De uns anos para cá, os biólogos passaram a ver muitas rãs doentes; depois, mortas. E daí não conseguiram mais encontrar nenhuma. Mas, agora, elas estão voltando a aparecer| Foto: Pixabay

Em 2013, duas biólogas chamadas Jamie Voyles e Corinne L. Richards-Zawacki passaram semanas trabalhando arduamente nas montanhas no Panamá. “Tomamos muitas picadas de insetos e ficamos exaustas”, recorda-se Voyles, agora professora assistente na Universidade de Nevada, em Reno.

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Perto do fim da trilha, elas pararam. O objeto que buscavam estava à sua frente: uma única rã Atelopus zeteki, dourada e preta.

“Não dá para descrever o que foi aquele momento”, disse Voyles.

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Ela temia que várias espécies de rãs-arlequim tivessem desaparecido completamente do Panamá. Até o início dos anos 2000, era fácil encontrá-las nas florestas de altitude elevada do país.

“Costumavam ser tão abundantes que a gente mal podia andar sem pisar nelas”, disse Voyles.

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Mas, de uns anos para cá, os biólogos passaram a ver muitas rãs doentes; depois, mortas. E daí não conseguiram mais encontrar nenhuma.

Várias outras espécies nas áreas pesquisadas por Voyles no Panamá tiveram esse destino cruel. O mesmo aconteceu com as rãs ao redor do mundo. Ela e outros pesquisadores descobriram que muitos indivíduos mortos estavam cobertos com o mesmo fungo de pele agressivo, conhecido como Batrachochytrium dendrobatidis, ou Bd.

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Conforme o Bd se espalhava de floresta em floresta, e de continente em continente, os pesquisadores temiam que os anfíbios pudessem sofrer extinções em massa. Hoje, muitas espécies de rãs e sapos ainda estão diminuindo, e algumas desapareceram por completo.

Retorno

Porém, cientistas como Voyles têm hoje um motivo de esperança: algumas espécies parecem estar voltando. Depois de descobrir rãs-arlequim novamente, ela e seus colegas retornaram aos locais de pesquisa no Panamá e encontraram outras variedades que haviam desaparecido anteriormente.

“Os números não são grandes; a abundância é baixa, mas achamos que, com o passar do tempo, encontraremos mais espécies que acreditávamos perdidas”, contou ela. 

Agora, os cientistas estão tentando descobrir a causa desse retorno. Na semana passada, Voyles e seus colegas publicaram evidências sugerindo que as rãs ganharam defesas cutâneas potentes contra o fungo.

Mas outros especialistas estão divididos em relação ao fato de os pesquisadores terem encontrado uma causa única; é possível que existam outras. Até mesmo a mudança climática – que impõe suas próprias ameaças a muitas espécies de rãs – pode ter temporariamente ajudado algumas delas a suportar o fungo.

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Testes

Quando Voyles redescobriu espécies que haviam desaparecido, suspeitou inicialmente que o fungo Bd se tornara menos mortal. Em surtos de outros patógenos, eles às vezes evoluíam para formas mais leves, não mais matando o hospedeiro do qual dependem para sua sobrevivência.

Para testar a ideia, ela e seus colegas conseguiram amostras congeladas do Bd coletadas no Panamá, em 2004, no início da epidemia. Os cientistas infectaram rãs com o antigo fungo e observaram como essas amostras se comparavam às novas cepas de Bd. “Ainda é bastante letal, mais de dez anos depois. Ou seja, eu estava errada”, disse Voyles. 

Havia a possibilidade de que as rãs tivessem mudado. No começo, a ideia pareceu improvável, porque não havia passado tempo suficiente para que evoluíssem. O Bd pode se multiplicar em questão de dias, mas pode levar muitos meses para que um sapo se torne um adulto sexualmente maduro.

Voyles testou a hipótese mesmo assim. Ela e seus colegas sabiam que as rãs combatem infecções com poderosas secreções da pele, que contêm moléculas que matam patógenos. Descobriram que, quando adicionavam essas secreções ao Bd cultivado em laboratório, o crescimento dos fungos era retardado.

