinar”, que só serão aplicados “quando for determinado pelo Ministério da Saúde Pública que estão criadas as condições para realizar essas ações no país”.

Pobreza extrema? Dor? Aqui está a saída

A mencionada unanimidade na votação sobre a “morte digna” pode responder, no caso cubano, tanto à tradição parlamentar de Cuba em aprovar absolutamente tudo o que regime comunista decida que tem que ser levado adiante, como à filosofia radicalmente materialista que – via educação e coação – permeou a consciência social desde 1959, e que identifica a dignidade com a plena autonomia física e mental do indivíduo e a ausência de toda dor.

Diante do grave déficit de medicamentos, muitas pessoas em Cuba estão recorrendo às redes sociais para pedir que alguém lhes venda ou doe antipsicóticos, remédios para pressão e até analgésicos fortes contra o câncer.

Uma norma deste tipo chega, precisamente, quando o bem-estar material e psicológico dos cidadãos cubanos está seriamente afetado por décadas de crise econômica, que se agravou desde que o governo do ex-presidente dos EUA Donald Trump (2017-2021) foi diretamente contra as vias de financiamento do sistema comunista. Como o turismo exterior, por exemplo, que por sua vez estava favorecendo o deslanche das pequenas empresas e a independência do cidadão em relação ao Governo. O tiro de misericórdia foi dado pela pandemia da covid-19 e uma calamitosa reforma econômica – conhecida como “ Tarefa de Reordenamento”, promulgada no início de 2021 – que se propôs a eliminar a dualidade monetária existente em Cuba desde 1994, mas que, dada a baixa produtividade crônica do país, teve efeitos devastadores na economia de milhões de lares, fundamentalmente em matéria de alimentação e saúde.

Para se ter uma ideia da gravidade da situação, bastaria citar o preço de um alimento básico: o ovo. No mercado informal, que é o único onde se pode conseguir, uma bandeja com 30 unidades está sendo vendida por 3 mil pesos cubanos (11 euros na cotação atual), enquanto o salário mínimo na ilha está em 2,1 mil pesos cubanos (8 euros). Ainda mais difíceis de levar à mesa são as carnes, os laticínios, frutos do mar... Essas carências fazem descer sensivelmente os níveis nutricionais e incidem, fundamentalmente, na saúde física e mental de pessoas com deficiência e idosos que vivem sozinhos.

O problema se agrava com a escassez de centenas de medicamentos que a indústria farmacêutica local já não consegue produzir nem o país pode se permitir importar. Em julho de 2023, o presidente da empresa estatal BioCubaFarma, Eduardo Martínez, informou ao Parlamento cubano que existia um déficit de 251 fármacos no país: 40% do quadro de medicamentos da ilha. Após o relatório, alguns deputados defenderam recorrer à “medicina natural e tradicional”, mas muitos familiares de pessoas doentes preferem recorrer às redes sociais para pedir que alguém de fora lhes venda ou doe medicamentos, tanto antipsicóticos e remédios para pressão quanto analgésicos fortes contra o câncer. Porque não: ninguém quer viver em um tormento, nem também morrer antes da hora, mas sim que lhes aliviem a dor.

Evidentemente incapaz de aliviar tantos neste momento, o sistema comunista optou por ensinar aos pacientes quase uma única porta. A porta errada.

Hoje, para os doentes graves; amanhã, para outros

Com uma taxa de 14,5 suicídios por cada 100 mil habitantes, Cuba está acima da média mundial (9,2 por 100 mil) nos registros da Organização Mundial da Saúde (OMS) correspondentes a 2019. Nesses, compartilha posição com países desenvolvidos como Suíça e Áustria (14,5 e 14,6), e está abaixo dos EUA (16,1).

No seu Anuário Estatístico de 2022, o regime cubano oferece cifras mais atuais e “menos ruins”: nesse ano o suicídio foi a décima causa de morte (1.432 pessoas; a taxa, de 12,9). Mas com a irrupção do suicídio assistido ou da eutanásia em uma data ainda por determinar, as asfixiantes circunstâncias econômicas, a precariedade do sistema sanitário e circunstâncias como a crescente solidão ou o isolamento da população de terceira idade – só entre 2022 e 2023 quase meio milhão de cubanos se mudaram para os EUA, a maioria em idade para trabalhar – podem propiciar um maior interesse por parte dos mais pobres, dos abandonados e dos deficientes por essa “saída” para suas aflições.

