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Henrique Capriles alega ter sido o vencedor da eleição | Tomas  Bravo/Reuters
Henrique Capriles alega ter sido o vencedor da eleição| Foto: Tomas Bravo/Reuters

Retórica vicia interpretação do Judiciário

Eduardo Saldanha, doutor em Direito Internacional

Primeiro a teoria e depois a prática. Em uma democracia deve haver a defesa de algumas premissas fundantes, dentre estas a defesa de direitos como a liberdade de escolher seus representantes, liberdade de imprensa, liberdade de expressão, liberdade de organização na busca pela defesa de interesses coletivos e no caso de violação a algumas dessas premissas básicas, o mediador, de forma independente, deve ser o poder Judiciário.

Em governos não livres, por assim dizer, governos que deturpem a liberdade democrática, por mais que utilizem o seu rótulo discursivamente, o cerceamento de liberdade é instrumento, a censura a jornais é constante, sendo que o Judiciário simplesmente atua como ratificador das políticas executivas, independente do grau de violação aos princípios fundantes da pseudodemocracia discursiva, a partir de concessões políticas.

Agora, à prática. Em um país onde a base do conflito político é a existência de duas metades, e não de uma maioria, tal qual afirmado por Henrique Capriles, a Venezuela é certamente um país dividido, mas que está subordinado a poderes não independentes, vide a composição do Tribunal Superior da Venezuela, o qual é formado basicamente por juristas ligados à atual situação, chavistas por essência.

Esta formação acabou por flexibilizar a própria Constituição Bolivariana, onde a diretriz interpretativa constitucional deixou de ser os princípios do Estado Democrático de Direito fundantes, em nome de uma retórica discursiva que perverteu a própria forma de interpretar e aplicar o texto maior da cidadania venezuelana, por mais chavista que este seja.

Nesse sentido dois episódios merecem maior reflexão sobre como a retórica política tem viciado a interpretação do Judiciário. O primeiro deles diz respeito à decisão do Tribunal de Justiça da Venezuela, presidido por Luisa Morales, que conduziu Maduro à presidência após a morte de Hugo Chávez, embora a própria Constituição Bolivariana definisse que o sucessor da presidência deveria ser o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello.

O segundo episódio, ocorrido logo após o resultado das eleições, e que evidencia ainda mais o direcionamento do poder Judiciário venezuelano está na afirmação da mesma juíza sobre a ausência de base legal para recontagem de votos da eleição presidencial. O que causa estranheza no presente episódio é o fato de a oposição sequer ter formalizado pedido de recontagem ou anulação, não existindo ainda fundamentos legais a serem aceitos ou rechaçados pelo Judiciário, o que ocorreu ao arrepio de qualquer princípio de independência do Judiciário e devido processo legal, foi a antecipação de uma decisão que deveria ser jurídica, sem ao menos ter havido um pedido.

Dessa forma me questiono: A afirmação judicial da retórica situacionista ao arrepio da lei é característica de um Estado Democrático de Direito?

O Comando Simón Bolívar, partido do candidato da oposição na Venezuela, Henrique Capriles, formalizou ontem o pedido de recontagem dos votos da eleição presidencial do último domingo. Horas antes, porém, a presidente do Tribunal Superior da Venezuela, Luisa Morales, declarou que não há base legal para uma recontagem, o que indica que a solicitação do oposicionista deverá ser rejeitada.

O chefe nacional da campanha opositora, Carlos Ocaríz, disse a jornalistas que foi solicitada a revisão de "máquinas e cadernos" de votação, e que houve uma reunião de "cerca de duas horas e meia" com a presidente do CNE, Tibisay Lucena. Após o pedido ser protocolado junto ao Conselho Nacional Eleitoral, Capriles afirmou através de sua conta no Twitter que é um pequeno grupo que rejeita a recontagem dos votos.

"Todo nosso povo, de uma tendência ou outra, está de acordo com a recontagem, é um pequeno grupo que se nega", declarou. Ele argumenta que a eleição de domingo foi fraudada e que ele teria vencido o pleito. Nicolás Maduro se elegeu com 50,8% dos votos, menos de dois pontos porcentuais a mais do que Capriles.

"Na Venezuela, o processo eleitoral é absolutamente automatizado, de forma que a contagem manual não existe", afirmou antes da formalização do pedido a presidente do Tribunal Superior. Ela citou a Constituição de 1999, que "eliminou o processo de contagem manual dos votos". Tecnicamente, a recontagem é possível já que um recibo em papel é emitido para o voto de cada eleitor. Porém, a legislação eleitoral do país não contempla essa possibilidade.

Morales é a mesma juíza que emitiu uma controversa decisão em março, segundo a qual Maduro se tornou efetivamente presidente após a morte de Hugo Chávez. Pela lei, entretanto, quem deveria ter sucedido Chávez era o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello.

A juíza acusou a oposição de "enganar" os venezuelanos e fazê-los acreditar que a recontagem manual é possível, levando a uma série de tumultos nos últimos dias. "Alguns venezuelanos se feriram e alguns foram mortos", declarou.

Oitava morte

O presidente eleito Nicolás Maduro confirmou ontem o falecimento de uma mulher devido aos incidentes violentos da última segunda-feira, o que aumentou para oito o número de mortos. "Nos informaram sobre o falecimento de uma compatriota que estava ferida", disse.

Maduro afirmou que a mulher, que identificou como Rosiris del Valle Reyes, faleceu em consequência de "um tiro nas costas" em um hospital de Caracas depois dos incidentes registrados nos arredores de um ambulatório onde trabalham médicos cubanos.

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