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Keith Raniere, da seita Nxivm, foi detido no México, em um condomínio de luxo, onde vivia com várias escravas sexuais | Reprodução/Facebook
Keith Raniere, da seita Nxivm, foi detido no México, em um condomínio de luxo, onde vivia com várias escravas sexuais| Foto: Reprodução/Facebook

A prisão do líder de autoajuda Keith Raniere, da seita Nxivm, detido em um condomínio de luxo onde morava perto de Puerto Vallarta, no México, nesta semana, trouxe à tona uma história de escravidão sexual – consentida – impressionante.

Keith, que afirmou por anos não ter dinheiro e sequer uma carteira de motorista, vivia em uma propriedade cujo preço de permanência gira em torno de US$ 10 mil por semana, com várias escravas sexuais.

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Mas, com a prisão de “Vanguard” (Vanguarda), como era conhecido por seus seguidores ao redor do mundo como, ao invés de manifestar alívio, suas escravas seguiram a viatura da polícia em seus próprios carros em alta velocidade.

O poder de Raniere sobre as suas seguidoras é exatamente a questão apresentada na acusação criminal federal, cujo sigilo foi levantado nesta semana.

Desde 2003, Raniere foi o responsável pela Nxivm (que se pronuncia Nex-i-um). A organização de autoajuda promete introduzir seus seguidores a “uma nova compreensão ética” com uma mistura de jargões New Age e de autodeterminação baseada em Ayn Rand, escritora norte-americana que desenvolveu o “Objetivismo”. No entanto, conforme as autoridades federais, Raniere usava de sua posição de poder para prender mulheres em uma relação bizarra de “mestre-escrava”.

“Raniere tem mantido um grupo rotativo de quinze a vinte mulheres com quem ele mantém relações sexuais”, diz a acusação. “Essas mulheres são proibidas de ter relações sexuais com qualquer pessoa além de Raniere ou de falar com outras pessoas sobre o relacionamento entre elas e Raniere. Alguns dos ensinamentos que faziam parte do currículo da Nxivm tratavam sobre a necessidade dos homens em ter diversas parceiras sexuais e a necessidade das mulheres em serem monogâmicas.”

As seguidoras, conforme a acusação, eram coagidas a fazer sexo com Raniere em nome da devoção ou pelo medo de exposição pública. As autoridades também acusaram Raniere de forçar mulheres a passarem por um bizarro ritual de “marcação” em que as iniciais dele eram queimadas na região pubiana com uma caneta cauterizadora.

Superdotado?

A prisão, que foi baseada nos depoimentos de oito supostas vítimas coletados pelo FBI – veio após anos de investigações da Nxivm por parte da mídia e de autoridades governamentais, com críticos atacando a organização como sendo um culto abusivo, em busca de sujeitos suscetíveis.

Os registros do tribunal não listaram um advogado para o réu. Mas, em uma declaração no site da Nxivm, Raniere negou qualquer transgressão. “Essas alegações são perturbadoras para mim, considerando que a não violência é um dos meus valores mais importantes”, afirmou.

Na biografia em seu site, Raniere afirma ter “dedicado sua vida a estudar as questões complexas que assolam nosso mundo moderno, e a desenvolver ferramentas para aprimorar a experiência humana através da comunidade, ação social, ciência, tecnologia e educação.”

De acordo com um perfil publicado pela revista Forbes em 2003, ele também afirmava “ter falado frases completas quando tinha 1 ano de idade, ter aprendido de forma autodidata conteúdos de matemática do ensino médio em 19 horas quando tinha 12 anos e, aos 13, ter aprendido o equivalente a três anos de estudos em matemática universitária e diversas linguagens de computador.”

Em 1998, Raniere fundou a Executive Success Programs Inc. (ESP); em 2003, a Nxivm teria fundado, segundo a acusação, uma organização “laranja” para as atividades da ESP e outras entidades afiliadas de Raniere.

“Irmandade” feminina operava como uma pirâmide com níveis de ‘escravas’ até ‘mestres’

“A Nxivm mantém características de um esquema de marketing multinível, comumente conhecido como sistema de pirâmide financeira, em que membros são recrutados com a promessa de pagamentos ou serviços ao cadastrarem outros no sistema”, afirma a acusação. Por exemplo, workshops com a duração de cinco dias “prometendo desenvolvimento pessoal e profissional” chegavam a custar 5 mil dólares. Realizações dentro do sistema são identificadas por faixas coloridas usadas pelos seguidores.