Não seria estranho que assim a vissem, a julgar pelas experiências de outros países. No Canadá, segundo explicava à Agência Católica de Notícias (CNA, na sigla em inglês) Alex Schadenberg, diretor da Euthanasia Prevention Coalition (Coalizão de Prevenção à Eutanásia, na tradução livre), a lei prevê que “quase qualquer pessoa com uma doença crônica (como as pessoas com deficiência) pode ser aprovada para receber a eutanásia”. É assim, diz, que a pobreza, a falta de moradia ou a indisponibilidade de determinado tratamento médico são os motivos reais pelos quais alguns deficientes pedem que lhes dêem a morte, “mas a eutanásia é aprovada por sua deficiência”.

Meghan Nicholls, diretora-executiva do Banco de Alimentos de Mississauga, localizada na província de Ontário, no Canadá, reforça essa afirmação com o que ela mesma constata entre as pessoas às quais sua instituição presta ajuda: “Estamos em um ponto em que os clientes desses programas nos dizem que estão considerando a morte com assistência médica ou o suicídio porque já não podem viver em uma pobreza extrema. [...] Um cliente do nosso programa de entrega a domicílio Food Bank 2 disse a um dos nossos funcionários que está pensando em suicídio porque está cansado de sofrer na pobreza. Outro cliente perguntou se sabíamos como solicitar a MAID (assistência médica para morrer) pelas mesmas razões”.

Se isso acontece em um dos sete países mais ricos do mundo, o que restará para aqueles habitantes de uma ilha do Caribe que fazem as contas e veem que sua pensão de aposentadoria não é suficiente para comprar uma bandeja de 30 ovos?

Certamente se dirá que a lei é clara: o procedimento é destinado a “pessoas com doenças crônicas degenerativas e irreversíveis, com sofrimento intratável”, etc., etc. No entanto, esses “claros” limites à eutanásia foram inicialmente estabelecidos em vários países, que acabaram, inevitavelmente, deslizando pela ladeira e expandindo de tempos em tempos os pressupostos de aplicação. Será Cuba a exceção?

Pontas soltas para a criminalidade

Por último, estão os erros. E a má fé. Dos primeiros, há suspeitas, quando não evidências, em casos ocorridos na Bélgica e na Holanda; situações em que os protocolos foram aplicados de forma leviana, como aconteceu em 2010 com a jovem belga Tine Nys, a quem a Comissão Federal para o Controle e a Avaliação da Eutanásia rapidamente aprovou seu pedido do procedimento, em vez de esperar o mês obrigatório; ou o caso de uma idosa holandesa que, no momento de receber a injeção, resistiu, levando os familiares a imobilizá-la para que a médica pudesse administrar o medicamento letal.

Um eminente neurologista cubano, o Dr. Calixto Machado, já havia alertado sobre irregularidades desse tipo - que nesses países, com divisão de poderes, levaram a processos judiciais -, ainda em 2019, quando a eutanásia, como possibilidade legal, começava a ser tema de interesse para o regime comunista.

Em um popular programa de televisão, Machado, então presidente da Sociedade Cubana de Neurofisiologia Clínica e da Comissão Nacional para a Determinação e Certificação da Morte, foi direto: “A legalização da eutanásia (não acredito que apenas em nosso país, mas em muitas partes do mundo) vai deixar pontas soltas para a criminalidade. [...] Para delinquir. Um idoso que vive com familiares, com uma grande herança, e com câncer de próstata, poderia ser levado por esses familiares a assinar algum documento aprovando sua eutanásia para que eles [os familiares] pudessem ficar com a herança dele”.

Para Machado, o foco deveria ser na necessidade de desenvolver cuidados paliativos para pacientes graves. É possível fazer, disse ele, “muitas atividades terapêuticas para mitigar a dor nesses pacientes; faz-se, por exemplo, a sedação paliativa pelos oncologistas” – e era essencial acompanhá-los. Com a dor controlada e a solidão vencida, “em muitas ocasiões, o pensamento dessas pessoas muda e elas já não querem morrer”, assegurou.

Há muitos exemplos disso, mas, naquele plenário reunido em Havana, os disciplinados aplausos a favor da falsa “morte digna” impediram que fossem ouvidos.

© 2023 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.

Conteúdo editado por:John Lucas
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