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Manifestante anti-Brexit na Parliament Square, em frente ao Parlamento do Reino Unido, Londres, 4 de setembro de 2019
Manifestante anti-Brexit na Parliament Square, em frente ao Parlamento do Reino Unido, Londres, 4 de setembro de 2019| Foto: Tolga AKMEN / AFP

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, sofreu duras derrotas no Parlamento nesta quarta-feira (4) que geraram dúvidas sobre a autoridade do seu governo e sobre os termos da saída do Reino Unido da União Europeia.

Os resultados expressivos das votações contra Johnson encerraram uma semana dramática na qual manifestantes protestaram pelo país e legisladores mudaram de lado ou foram expulsos de seu partido. Britânicos de todas as ideologias ficaram aborrecidos, frustrados e muitas vezes saturados por uma emergência nacional que parece não ter fim.

No centro do furacão está Johnson, um ex-jornalista bombástico, que é visto como um herói da cruzada pela independência britânica por seus fãs e como um charlatão não-democrático por seus inimigos.

Depois de apenas seis semanas no cargo, Johnson perdeu a maioria no governo, isolou alguns dos membros mais respeitados de seu partido e foi derrotado pelos legisladores três vezes em 24 horas.

Na noite desta quarta-feira (4), os legisladores da Câmara dos Comuns, como haviam feito na noite anterior, desafiaram a vontade de Johnson e, desta vez, aprovaram uma legislação que busca impedir um Brexit sem acordo em 31 de outubro e atrasar efetivamente a saída por mais três meses.

Mais de 20 membros "rebeldes" do Partido Conservador de Johnson se juntaram aos legisladores da oposição para lhe entregar uma derrota humilhante. A legislação ainda precisava ser aprovada pela Câmara dos Lordes, que planejava debater a questão na noite de quarta-feira, mas deve dar sua aprovação.

Uma hora depois, a Câmara dos Comuns levou Johnson a mais uma derrota em seu plano B: um projeto de lei para forçar uma eleição nacional antecipada em 15 de outubro. Johnson disse que os eleitores deveriam escolher se ele ou o líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn representaria o Reino Unido em uma reunião de líderes da UE sobre o Brexit em 17 de outubro.

Johnson precisava de dois terços dos 650 membros da Câmara dos Comuns para aprovar sua convocação para uma eleição geral, e teve apenas 298 votos. Os 247 legisladores do Partido Trabalhista abstiveram-se da votação.

O que é o Brexit sem acordo?

Se o Reino Unido não chegar a um acordo de retirada com os países membros da UE antes do prazo de 31 de outubro, o país será forçado a recorrer às regras básicas da Organização Mundial do Comércio em suas fronteiras. Os economistas preveem que isso pode atrapalhar enormemente as cadeias de suprimentos em áreas-chave como alimentos e medicamentos.

A antecessora de Johnson, Theresa May, procurou evitar essa possibilidade e solicitou extensões para ajudar a encontrar um acordo de retirada que ela pudesse aprovar no Parlamento. Embora o Parlamento tenha votado contra seus acordos três vezes, a casa também votou contra um Brexit sem acordo em janeiro, por 318 a 310 votos.

O problema é que essa votação não é vinculante. "Sem acordo" é o padrão e, ao contrário de May, Johnson se recusa a descartá-lo ou a pedir um aumento de prazo. Portanto, a menos que os legisladores que se opõem a um Brexit sem acordo consigam bloquear esse cenário ou formar uma maioria após uma eventual eleição antecipada, o Brexit "sem acordo" acontecerá.

Como seria o dia seguinte de um Brexit sem acordo para a Europa?

Um Brexit sem acordo será caótico tanto de maneiras previsíveis quanto das impossíveis de prever. A França contratou 700 agentes alfandegários extras, e a Bélgica e a Holanda contrataram centenas de pessoas cada para verificar as mercadorias que chegam e que vão para o Reino Unido.

Os líderes tentaram acalmar as preocupações. Mas a nova e repentina fronteira será um grande desafio. Pequenas e médias empresas serão especialmente afetadas, dizem os analistas, já que faz pouco sentido econômico para uma pequena empresa contratar alguém para lidar com as consequências de um Brexit sem acordo, quando ainda não está claro se isso acontecerá.

"As empresas menores que estão lidando com as muitas outras mudanças consideram que não há nada que possam fazer para se preparar para o Brexit", disse Paul Hardy, diretor para o Brexit em um escritório de advocacia.

Algumas políticas ainda estão em disputa. O governo britânico anterior havia dito que seria generoso com os cidadãos da UE que queiram viajar para o Reino Unido a negócios. Os aliados de Johnson sugeriram que eles poderiam ser muito mais rígidos em relação a vistos e outras burocracias, perturbando negócios e aumentando a possibilidade de represálias de países da UE contra cidadãos britânicos.

Por que há um impasse para fechar um acordo para o Brexit?

A alternativa mais lógica a um Brexit sem acordo é, é claro, um Brexit com um acordo. Mas como May descobriu quando ela era primeira-ministra, isso não é exatamente fácil. O Parlamento do Reino Unido está dividido entre aqueles que apoiam uma ruptura dura com a Europa, alguns que querem manter muitos dos vínculos existentes e aqueles que não querem o Brexit de maneira nenhuma.

