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Sacos de lixo com solo contaminado retirado da região de Fukushima após desastre de 2011 | KO SASAKI/NYT
Sacos de lixo com solo contaminado retirado da região de Fukushima após desastre de 2011| Foto: KO SASAKI/NYT

Este povoado plácido e arborizado do interior, encostado em uma barragem, dificilmente se parece como a próxima área de testes dos esforços da China de cortar a fumaça e os gases do efeito estufa. Mas, entre os milharais e as decaídas casas de pedras cercadas de árvores de caqui, o governo tem a intenção de construir uma usina nuclear.

“Eles querem construir aqui, bem aqui”, afirma Wang Jiuxing, oficial aposentado do vilarejo, batendo o pé do lado de fora de uma loja abandonada, 869 quilômetros a oeste de Xangai, na província central chinesa de Henan. “Dizem que todo o trabalho preliminar já foi feito.”

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Hubin é uma das dezenas de locais em todo o país onde as autoridades estão com os planos prontos, só esperando algumas aprovações, para construir reatores na próxima década — um programa ambicioso para expandir o uso de energia nuclear que Pequim considerada essencial para tirar a economia chinesa de sua dependência de usinas a carvão, que poluem o ar e soltam dióxido de carbono.

No entanto, pergunte aos moradores daqui o que eles pensam da usina proposta e a conversa vai se voltar rapidamente para o péssimo registro de acidentes industriais do governo comunista e para o desastre nuclear de Fukushima, no Japão.

Os habitantes de Hubin serão realocados para casas novas a poucos quilômetros, mas muitos dizem que ainda se sentirão ameaçados por viver tão perto de uma estação nuclear.

“Não é seguro. Sempre vamos pensar: ‘E se houver um acidente grande, como o do Japão?’”, afirma Liu Shimin, fazendeira de 20 e poucos anos, que amamenta um bebê do lado de fora de sua casa perto da margem do Rio Yahe.

Esses medos estão aumentando na China à medida que a nação embarca em uma nova fase de construção de usinas que pode torná-la a maior produtora de energia nuclear do mundo até 2030. Para atingir seus objetivos, dizem os analistas, o país precisa adicionar de seis a oito unidades de reatores — uma usina geralmente tem vários — a cada ano na próxima década, mais provavelmente em províncias do interior como Henan e a vizinha Hubei.

Futuro econômico

O governo autoritário da China, adepto de calar a opinião pública para conseguir o que quer, pode impor seus planos mesmo com as objeções de pessoas como Liu.

Mas os opositores dizem que seu sistema fechado e secreto não está bem equipado para administrar uma expansão de força nuclear rápida, lembrando-se de sua luta para prevenir desastres industriais como a explosão química de Tianjin em agosto, que matou 173 pessoas.

“Os chineses começam a lidar com as mesmas questões que países ocidentais enfrentaram, como o medo da tecnologia, a transparência na tomada de decisões e a confiança das autoridades”, explica Mark Hibbs, especialista em questões nucleares do Fundo Para a Paz Internacional Carnegie que acompanha a China.

Para o governo e muitos especialistas em energia, o país tem duas opções: construir mais usinas nucleares, apesar da oposição do público e dos riscos para a segurança, ou continuar a contar com o carvão e aceitar a poluição e os gases do efeito estufa que sua queima causa.

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Se não expandir o poder nuclear, dizem eles, será difícil, se não impossível, para o presidente Xi Jinping cumprir sua promessa de impedir que as emissões de carbono da China cresçam a partir de 2030 — um compromisso feito no ano passado, em um acordo de mudanças climáticas com o presidente americano Barack Obama, e que se tornou um marco. Xi também prometeu que, até lá, as fontes das chamadas energias limpas totalizariam 20% da energia produzida na China.

“Muita coisa está em jogo. Se os chineses não fizerem direito, todos os seus planos de mudar o sistema de geração de energia para fontes que não liberam carbono poderiam ficar sob pressão considerável”, afirma Hibbs.

