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Primeiras páginas de jornais americanos do dia 21 de abril de 1999. Imagem: The Washington Post
Primeiras páginas de jornais americanos do dia 21 de abril de 1999. Imagem: The Washington Post| Foto: The Washington Post

As manchetes nos principais jornais americanos no dia seguinte ao massacre de Columbine foram chocantes – e elas estavam erradas:

"25 morrem em tiroteio na escola do Colorado" (The Washington Post)

“Atiradores invadem escola, matando 25 e ferindo 20" (Los Angeles Times)

"Massacre na escola: banho de sangue em Columbine deixa até 25 mortos" (Denver Post)

Na verdade, o número de mortos foi menor – 12 estudantes e um professor foram mortos em 20 de abril de 1999 pelos atiradores Eric Harris e Dylan Klebold, que depois tiraram suas próprias vidas. Mesmo assim, Columbine continuou sendo o pior tiroteio em escola na história dos EUA até o ataque na Marjory Stoneman Douglas High School, em 2018, que deixou 17 mortos.

Este sábado (20) marca 20 anos desde o massacre de Columbine. E enquanto a correção do número de mortos levou apenas um dia, outros aspectos dos primeiros relatos que se revelaram infundados permaneceram no subconsciente da nação.

"É frustrante porque sabemos muito por tanto tempo, mas as impressões iniciais são difíceis de mudar", disse Peter Langman, psicólogo que estudou extensivamente tiroteios em escolas, até que Sue Klebold entrou em contato com ele para ter uma maior compreensão sobre seu filho Dylan, enquanto escrevia um livro de memórias.

1. Harris e Klebold não estavam na “Máfia do Sobretudo”

Enquanto o massacre se desenrolava, estudantes disseram aos jornalistas que Harris e Klebold eram membros de um grupo conhecido como "Trench Coat Mafia", ou Máfia do Sobretudo.

O Washington Post colocou desta forma: "Os atiradores que ontem transformaram a Columbine High School em um cenário indescritível de carnificina eram membros de um pequeno grupo de excluídos que sempre usavam casacos pretos e passavam toda a sua adolescência na subcultura sombria da fantasia gótica, seus colegas disseram."

O Denver Post reportou: "Por vários relatos, o grupo também tinha interesse no oculto, na mutilação, no roqueiro Marilyn Manson e em Adolf Hitler".

E o New York Times: "Investigadores agora acreditam que entre os cerca de 12 estudantes do grupo estavam os responsáveis ​​pelo tiroteio em massa de ontem na escola secundária".

Alunos e investigadores disseram isso aos repórteres. Mas Columbine era uma escola grande com 2.000 estudantes. Muitos "não conheciam [Harris e Klebold], ou os conheciam apenas como garotos que às vezes usavam sobretudos", escreveu Langman em um artigo de 2008.

"Como resultado, as pessoas presumiram que [Harris e Klebold] faziam parte da Máfia do Sobretudo; essa suposição está errada."

No ano anterior ao tiroteio, quando Harris e Klebold estavam no primeiro ano do ensino médio, havia um grupo de estudantes, em sua maioria do último ano, que às vezes se referiam a si mesmos como a Máfia do Sobretudo.

Harris e Klebold conheciam alguns desses alunos, mas não eram considerados muito próximos ao grupo de amigos, determinou o Gabinete do Xerife do Condado de Jefferson, e não apareceram em uma foto dos membros da Máfia do Sobretudo no anuário de 1998. A maioria desses alunos se formou no ano anterior ao tiroteio.

A polícia também determinou que alguns estudantes confundiram Klebold com outro aluno que estava no grupo e se parecia com Klebold.

2. Harris e Klebold não eram excluídos ou solitários

Na fusão de Harris e Klebold com a Máfia do Sobretudo, eles se tornaram sinônimo da palavra "excluído", que apareceu em todas as principais reportagens dos jornais. O Post disse que as pessoas os descreveram como um "par isolado"; o Denver Post usou "solitários".

Mas uma análise completa da vida dos atiradores, que não foi baseada em relatórios de estudantes em pânico, refuta isso, disse Langman.

"Ambos tinham muitos amigos. Ambos se dedicavam a atividades escolares, atividades fora da escola, eles trabalhavam em meio expediente com alguns de seus amigos em uma pizzaria", disse Langman.

