| Foto: Gilberto Yamamoto

Utilidades

Tecnologia almeja devolver a visão para cegos

"Parece que nós podemos construir uma arquitetura computacional que seja de propósito geral e que possa ser usada para uma ampla classe de aplicações", disse Rajit Manohar, professor de Engenharia Elétrica e da Computação na Universidade Cornell.

Quais poderão ser essas aplicações, daqui a 5 ou 10 anos, se essa tecnologia obtiver sucesso? Elas poderiam ser o tipo de tarefas que para os humanos são fáceis e com as quais os computadores se debatem – o reconhecimento de padrões para ver e identificar alguém, andar numa calçada movimentada sem esbarrar em ninguém, aprender com a experiência. Especificamente, dizem os cientistas, essas aplicações poderiam incluir robôs capazes de navegar um campo de batalha e serem treinados; aparelhos prostéticos de baixo consumo de energia que permitiriam aos cegos enxergar; e monitores de assistência médica computadorizados que vigiariam pessoas em casas de repouso ou emitiriam alertas a trabalhadores humanos se o comportamento de um residente sugerir doença.

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Cérebro é ágil e consome pouca energia

Ao projetar chips que podiam ter alguma semelhança estrutural ao cérebro, os assim denominados chips neuromórficos, a neurociência foi um princípio-guia da pesquisa chefiada por Dharmendra S. Modha, cientista da IBM. O cérebro é um mecanismo de computação ágil e de baixo consumo de energia – prova no mundo real de que isso é possível.

Um cérebro computa com um design drasticamente diferente do dos computadores de hoje. Seus processadores – neurônios – estão, em termos de computações, distribuídos de modo maciço; há bilhões num cérebro humano. Esses neurônios processadores estão embrulhados em seus aparelhos de memorização de dados – sinapses – de modo que os caminhos de comunicação do cérebro sejam extremamente eficientes e diversos, através dos axônios dos neurônios, que conduzem impulsos elétricos.

Uma máquina que adote esta abordagem, segundo Modha, representaria "uma mudança de paradigma crucial a partir da computação de von Neumann". Ele se referia a um design com processador e memória separados fisicamente e conectados por um canal de comunicação estreito e operando conforme métodos passo-a-passo sequenciais – a arquitetura von Neumann utilizada em computadores atuais, batizada com o nome do matemático John von Neumann.

Se o projeto tiver sucesso, ele poderia responder a crítica feita certa vez por Frederick Jelinek, pioneiro em reconhecimento de voz. Para apontar as limitações das máquinas diante das proezas da natureza, ele disse: "Aviões não batem as asas".

"Sim, mas tanto as asas dos pássaros como as dos aviões dependem dos mesmos princípios da aerodinâmica para levantar voo", disse Cristopher T. Kello, diretor do Laboratório de Mecânica Cognitiva da Universidade da Califórnia, em Merced.

A metáfora biológica já existia no princípio da computação moderna, nos anos 1940. Os primeiros computadores – monstros do tamanho de salas inteiras – eram chamados de "cérebros gigantes" ou "cérebros eletrônicos" nas manchetes e conversas do cotidiano.

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Conforme os computadores foram sendo aperfeiçoados e se tornaram capazes de algumas tarefas familiares aos humanos, como jogar xadrez, o termo usado passou a ser "inteligência artificial".

Na maior parte, a metáfora biológica tem sido somente isso – uma analogia simplificante em vez de uma plano esquemático sobre como trabalhar com computação. A engenharia, não a biologia, tem guiado a busca por inteligência artificial.

No entanto, os princípios da biologia estão ganhando espaço como ferramenta na computação. A mudança de pensamento resulta de avanços na neurociência e na ciência da computação e também da necessidade.

Circuitos em nanoescala não podem encolher muito mais. Os chips de hoje consomem muita energia, se aquecendo facilmente, o que limita o quanto os circuitos de um chip podem ser utilizados. Esses limites se aproximam conforme acelera-se a demanda por maior capacidade computacional para se dar conta de um surto de novos dados digitais a partir de sensores, comércios on-line, redes sociais, vídeos e bancos de dados de governos e corporações.

Para dar conta desse desafio, sem que se esgote o fornecimento de energia do mundo, uma abordagem diferente será necessária. E a biologia, dizem os cientistas, promete contribuir com mais do que metáforas. "Cada vez que olhamos para isso, a biologia fornece uma pista sobre como superar os limites da computação", disse John E. Kelly, diretor de pesquisa da IBM.

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Kelly aponta para Watson, o computador que responde perguntas, capaz de jogar "Jeopardy!" [programa de perguntas e respostas da televisão norte-americana], e que venceu dois campeões hu­­manos no começo deste ano. A máquina inteligente da IBM consome 85.000 watts de eletricidade, enquanto o cérebro humano funciona com 20 watts. "A evolução resolveu isso", disse Kelly.

Vários caminhos inspirados pela biologia estão sendo explorados por cientistas da computação em universidades e laboratórios corporativos no mundo inteiro. Mas pesquisadores da IBM e de quatro universidades – Cornell, Columbia, a Universidade de Wisconsin e a Universidade da Califórnia, em Merced – estão engajados num projeto que parece ser particularmente intrigante.

O projeto é uma colaboração de cientistas da computação e neurocientistas que começou há três anos. Nos últimos meses, a equipe desenvolveu o protótipo dos microprocessadores "neuros-sinápticos", ou chips que operam mais como neurônios e sinapses do que como semicondutores convencionais.

Engenharia reversa

No princípio, Dharmendra S. Modha, o cientista da computação da IBM que chefia o projeto, descreveu a pesquisa de maneira grandiosa como sendo "a busca para, via engenharia, recriar a mente através da engenharia reversa do cérebro".

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O projeto embarcou em simulações de supercomputadores com o propósito de igualarem-se à complexidade de cérebros animais – um gato, depois um macaco. A discussão e o debate entre cientistas auxiliou a orientar a pesquisa. A tecnologia produzida deverá ter as características de ser auto-organizada, capaz de "aprender", em vez de meramente responder aos comandos convencionais de programação, e consumir pouquíssima energia.

Tradução de Adriano Scandolara.