Voyles queria saber se as rãs haviam desenvolvido secreções mais potentes, permitindo que se recuperassem. Para testar essa possibilidade, coletou secreções cutâneas de indivíduos em cativeiro no zoológico de Maryland, descendentes de rãs capturadas no Panamá antes da epidemia de Bd.

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Adicionou então secreções cutâneas dos animais em cativeiro às placas de petri de Bd e, depois, mediu a capacidade dessas secreções de desacelerar o crescimento do fungo.

Em seguida, fez o mesmo tratamento com secreções de pele retiradas das populações selvagens que reapareceram – e constatou uma grande diferença entre os dois ensaios.

“Tivemos várias espécies que apresentaram uma eficácia de duas a cinco vezes maior, o que é bem impressionante”, disse Voyles.

Ela sugeriu que algumas espécies de rãs incluíam indivíduos mutantes com secreções cutâneas mais eficazes contra o Bd. Muitos outros morreram, mas esses sobreviveram e passaram adiante seus genes de defesa.

James P. Collins, ecologista evolucionário da Universidade Estadual do Arizona, disse que achou a explicação de Voyles convincente. “Essa seria minha primeira hipótese”, disse ele.

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Mas Karen R. Lips, da Universidade de Maryland, não acha que os pesquisadores tenham um caso convincente em relação às secreções cutâneas. “Na verdade, não forneceram dados que realmente dão base à hipótese”, afirmou ela.

Para determinar o bom desempenho das secreções, segundo Lips, seria necessário infectar as rãs e ver se as mais fortes na verdade mantêm mais animais vivos.

Sistema imunológico

O ceticismo de Lips se originou em sua própria pesquisa sobre as defesas dos sapos. Em alguns de seus estudos, ela se concentrou não nas secreções cutâneas, mas nos genes envolvidos no sistema imunológico do animal.

Ela e seus colegas descobriram que algumas rãs respondem às infecções ativando muitos desses genes, usando-os para produzir lotes de proteínas relacionadas à imunidade. Só que todas morrem, assim como as que apresentavam uma resposta genética mais fraca.

“Seus genes enlouqueceram, mas isso não importa”, disse Lips.

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É possível que o sistema imunológico desses animais seja a chave da volta de algumas espécies, de suas secreções cutâneas, ou ambos. Também é possível que outros fatores sejam importantes.

O fungo Bd se desenvolve somente em temperaturas frias. Se algumas rãs migram para altitudes mais baixas, onde é mais quente, talvez sejam poupadas.

“A seleção acaba ocorrendo em animais que gostam de viver em lugares determinados, ao contrário daqueles que vivem em locais mais frios”, disse Collins.

Em alguns lugares, as rãs talvez nem precisem se mover para obter essa proteção. Em fevereiro, uma equipe de pesquisadores espanhóis relatou que o número de indivíduos de três espécies de rãs na Espanha está aumentando, apesar de o Bd estar presente no país, podendo infectar todas as espécies de lá. Concluem que o aquecimento global está elevando a temperatura do habitat das rãs, mantendo o fungo sob controle.

Nesses casos, os anfíbios podem estar vivenciando um alívio apenas temporário. Seu habitat eventualmente pode ficar muito quente não só para o fungo, mas para eles também.

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“O aspecto da secreção cutânea provavelmente não é o único fator influenciador. É provável que haja inúmeras razões para a sobrevivência de diferentes espécies e, em alguns casos, para sua volta”, admitiu Voyles. 

Ela também enfatizou que a recuperação de algumas linhagens não era motivo para relaxar e assumir que a natureza tomaria conta da crise de Bd.

“Quero passar a mensagem de que a coisa continua muito ruim. Esse retorno é, sem dúvida, um fio de esperança, mas de jeito nenhum significa que tudo está de volta e não há mais problema”, conclui.

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