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O Equador está enfrentando uma situação delicada em suas relações com a Rússia depois que decidiu anunciar abertamente sua intenção de enviar seu armamento russo considerado como obsoleto aos Estados Unidos em troca de um equipamento militar mais moderno.
O governo do presidente Daniel Noboa, que tomou posse em novembro do ano passado, alega que a medida é uma forma de reforçar a segurança interna do país, diante da guerra que está travando contra o crime organizado e a violência. No entanto, a decisão de se desfazer da "sucata russa", como classificou o presidente Noboa os equipamentos que estão em sua posse, não agradou o Kremlin, que acusa Quito de violar os contratos assinados com o país no momento da compra dessas armas e de ceder a uma “pressão” de Washington.
A ideia do Equador de se desfazer do armamento russo considerado como antigo pelas autoridades começou em dezembro de 2023. Em janeiro deste ano, Noboa afirmou pela primeira vez de forma clara que planejava trocar o que chamou de “sucata ucraniana e russa” por “US$ 200 milhões em equipamentos modernos”, que seriam fruto de um acordo militar de troca de armas fechado pelo seu governo com os EUA.
Segundo informações da mídia local, que não foram confirmadas pelo governo, entre os artefatos bélicos que devem ser entregues aos norte-americanos estão helicópteros, sistemas de lançamento de foguetes e canhões antiaéreos, que foram adquiridos pelo Equador da Rússia na década de 1990 e que, segundo o governo, já não servem mais para ser utilizados.
O embaixador da Rússia em Quito, Vladimir Sprinchan, foi o primeiro representante do Kremlin a se posicionar contra o envio do armamento russo para os Estados Unidos. Conforme informações da mídia equatoriana, Moscou acredita que tais armas, que Noboa afirma serem apenas "sucatas", podem ainda estar em bom estado de funcionamento, e que os EUA, ao adquiri-las, poderia querer enviá-las para Ucrânia, que poderia usá-las na batalha que está travando contra as forças russas que ainda estão invadindo seu território.
“Os norte-americanos não precisam desse equipamento, ainda mais quando se chama de sucata”, disse Sprinchan em janeiro, alegando que equipamentos militares de fabricação russa “o necessitam os que sabem manejá-lo”, fazendo uma clara alusão às tropas ucranianas.
Além disso, o diplomata enfatizou naquele momento que o Equador não podia transferir o material bélico sem o consentimento de Moscou, e que isso estava “especificado nos contratos de compra”.
Deixando o assunto ainda mais quente, a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, também decidiu se pronunciar no começo deste mês sobre o tema, qualificando a decisão do Equador como “irreflexiva” e de ter sido tomada sob “sérias pressões de figuras interessadas desde o exterior”.
Zakharova questionou o fato de Washington querer adquirir um equipamento que está sendo qualificado como “sucata” e de estar oferecendo em troca disso armas modernas que custam “umas somas consideráveis”.
“Esperamos que Quito [também] entenda assim”, disse a porta-voz russa na ocasião.
Por sua vez, Noboa tem defendido repetidamente o direito do Equador de transferir essas armas, reafirmando sempre que elas são “sucatas”. Ele disse também que seu país não tem interesse em romper as relações com a Rússia por causa disso, mas que a postura do Kremlin nesse momento “não é adequada”.
Ainda em janeiro, a chanceler do Equador, Gabriela Sommerfeld, defendeu a soberania do seu país para “vender, doar ou trocar” esse tipo de armamento, apontado como obsoleto. Ela também disse que essa foi uma das propostas de cooperação militar que os Estados Unidos ofertaram ao Equador neste momento de crise, uma oferta que “não é ilegal”, nas palavras de Sommerfeld.
“O Equador tem um acordo com os Estados Unidos para entregar esse equipamento que não está servindo mais e em troca receber equipamentos que estão sendo mapeados e determinados pelo Ministério da Defesa para que venha e nos ajude no controle da segurança interna”, observou a chanceler equatoriana.
Retaliação?
A tensão diplomática causada pelo acordo de troca de armas entre o Equador e os EUA parece ter começado a gerar repercussões comerciais negativas para o país sul-americano nesta semana, quando o Kremlin decidiu, por meio do serviço russo de vigilância veterinária, impor diversas medidas restritivas contra a importação das bananas equatorianas.
O serviço de vigilância do Kremlin informou que suspendeu, desde a última segunda-feira (5), a autorização de cinco empresas equatorianas exportadoras de banana devido à suposta detecção de um "inseto devastador" que estaria presente na fruta. Pouco depois, anunciou também que havia aplicado a mesma medida, que passou a valer a partir desta sexta-feira (9), para algumas flores que também são importadas do Equador.
A decisão de Moscou não caiu bem em Quito. O governo equatoriano, que não engoliu a alegação russa sobre a descoberta do tal inseto devastador na fruta, viu as restrições impostas pelo Kremlin contra suas empresas exportadoras de banana como uma medida de retaliação do governo de Vladimir Putin à decisão de Noboa de entregar o equipamento bélico que afirma ser antigo aos Estados Unidos, aponta a mídia local.
O Ministério da Agricultura do Equador não se pronunciou oficialmente sobre o caso até momento. No entanto, fontes envolvidas com assunto de dentro da pasta afirmaram ao portal equatoriano Primicias que "estão sendo geradas reuniões de alto nível que permitam tomar uma postura de país".
Ironicamente, parece que os russos estão querendo atingir de forma "pessoal" Noboa, que é considerado o herdeiro de um “império da banana” e também nasceu nos EUA. A família do presidente equatoriano fez quase toda a fortuna que tem trabalhando setor. Atualmente, a Noboa Trading, empresa do qual o pai de Noboa, Álvaro Noboa (com fortuna estimada em mais de R$ 1 bilhão), é dono, é a terceira maior exportadora de banana do país.
Os representantes dos exportadores de banana e de flores equatorianas manifestaram sua surpresa e preocupação com a decisão da Rússia. Eles ratificaram que os produtos da oferta exportável do país sul-americano cumprem atualmente com todos os padrões sanitários e fitossanitários de qualidade exigida pelos mercados de destino.
Segundo o portal Primicias, a receita gerada pelas exportações de banana entre janeiro e novembro de 2023 do Equador alcançou a cifra de US$ 3,2 bilhões, dos quais US$ 690 milhões foram provenientes de envios feitos para os mercados russos.
Segundo a mídia russa, nove em cada dez bananas importadas no país procedem atualmente do Equador, ou seja, o país liderado por Putin é um grande parceiro nesse setor. Os russos também são considerados como o segundo maior importador de bananas do Equador, ficando atrás apenas da União Europeia (UE).
Junto ao mercado da banana, a Rússia representa atualmente cerca de 20% do destino das exportações do Equador. A Federação Equatoriana de Exportadores (Fedexpor) indicou que entre janeiro e novembro de 2023 as exportações não petrolíferas do país para a Rússia somaram cerca de US$ 841 milhões.