“O currículo da Nxivm ensinava que as mulheres possuíam fraquezas inerentes que incluíam naturezas ‘superemocionais’, uma inabilidade de manter promessas e a tendência a assumir o papel de vítima”, afirma a acusação. “A Nxivm opera em grande parte em segredo. Os ‘nexianos’ eram frequentemente solicitados a assinar acordos de confidencialidade e fazer promessas de não revelar certas coisas sobre os ensinamentos da Nxivm”.

Raniere aparentemente está no topo da organização. “Na minha opinião, a Nxivm é um dos grupos mais extremos que eu já investiguei, no sentido do quanto ela gira em torno de seu líder, Keith Raniere”, disse o especialista em cultos, Rick Ross, ao jornal Times Union, de Albany, em 2012.

Apesar das críticas, a Nxivm conseguiu vários defensores de alto perfil. De acordo com a Forbes, Stephen Cooper, na época chefe executivo da Enron, estava envolvido com o grupo, assim como Emiliano Salinas, filho do ex-presidente do México. Em documentos recentes apresentados no tribunal, o governo também alegou que Clare Bronfman, a herdeira da fortuna de bebidas Seagram, também é uma das maiores apoiadoras financeiras de Raniere. Ela não comentou sobre o caso.

A “irmandade” feminina de escravas

Conforme as autoridades, por volta de 2015, uma “sociedade secreta” foi criada dentro da Nxivm conhecida como DOS. Os membros da DOS foram atraídos a partir de seguidoras da Nxivm que estavam com dificuldades subir de nível no esquema maior da organização.

Seguidoras da sociedade exclusivamente feminina eram recrutadas por membros já ligados à DOS. Associadas em potencial eram abordadas com o discurso de que precisavam fornecer uma “garantia” como sinal de sua devoção e para assegurar que manteriam em segredo o que haviam aprendido. De acordo com a acusação federal, “garantia” significava “fotos explicitamente pornográficas”, vídeos de associadas contando “histórias condenatórias (verdadeiras ou não) sobre si mesmas, amigos próximos ou familiares”, ou cartas descrevendo os fatos alegados.

“A DOS opera como uma pirâmide com níveis de ‘escravas’ até ‘mestres’”, diz a denúncia. “De escravas é esperado recrutar escravas para si mesmas (tornando-se, assim, mestres), que em troca deviam serviços para toda a hierarquia acima da pirâmide da DOS”.

Essas tarefas aparentemente forçam uma escrava a agir como “assistentes pessoais das mulheres em postos mais acima – trazendo café, fazendo compras, fazendo almoço, carregando suas malas, limpando suas casas e buscando itens perdidos para elas”. Mas as demandas também incluíam atividades mais extremas, como banhos de água fria, ficar em pé por uma hora às 4 da manhã e realizar exercícios fisicamente excruciantes, de acordo com as autoridades.

Algumas tarefas, ainda, eram supostamente pensadas para tornar as mulheres mais atraentes fisicamente para Raniere. “Por exemplo, Raniere é conhecido por preferir sexualmente mulheres que são muito magras e algumas das tarefas das escravas requeriam que elas aderissem a dietas de pouquíssimas calorias e documentassem tudo o que comiam”, dizia os documentos do tribunal.

Membros da DOS faziam sexo com Raniere por medo de que suas “garantias” fossem expostas, alega o governo.

Cerimônia da “marcação”

A alegação mais séria da denúncia federal é aquela que trata da “marcação”.

De acordo com as autoridades, membros da DOS eram queimadas com uma caneta de cauterização em suas regiões pubianas. As mulheres tinham que se despir e então eram seguradas por outros membros enquanto a marcação era feita, dizem as autoridades. A “cerimônia” supostamente era filmada. O símbolo gravado na pele era dito como para representar os “quatro elementos”; autoridades, no entanto, afirmam que o símbolo na verdade “consistia nas iniciais de Raniere”.

Em outubro do ano passado, o New York Times publicou uma investigação sobre a Nxivm baseada no depoimento de desertoras da organização. O artigo incluía relatos das cerimônias de marcação. De acordo com os documentos apresentados no tribunal esta semana, logo após a publicação do artigo o governo começou a coletar depoimentos de testemunhas e vítimas. Em novembro de 2017, Raniere fugiu dos Estados Unidos para o México.

Levou um mês para que as polícias americana e mexicana pudessem localizar o guru em Puerto Vallarta.

Em sua declaração no site da Nxivm, Raniere afirmou que as alegações se tratavam de uma “irmandade feminina” que “não fazia parte da Nxivm”.

“Eu não possuo associação com o grupo. Eu apoio categoricamente o direito à liberdade de expressão, então o que a irmandade ou qualquer outro grupo social escolhe fazer não é da minha conta desde que não haja abuso.”

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