E ainda, há a Europa. Qualquer acordo de retirada precisa primeiro ser acordado por unanimidade pelos outros 27 países da UE antes de ir ao Parlamento britânico. Até agora, o bloco mostrou grande consistência em defender seus membros; em particular, a favor da cláusula do acordo chamada "backstop irlandês", que visa evitar uma fronteira rígida entre a Irlanda do Norte, que é parte do Reino Unido, e a República da Irlanda, parte da União Europeia. A fronteira aberta entre as Irlandas contribui para a economia e tem papel importante na manutenção da paz na região.

Assim como outros defensores do Brexit, Johnson se opõe ao backstop e quer renegociar o acordo de retirada sem ele - algo que os Estados membros disseram que não é possível. Mas como um Brexit sem acordo não interessa ao Reino Unido e nem à Europa, ele pode tentar usar o prazo curto para convencer um lado a ceder.

Os legisladores que buscam adiar mais a data do Brexit nesta semana esperam que um acordo sobre o Brexit ainda seja possível, ou que o prolongamento do processo possa até resultar em um novo referendo.

Por que a oposição não apoiou o pedido de eleição antecipada?

"Queremos uma eleição para que possamos ter esperança pela eliminação desse governo", disse Corbyn. Mas ele considerou a moção de Johnson por uma nova eleição "uma atitude cínica de um primeiro-ministro cínico" que está tentando impor um Brexit sem acordo.

Antes de apoiarem uma eleição, Corbyn e seus colegas de partido insistiram que precisam garantir que uma saída sem acordo não aconteça em outubro, com a legislação aprovada pela Câmara dos Lordes e sancionada.

Johnson alfinetou Corbyn após a votação: "A conclusão óbvia é que ele não acha que vencerá". Corbyn é um líder de esquerda profundamente impopular entre muitos britânicos. Mas é Johnson quem está em uma posição extremamente fraca - e corre o risco de cair no mesmo atoleiro que custou o cargo de sua antecessora, Theresa May.

Johnson expulsou membros do Partido Conservador?

Johnson baniu de seu partido os 21 dissidentes que votaram contra ele na terça-feira. Ele parece esperar que eles sejam substituídos na próxima eleição por candidatos mais leais a ele e à sua visão do Brexit. Mas entre esses parlamentares expulsos estão algumas das figuras mais respeitadas do partido, incluindo dois ex-ministros das Finanças.

Também foi banido Nicholas Soames, 71 anos, neto do ex-primeiro ministro Winston Churchill, que atua no Parlamento há 37 anos. Johnson idolatra Churchill e escreveu uma biografia dele.

A perplexidade com essa expulsão foi resumida por Ruth Davidson, que era líder dos conservadores na Escócia até a semana passada. "Como, por tudo o que é mais sagrado, não há mais espaço no Partido Conservador" para Soames, ela tuitou.

Soames, que agora é um legislador independente, pediu a outros legisladores antes de uma votação que apoiassem a proposta sobre o adiamento, que ele disse que "apenas busca evitar o desastre de um Brexit sem acordo".

O que muda com a lei aprovada nesta quarta-feira?

O projeto de lei aprovado na Câmara dos Comuns nesta quarta-feira (que ainda precisa de aprovação na Câmara dos Lordes) exigiria que Johnson obtenha a aprovação do Parlamento até 19 de outubro para um acordo para o Brexit ou para uma saída sem acordo, ou que ele escreva para a UE buscando um adiamento de três meses no Brexit. Com a concordância da UE, a nova data do Brexit seria 31 de janeiro.

Na prática, a lei atrasaria o Brexit e proibiria um Brexit sem acordo no próximo mês sem a aprovação do Parlamento - que não acontecerá. Ela daria a Londres mais três meses para negociar os termos do Brexit, o que o governo não foi capaz de fazer no passado.

Durante anos, diplomatas da UE observaram May, negociaram posições com a UE e depois não conseguiram fazer com que o Parlamento a apoiasse. Eles tinham alguma esperança de que Johnson tivesse mais sucesso, mas agora disseram que estavam errados.

Os negociadores do Brexit da UE dizem que continuam na expectativa para ver novas propostas da equipe de Johnson. Mas eles estão se preparando para o impacto de um possível Brexit sem acordo. Eles reservaram US$ 858 milhões para ajudar os países da UE afetados por um Brexit sem acordo, remanejando dinheiro destinado a ajudar vítimas de desastres naturais e da globalização.

Ainda há chance de uma eleição antecipada?

Johnson afirmou que nem ele nem o povo britânico querem outra eleição geral, que seria a terceira em cinco anos. Mas sua posição pareceu falsa para muitos observadores. Na terça-feira de manhã, ele tinha uma pequena maioria, de apenas um assento, na Câmara dos Comuns. Na quarta-feira, após deserções e expulsões, ele estava com 43 assentos abaixo do necessário para a maioria, tornando quase impossível que ele aprove qualquer legislação, mesmo em outros temas além do Brexit.

Portanto, uma eleição pode ser inevitável - embora talvez não nos termos de Johnson. E ele parece estar seguindo uma estratégia arriscada.

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