O senador por Vermont Bernie Sanders é um autodeclarado socialista que pretende taxar ricos e corporações e criar um serviço universal de Saúde nos EUA. Donald Trump, empresário bilionário e apresentador de reality show, é um ícone do capitalismo americano dos anos 80 e 90 que quer construir um muro na fronteira com o México. No espectro político, eles não poderiam ser mais antagônicos. Mas na corrida presidencial americana — a todo vapor a 16 meses das eleições —, Sanders, do lado democrata, e Trump, no campo republicano, têm algo forte em comum. Ambos dispararam nas pesquisas, são vice-líderes nos primeiros testes das primárias que escolhem os candidatos e estão influenciando o debate nos dois partidos que disputam a Casa Branca.
Nas últimas semanas, as pesquisas consolidaram a ascensão da dupla. A inevitabilidade da candidatura de Hillary Clinton foi desafiada por Sanders, que alcançou 33% da preferência democrata em Iowa (onde serão abertas as primárias e Hillary tem 52%) e 35% em New Hampshire (segunda parada, contra 43% da líder).
Disputando com 13 outros postulantes, Trump chegou à marca de dois dígitos em menos de dois meses. E no sábado conseguiu um empate técnico (15,8%) com o líder Jeb Bush (16,1%), de acordo com uma pesquisa Reuters-Ipsos. Chris Christie vem atrás, com 9,5% dos votos. Quando a pesquisa é refinada, com apenas três candidatos, Bush ganha com folga.
Aos 69 anos, o magnata imobiliário Trump entrou na corrida como um furacão. Ao anunciar a pré-candidatura, deu início à polêmica da temporada, ao afirmar que o México não manda para os EUA “seus melhores”, e sim “pessoas que têm muitos problemas, que estão trazendo drogas e crime, que são estupradores”.
O ultraje tomou conta da comunidade latina, de democratas (que estão fazendo amplo uso eleitoral do show de preconceito) e de parceiros de negócios. A associação dos jogadores de golfe cancelou torneio nos campos de Trump em Los Angeles, a loja de departamentos Macy’s encerrou contrato de linha de roupas do empresário e as redes Univision e NBC cancelaram a transmissão de concurso de miss sobre o qual ele tem os direitos, pra citar apenas alguns exemplos.
Poucas Chances Reais de Vitória
Republicanos de peso entraram em desespero. Desde 2012, quando recebeu apenas 27% dos votos latinos, o partido faz esforço para se reaproximar dos hispânicos, cada vez mais importantes nas eleições. O guru conservador Karl Rove chamou Trump de “completo idiota” e alertou que ele pode afetar gravemente a sigla. Pressionado por alarmados doadores, Reince Priebus, presidente do Comitê Nacional Republicano, ligou para Trump pedindo que ele baixasse o tom.
Direto e sem o filtro providenciado pela polidez dos políticos, Trump ignorou os apelos. O empresário, avaliam analistas, está apostando num discurso campeão de votos com a base ultraconservadora, que comparece em maior número às urnas nas primárias: o homem bem-sucedido, sem raízes partidárias, radical a ideias progressistas e sem papas na língua. E imigração é um dos temas que mais falam a corações e mentes deste grupo.
— Não tenho nada pelo que me desculpar. Vou conquistar a nomeação e ganharei o voto latino — delirou Trump.
Bernie Sanders, ao contrário, tem sido influência positiva no debate. Independente, ele concorre entre os democratas porque é aliado da bancada no Congresso. Aos 73 anos, psicólogo, carpinteiro ocasional, ex-líder do partido socialista União da Liberdade e ex-prefeito por quatro mandatos da maior cidade de Vermont, Burlington, ele mantém-se fiel à mensagem de toda a sua vida pública: os EUA estão à beira do colapso por terem sido capturados pelos plutocratas e devido ao crescimento exponencial da desigualdade.
— Nos últimos 30 anos, vimos uma transferência maciça de riqueza dos americanos comuns para os mais ricos e o povo está dizendo “basta”. Precisamos criar uma economia que funcione para todos e não só para um punhado de bilionários — diz.
O discurso captura uma preocupação crescente da população americana em geral e dos progressistas em particular. Esta ala desconfia da máquina por trás dos Clinton, da ligação de Hillary com Wall Street e de sua postura agressiva na política externa. E a candidata parece começar a se preocupar. Amanhã, deve anunciar sua plataforma econômica que, de acordo com o jornal “New York Times”, será focada na revisão da política interna, com o objetivo de aumentar a renda da classe média, estagnada durante anos apesar do crescimento da economia. Hillary considera que o aumento dos salários dos americanos médios é a “definição de desafio econômico do nosso tempo”, segundo um assessor de campanha.
Os comícios de Sanders são os mais badalados do atual ciclo eleitoral. Pregando um extraordinário plano de infraestrutura de US$ 1 trilhão para gerar empregos, aumento do salário mínimo para US$ 15 a hora, expansão da seguridade social, universidade gratuita, perdão parcial de dívidas estudantis e regulação pesada sobre os bancos, que seriam obrigados a encolher, o senador atraiu nas últimas duas semanas, 10 mil pessoas em Wisconsin, 8 mil no Maine, 5 mil no Colorado e 3 mil em Minnesota.
— Sanders deveria adotar o slogan de campanha “Mande uma mensagem para ela”, porque ele se transformou no mensageiro das preocupações que a base democrata tem com Hillary — diz o cientista político Larry Sabato, que comanda o projeto “Bola de Cristal” da Universidade da Virgínia.
A avaliação indica a resposta à pergunta sobre se são reais as chances de Sanders desbancar Hillary. A maioria dos analistas acredita que não, assim como descarta que Trump saia vencedor na disputa republicana. Os dois não têm apoio do establishment dos partidos, o que significa muito na corrida presidencial. Trump é ainda amplamente rejeitado: 63% dos americanos, incluindo 46% dos republicanos, definitivamente não votariam nele. Sanders esbarra na percepção de que não seria competitivo. Sua escalada está concentrada em bolsões progressistas, de maioria branca. Hillary tem apelo geral, junto a mulheres, negros e latinos.
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