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O conflito no Líbano paralisa a paulista Samira Ghannoum, de 52 anos, que não consegue deixar Beirute com medo de ser novamente atingida por estilhaços de uma bomba israelense. Já o mineiro Tarik Rahal, de 15 anos, que visitava o país para conhecer a família paterna, resolveu se arriscar pelas estradas e enfrentar mais de 22 horas para fugir do horror da ofensiva de Israel. A brasileira que fica e o compatriota que vai dificilmente vão esquecer as mesmas imagens de destruição e mortes que atravessam impiedosamente o território libanês há duas semanas.

O estrondo das bombas persegue Samira há décadas. No início dos anos 80, quando Israel invadiu o Líbano, um míssil acertou um prédio ao lado de onde ela morava em Beirute e estilhaços atingiram seu pé direito. Seis parafusos no pé foram a herança de um período muito turbulento na História do Líbano. Um capítulo que a administradora acredita estar se repetindo com a mesma intensidade.

- Esta é a terceira pela qual passo. Não dá mais para fugir. Consegui mandar a família de volta para o Brasil. Não tenho condições de enfrentar as estradas, meu trauma é muito grande. Meu coração não vai resistir. Se eu tiver que morrer que eu morra aqui - contou Samira por telefone, de Beirute, ao GLOBO ONLINE. - Além disso, não posso abandonar minha casa, já que Beirute deve estar sendo invadida nos próximos dias por um milhão de refugiados -acrescentou.

Com residência fixa no Líbano há dois anos, Samira contou que a ofensiva do Estado judeu tem isolado bairros inteiros nos arredores de Beirute, não poupando hospitais, escolas, mesquitas e órgãos da imprensa. Os freqüentes cortes de energia a afastam ainda mais do mundo exterior. Segundo ela, o número de civis mortos deve aumentar consideravelmente, já que há muitos civis soterrados em áreas de difícil acesso.

- Israel está destruindo o Líbano. É um massacre. Tivemos três milhões de turistas no último ano. Todos estavam felizes com o fato de não termos mais guerras, o país crescia. De repente a gente acorda e percebe que está em guerra - contou Samira por telefone, de Beirute, ao GLOBO ONLINE. - Na verdade, somos prisioneiros dos dois lados, do Hezbollah e de Israel. O Líbano gera cobiça. O Irã e a Síria estão enfrentando Israel por meio do Líbano. Os mísseis passam por cima da minha cabeça diariamente. Já acertaram um alvo a menos de mil metros da minha casa. É pavoroso - emendou.

'Vaquinha' para ajudar brasileiros

O jovem Tarik estava em uma região libanesa ainda mais isolada, Jub Janine, no vale do Bekaa, entregue praticamente à sorte e à disposição de motoristas de ônibus que cobram uma fortuna para pôr os veículos nas estradas bombardeadas. No pesadelo de imagens e sons, a memória do estudante tem sido assaltada pelo ruído de um ataque inesperado e por cenas de um país destroçado.

- Meu filho me ligou e disse: 'Mãe, não tem sirene avisando que uma bomba está vindo. A gente ouve um barulho como se uma tempestade estivesse chegando, o barulho de uma forte ventania. E de repente a bomba cai' - contou ao GLOBO ONLINE a mãe de Tarik, a enfermeira Carolina Rahal, de Santa Rita de Sapucaí, no sul de Minas, onde a família vive. - Ele disse que testemunhou mais de vinte ataques e que estava muito amedrontado. Ele me falou, chorando: Mãe, estou muito nervoso, estou vendo muitas coisas terríveis' - completou.

Quatro dias depois de o conflito eclodir, Tarik seguiu com um avô até a fronterira com a Síria. Lá, foi recebido pela embaixada brasileira em Damasco, que no dia 21 embarcou o mineiro até Adana, na Turquia, que está concentrando os vôos de retirada de brasileiros. O trajeto durou quase um dia e o ônibus quebrou duas vezes.

Em Adana, Tarik foi levado para um hotel, onde a língua portuguesa faz o lugar se tornar mais familiar.

- Ele ligou de lá e contou que há muitas famílias de brasileiros chegando ao hotel só com a roupa do corpo, sem ter sequer o que comer. As pessoas estão fazendo vaquinha para que eles possam se manter - contou a enfermeira, que revelou ter vivido nos últimos dias os momentos mais angustiantes da vida. - Não sei se ele foi um sortudo, mas só posso agradecer ao Itamaraty pela ajuda que meu filho recebeu - acrescentou.

Tarik ainda não está no Brasil porque na última hora cedeu lugar no vôo para uma pessoa doente. O reencontro com os pais está marcado para a terça-feira, em São Paulo.

- Vou abraçá-lo e beijá-lo muito e, é claro, fazer as coisas que ele mais gosta de comer: pastelão de frango, torta de limã e doce de leite - disse Carolina.

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