Soldados somalis patrulham os arredores de uma pequena loja de chá em Mogadíscio onde ocorreu um atentado suicida na última quarta-feira| Foto: Omar Faruk/Reuters
CARREGANDO :)

Ninguém consegue encontrar um número certo para os conflitos existentes hoje na África. São tantos e tão confusos que fica difícil apontar quem são os envolvidos e o que eles querem. Estima-se que quase a metade dos 55 países do continente esteja servindo de campo de batalha.

Cinquenta anos atrás, os rebeldes lutavam contra o apartheid ou contra o colonialismo. Agora, como explica o jornalista Jeffrey Gettleman, correspondente do New York Times na África Oriental, o que ocorre é "algo mais selvagem, bagunçado, predatório e difícil de definir".

Publicidade

Em um artigo para a revista norte-americana Foreign Policy, Gettleman diz que as guerras africanas parecem intermináveis por um motivo: "Elas não são guerras de verdade". Ele defende que os rebeldes atuando na África não têm ideologia nem objetivos claros e cita como exemplo um episódio ocorrido enquanto cobria a conferência para a paz em Darfur, em 2007. No evento, sediado na Líbia, os "líderes" rebeldes (as as­­pas são dele) estavam mais interessados nos bufês livres do hotel do que nas sessões de negociação.

"Dá para dizer que muitos dos rebeldes são simplesmente bandidos", afirma Gettleman, "oportunistas e agressivamente armados". O que torna impossível qualquer tipo de negociação. "Tudo o que eles querem é dinheiro, ar­­mas e permissão para matar. E eles já têm tudo isso."

O escritor nigeriano Chinedu Okafor, em entrevista à Gazeta do Povo, concorda que algumas guerras no continente africano são difíceis de entender. E cita os problemas de Mali, Uganda, Ar­­gélia, Marrocos e Líbia. "Todos esses [conflitos], em minha opinião, são insanos porque, quando você analisa as causas, não encontra nada que justifique as barbaridades que estão acontecendo", diz Okafor.

O nigeriano é autor do livro Os Escorpiões Vermelhos (Instituto Me­­mória), um romance histórico so­­bre várias das dificuldades enfrentadas pelos africanos. "A gênese do problema é a falta de confiança entre as etnias que formam os países da África", explica. Esses grupos foram levados a conviver quan­­do o continente foi dividido em países pelas nações colonizadoras, explica Okafor, "agrupando et­­nias diferentes, pessoas com culturas distintas e religiões distintas".

O resultado desse agrupamento somado à desconfiança é explosivo e Okafor exemplifica com a Líbia, país em que os rebeldes começaram desacreditados pelo mundo – palavras do escritor – e terminaram derrubando o go­­verno de Muamar Kadafi (1942-2011). "O que se vê na Líbia hoje é um cenário em que déspotas diferentes estão tentando passar a perna uns nos outros, e a questão da desconfiança tribal começa a exibir sua face horrenda", diz.

Publicidade

É uma situação que espelha o período em que a África, na se­­gunda metade do século passado, viu várias nações conquistarem a independência para, em seguida, enfrentar distúrbios internos sobre quem deveria assumir a li­­derança dos países autônomos.

Nos Estados Unidos, acaba de sair pela Cambridge University Press o livro Warfare in Indepen­­dent Africa ("Conflitos na África independente"), de William Re­­no. Na obra, o cientista político procura explicar os movimentos rebeldes africanos no passado e no presente dividindo-os em cinco grupos: os rebeldes anticoloniais, os que brigam por um go­­verno da maioria negra (contra a minoria branca), os reformistas, os déspotas e os paroquiais.

Sobre o cenário atual, Reno descreve um "beco sem saída nas piores partes do continente, com um excesso de conflito armado e uma escassez de transformação política".

O fim das guerras por independência dos anos 1960 e 70 mergulhou a África em um lamaçal de rebeldes déspotas (Somália, Con­­go, Serra Leoa etc.) e paroquiais (Nigéria, Níger), para usar a no­­menclatura de Reno. Ele escreve: "O ‘sucesso’ irônico dos rebeldes déspotas e paroquiais e das políticas de estado que os produzem é que eles servem de obstáculo para rebeliões armadas motivadas ideo­logicamente em sociedades africanas".

Reno foi o criador da expressão "estado sombra" para definir países africanos em que um mandatário toma decisões e assume atitudes que não se baseiam em leis nem em diretrizes escritas – ainda que elas existam. Nikki Funke e Hussein Solomon, professores da Universidade da Pretória, na África do Sul, analisaram as teorias de Reno. "Esses líderes minam as instituições governamentais enfraquecendo suas estruturas burocráticas e manipulando os mercados com o objetivo de enriquecer e aumentar seu poder de controle sobre os outros", dizem os professores.

Publicidade

Ordem política deixa de preocupar rebeldes

A próxima geração de rebeldes africanos deverá ser motivada por questões mais mundanas e se preocupar menos com a ordem política. A afirmação é do cientista po­­lítico William Reno, professor da Northwestern University, em Chicago, no estado de Illinois.

Para o escritor Chinedu Oka­­for, da Nigéria, a maioria das rebeliões da África nasce da ganância. "Mui­­tos presidentes que surgiram de movimentos rebeldes pa­­ra lutar contra a corrupção acabaram se tornando mais corruptos do que as pessoas que eles destituíram do po­­­der", diz. "Veja Paul Biya, de Ca­­­ma­­rões, [Abdoulaye] Wade, do Sene­­gal, [Blaise] Cam­­paoré, de Burkina Faso, [Laurent-Désiré] Kabila, do Congo, e o restante deles."

Mesmo líderes que são vistos com certa simpatia por parte de al­­guns analistas, como Yoweri Mu­­seveni (Uganda) e Paul Kagame (Ru­­anda), citados por Nicolas Van De Walle, da Universidade de Cor­­nell, em artigo para a revista Fo­­reign Af­­fairs, parecem não resistir a uma análise mais crítica. "[Kaga­­me e Mu­­seveni] po­­dem sugerir in­­sur­­reições reformistas, mas se você os analisar de ân­­­­gulos diferentes, verá ainda elementos de insatisfação tribal e ga­­nância de­­senfreada", afirma Oka­­for.

Em Burkina Faso, lembra o ni­­­ge­­­­riano, Thomas Sankara e seu primo Blaise Campaoré derrubaram Saye Zerbo em um gol­­pe em 1983. "Qua­­tro anos depois, Cam­­paoré as­­sas­­sinou Sankara e se tornou pre­­si­­dente. Isso não teve nada a ver com intenções reformistas e, sim, com pura fome de po­­der", diz.

Publicidade

Embora tenha argumentos con­­tundentes para censurar o que se passa na África, Okafor é também otimista. "Num futuro próximo, vejo essas rebeliões morrendo naturalmente quando os países africanos aprenderem a administrar suas riquezas e a ex­­tirpar a corrupção de sua política."