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Nova Iorque - Se tudo na sua vida estiver dando errado, ao menos seja grato pelo estoque de oxitocina no seu cérebro. Esse hormônio, além de ser um pequeno peptídeo, aparentemente é o que lubrifica as relações sociais, os atos de bondade e aquelas gentilezas que fazem a vida em sociedade possível.

Há tempos os cientistas sabem que a oxitocina tem um papel fisiológico essencial no parto e amamentação. Tes­­tes com animais também haviam mostrado que o hormônio tem ação sobre o comportamento, levando ratos a aninharem-se com parceiros ou limpar e acariciar os filhotes.

Agora, uma nova onda de pesquisas sugere que a oxitocina está por trás de dois pilares do mundo civilizado: nossa capacidade de sentir empatia e confiança.

De acordo com reportagem da revista Proceedings of the National Academy of Sciences, pesquisadores descobriram que diferenças de cunho genético na resposta de pessoas aos efeitos da oxitocina estavam ligadas à habilidade delas de entender expressões faciais, inferir as emoções de outras pessoas, condoer-se com dificuldades dos outros e até mesmo identificar-se com personagens em romances. "Comecei essa pesquisa com um grande ceticismo", diz Sarina M. Rodri­gues, da Universidade do estado do Oregon, uma das autoras do artigo. "Mas os resultados me deixaram boquiaberta."

Dinheiro

A oxitocina também pode ser um instrumento do capitalismo. Em uma série de artigos de revistas como Nature e Neuron, Ernst Fehr, diretor do Instituto para a Pesquisa Empírica e Economia, na Universidade de Zurique, e colegas mostraram que o hormônio teve um efeito surpreendente em convencer pessoas a confiar seu dinheiro a estranhos.

No experimento descrito na Nature, 58 rapazes saudáveis receberam uma aplicação nasal, contendo oxitocina, para alguns, e placebo para outros. Após 50 minutos, foram instruídos a jogar Trust Game entre eles, com unidades monetárias que podiam ser retidas ou usadas.

Os pesquisadores descobriram que aqueles que receberam oxitocina ti­­nham muito mais facilidade para confiar nos parceiros: enquanto 45% do grupo da oxitocina concordou em investir o máximo de di­­nheiro possível, apenas 21% do grupo que recebeu placebo tomaram essa decisão.

Além disso, os pesquisadores mostraram que o aumento da oxitocina não fez com que os participantes simplesmente se tornassem mais dispostos a assumir riscos e desperdiçar dinheiro por aí. Quando os participantes souberam que estavam jogando contra um computador, e não com um ser humano, não houve diferença na estratégia de investimento entre os grupos.

A confiança, ao que parece, é um assunto estritamente humano. Mesmo assim, o hormônio não transforma a pessoa em um boboca. Na edição de 1.º de novembro da Bio­­logical Psy­chia­­try, Simone Shamay-Tsoory, da Uni­­ver­si­dade de Haifa, e seus colegas relataram que, quando os participantes de um jogo de azar competiram com um jogador que eles consideravam arrogante, um spray nasal de oxitocina aumentou seus sentimentos de inveja quando o esnobe ganhava, e de satisfação malévola quando o oponente perdia. No en­­tanto, como regra, a oxitocina une as pessoas, não separa.

Análogos dessa molécula são encontrados em peixes, talvez para facilitar a delicada questão da fertilização ao inibir uma tendência natural dos peixes a se afastarem uns dos outros.

Demandas sociais

Quanto mais elaboradas se tornam as demandas sociais, mais papéis a oxitocina acaba assumindo, alcançando seu auge em mamíferos. Se você vai dar à luz uma ninhada de filhotes carentes, por que não deixar o mesmo sinal que ajudou a empurrar os chorões para fora dar dicas sobre como cuidar deles e alimentá-los? Se você é humano, inclinado a transformar tudo em uma questão de família, aí está a oxitocina novamente, para animá-lo e controlá-lo remotamente.

Sue Carter, da Universidade de Illi­nois, em Chicago, pioneira no estudo da oxitocina, suspeita de que a associação en­­tre o hormônio e o nascimento de um be­­bê durante muito tempo fez com que os cientistas não a levassem a sério. "Mas, agora que ela (a oxitocina) está entrando no mundo da economia e das finanças, de repente virou moda", diz Carter.

A oxitocina age como um hormônio, viajando através da corrente sanguínea para chegar a órgãos longe de sua origem, no cérebro, como um tipo de neurotransmissor, permitindo a comunicação entre os neurônios.

Ao contrário da maioria dos neurotransmissores, a oxitocina parece dar seu sinal através de apenas um receptor, uma proteína designada para reconhecer sua forma e tremer quando for abraçada; a dopamina e a serotonina, por sua vez, têm, cada uma, cinco ou mais re­­ceptores designados para cuidar de­­las. Ainda assim, os contornos precisos do receptor da oxitocina, que trabalha duro, variam entre indivíduos, o que causa um efeito aparentemente notável.

Em seu novo estudo, Rodrigues, Lau­­ra R. Saslow e Dacher Keltner, da Uni­­versidade da Califórnia, em Berkeley, observaram como duas variantes no código genético para o receptor poderiam influenciar a capacidade de uma pessoa sentir empatia, conforme avaliações de um questionário padronizado de empatia ("Eu realmente me envolvo com os sentimentos dos personagens de um romance") e uma tarefa comportamental chamada "Lendo a mente nos olhos". Nessa tarefa, os participantes olharam para 36 fotografias em preto e branco dos olhos de pessoas e foram instruídos a escolher a palavra que me­­lhor descrevesse o estado emocional da­­quela pessoa. Apreensivo, desconfiado, pensativo, alegre?

Em uma medição relacionada, sobre os possíveis efeitos calmantes da oxitocina, os participantes também foram avaliados quanto a sua reação ao estresse por ouvir uma série de sons bastante altos. Em sua amostra de 192 universitários de ambos os sexos, os pesquisadores descobriram que os que traziam a chamada versão A do receptor de oxitocina (aos quais estudos anteriores ti­­nham associado ao autismo e à falta de habilidade de ser pai/mãe), tiveram pontuação significativamente menor na tarefa de "ler os olhos" e maior no teste da tendência ao estresse, em comparação aos participantes portadores da variante G do receptor.

"Somos todos diferentes, e isso é bom", observa Rodrigues. "Se todos fossem melosos e sentimentais, o mundo seria detestável."

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