A China já opera 30 reatores de energia nuclear, a maioria na costa leste, responsáveis por 2,4% do consumo nacional de eletricidade. Mais 21 usinas estão sendo construídas, e a Associação Mundial Nuclear está analisando seriamente a proposta de mais 135 reatores. Em 2030, as autoridades querem que as usinas nucleares gerem 10% da eletricidade chinesa.

Locais escolhidos

Até agora, a China construiu seus reatores próximos da costa, onde há bastante água, necessária para os sistemas de resfriamento, e grandes cidades que precisam muito de energia. Mas a próxima fase irá começar as construções no interior e isso está se tornando o foco principal dos oponentes do programa nuclear.

Eles afirmam que fontes limitadas de água e um sistema de dispersão de radiação ruim tornam os locais propostos no interior mais perigosos, e que essas regiões têm mais população do que os lugares em que os reatores foram construídos em países como os Estados Unidos.

Eles se preocupam especialmente com o risco de vazamento de radiação no maior rio da China, o Yangtze.

“Se houver um acidente, o impacto ambiental de uma estação nuclear no interior será muito mais sério do que se fosse na costa. Imagine se o acidente de Fukushima tivesse acontecido no Rio Yangtze. Quantas pessoas teriam tido sua comida e água contaminadas?”, afirma He Zuoxiu, físico aposentado e o maior oponente da energia nuclear na China.

Os defensores do programa dizem que os locais propostos no interior não são muito diferentes daqueles na região costeira, e que os novos reatores serão muito mais seguros do que os modelos anteriores. Eles também argumentam que a administração de segurança nuclear da China é mais efetiva do que outras agências reguladoras do país, especialmente desde que o desastre de Fukushima levou Pequim a separar mais recursos para esse destino.

“Depois de Fukushima, eles vêm pensando sobre as lições aprendidas”, afirma Gavin Liu, presidente para a Ásia da Westinghouse Electric Co., cujo reator AP 1000 é uma das bases do plano chinês. “Acho que vamos ter um programa de construção nuclear mais robusto e confiável acontecendo aqui.”

Opositores da energia nuclear na China sustentam que o país pode alcançar seus objetivos de energia limpa sem uma farra de construção de usinas nucleares, investindo pesadamente em melhorar a obtenção de energia solar e eólica e melhorando a rede de força para que possa mandar energia de maneira mais eficiente pelas vastas distâncias do país.

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Eles apontam para as explosões fatais em Tianjin, onde produtos químicos perigosos aparentemente foram guardados de maneira imprópria em um local próximo a áreas residenciais, como exemplo do que a falta de regulamentação, a corrupção e o desleixo oficial podem fazer com as promessas do governo chinês de colocar a segurança em primeiro lugar.

“Essas lições jamais devem ser descartadas em um acidente com um reator nuclear”, avisou Wang Yinan, pesquisador de um grupo de discussão governamental e influente crítico dos planos nucleares, à revista chinesa Caixin em outubro. “Para a nossa estabilidade política, desenvolvimento econômico e ordem social, seria um fardo muito pesado para carregar.”

Estudos mostram que muitos chineses se oporiam a uma usina nuclear perto de suas casas, mas apoiam a energia nuclear em princípio. Esse apoio, no entanto, reflete a habilidade do governo de controlar a informação e desencorajar o debate, explica Arthur Mol, professor de Políticas Ambientais da Universidade Wageningen, da Holanda.

Xuehua Zhang, pesquisador de políticas ambientais que vem questionando os planos para a construção de mais usinas nucleares, especialmente no interior, afirma: “A participação popular nesse processo de decisão, se devemos construir e onde serão as usinas nucleares, é extremamente importante”.

Ning Li, reitor da Escola de Pesquisa Energética da Universidade de Xiamen, no leste da China, que apoia um maior uso da energia atômica, diz que os protestos “não no meu quintal” cresceram. “Até agora não atingiram o nível de parar com a energia nuclear, mas em alguns lugares o processo será mais lento”, afirma.

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