Ambos estavam em uma liga de boliche. Harris tinha jogado no time de futebol da escola no primeiro e no segundo ano, e jogava futebol e vôlei depois da escola, de acordo com o relatório do gabinete do xerife. Klebold estava em uma liga de beisebol de fantasia e tinha ido ao baile de formatura com uma amiga alguns dias antes do massacre.

3. O ataque não foi vingança por terem sofrido bullying

As primeiras reportagens também indicavam que Harris e Klebold buscavam vingança contra os colegas de classe que os haviam intimidado. O New York Times disse que Harris e Klebold parecem ter alvejado "colegas que zombaram do grupo no passado". O Washington Post disse que os estudantes os descreveram como "um alvo constante de escárnio por pelo menos quatro anos". O Los Angeles Times disse que os estudantes consideraram o ataque "uma resposta letal para insultos e preconceitos antigos".

Mas uma olhada nos registros da polícia e nos próprios escritos de Harris e Klebold pintam um retrato muito mais complexo, disse Langman. Sim, Harris e Klebold às vezes eram provocados, mas não estavam nem perto dos que mais sofriam bullying na escola e eram muito mais frequentemente os valentões do que as vítimas de valentões.

A maioria dos estudantes é provocada em algum momento, disse Langman, "então após um tiroteio, se os repórteres perguntarem aos alunos: "Fulano de tal era provocado?", a resposta, em média, será sim. O significado disso é completamente desconhecido."

De fato, os escritos pessoais de Harris mostram muitas "razões" para seu desejo de matar: Ele queria se ver como "a lei"; por prazer sádico; porque "vale a pena matar" a raça humana; e como vingança por ser provocado. A vingança era apenas uma entre muitas razões. Com muita frequência, Harris expressava o desejo de matar pessoas completamente desconhecidas.

Harris e Klebold não mataram nenhum dos estudantes que os provocaram; os atiradores de escolas raramente fazem isso, disse Langman. Os dois disseram até que sabiam que alguns de seus amigos poderiam morrer no ataque.

"Televisão adrenalina"

Os tiroteios em escolas não eram novidade em 1999; nos dois anos antes de Columbine, houve tiroteios letais em escolas em Pearl, Mississippi, West Paducah, Kentucky, Jonesboro, Arkansas e Springfield, Oregon.

Mas Columbine foi o primeiro desses eventos a se desenrolar ao vivo na televisão. O Chicago Tribune publicou uma reportagem sobre a singularidade da experiência; a Associated Press chamou de "televisão adrenalina". As redes foram posteriormente criticadas por revelar nas transmissões ao vivo os locais da polícia e de estudantes que fugiam ou se escondiam.

Desde Columbine, mais de 226 mil estudantes sofreram com a violência armada em escolas dos EUA, de acordo com dados do Washington Post. A frequência de tiroteios nas escolas provocou mudanças na cobertura jornalística com o objetivo de limitar imprecisões como as que se seguiram ao massacre de Columbine. O Instituto Poynter e a Voz da Educação para a Conscientização do Suicídio pedem aos jornalistas que evitem relatar testemunhos de segunda mão ou amplificar pequenos detalhes, e a Associação de Notícias Digitais da Radio Television adverte contra a transmissão dos locais de vítimas e policiais enquanto os atiradores ainda estão ativos.

Outros recomendam evitar o uso dos nomes dos atiradores ou publicar fotos que glorifiquem seus crimes. Isto é por causa de outro aspecto dos tiroteios em escolas modernas que começaram com Columbine – glorificação de atiradores em massa na Internet. Como mostra uma reportagem do Washington Post deste mês, mais de 150 estranhos aparecem no campus da Columbine High School todos os meses. Muitos são obcecados com os ataques e examinam os escritos e fotos online de Harris e Klebold.

Esta semana, uma mulher de 18 anos descrita pelas autoridades como "apaixonada" pelo massacre de Columbine viajou de sua casa na Flórida para o Colorado. Sol Pais imediatamente comprou o mesmo tipo de arma usada por um dos atiradores de Columbine em uma loja de armas a três quilômetros da escola, desencadeando uma grande caçada. Ela fugiu do FBI e tirou a própria vida - seu caso se tornando mais um lembrete da mitologia duradoura e perigosa dos tiros de Columbine.

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