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Um ano depois do plebiscito que manteve o reino de Elizabeth II unido, a Escócia volta a cogitar a separação. E os ventos que sopram da Catalunha, onde partidos independentistas acabam de obter maioria absoluta nas eleições regionais, animaram os entusiastas da independência escocesa. Para a incredulidade de Westminster – o centro da política britânica e sede do Parlamento – que dava o problema como resolvido, o desejo de deixar a união de mais de 300 anos não arrefeceu. Pelo contrário: de 40% a 50% da população ainda aposta na independência, se as pesquisas de opinião estiverem certas.

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A primeira-ministra da Escócia e líder do partido nacionalista, Nicola Sturgeon, deixou claro que o assunto não apenas continua em pauta, como constará no novo manifesto - o documento que as siglas publicam tradicionalmente com o seu programa para os anos seguintes - que a legenda deve divulgar até o final do ano, antes das eleições regionais para o Parlamento. E já fala em uma nova consulta à população em 2021, mesmo após a derrota nas urnas em setembro do ano passado.

“O desejo da emancipação não diminuiu. Manteve-se estável, porém, em níveis relativamente elevados”, disse Jan Eichhorn, da Escola de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Edimburgo.

Alentada pelo resultado das eleições gerais, que deram ao Partido Nacional Escocês (SNP) a maioria esmagadora dos assentos escoceses no Parlamento britânico em maio, Sturgeon tem ignorado as palavras do premier britânico, David Cameron, sobre a vitória do “não” nas urnas no ano passado. Ele pensava ter colocado uma pedra sobre o assunto assim que se pronunciou sobre o resultado, apressando-se em afirmar à mídia britânica que a questão escocesa estava resolvida “por pelo menos uma geração”.

Mas seis meses depois, em maio deste ano, o SNP mostrou que estava mais vivo do que nunca e abocanhou nada menos que 56 das 59 cadeiras, deixando para trás trabalhistas e conservadores, os dois maiores partidos do país.

Por mais que muitos acreditem que a ameaça do SNP não passe de um blefe para obter mais benefícios nas negociações com o governo central, para Eichhorn existe um risco real de novo plebiscito. Vale lembrar que até agora o partido conservador não acenou com as prometidas mudanças constitucionais que assegurariam mais poderes e autonomia à Escócia. Segundo o professor, uma das condições é que o SNP obtenha maioria absoluta das cadeiras no Parlamento escocês em maio. Ou basta que se una ao partido verde, outro defensor da separação, em uma coalizão de maioria.

“As pessoas estão mais envolvidas do que nunca em política desde o ano passado. Tudo vai depender dos resultados do SNP nas urnas e, claro, da sua capacidade de provar que a Escócia fora do Reino Unido pode ser economicamente mais saudável, o que não conseguiu no ano passado. Este é ponto-chave. E foi justamente a razão da derrota do ‘sim’”.

Ao GLOBO, um integrante da campanha do “sim” reconheceu que ainda falta unidade entre os partidos defensores da separação para que outra empreitada pela independência ganhe fôlego. Mas garantiu que a retomada é totalmente plausível. Resta saber qual é o tamanho da disposição da população de reviver tudo de novo. Paradoxalmente, o funcionário público Jim Orr, que trabalhou como voluntário na campanha pela independência, é contra outra consulta. Segundo ele, o país está, mais uma vez, muito dividido sobre a realização de um novo plebiscito.

“Não acho justo forçar uma nova consulta depois de uma derrota importante em um tema que dominou a agenda por anos antes da votação. Precisamos de um governo que governe, há tantas medidas que precisam ser readequadas. E tantas questões referentes a educação, energia, saúde, governo regional” afirmou.

Alex Salmond, ex-primeiro-ministro da Escócia e antecessor de Sturgeon à frente do SNP, garantiu em entrevista ao jornal Independent no mês passado que, se o plebiscito fosse feito hoje, a vitória dos separatistas era certa. Ele renunciou ao cargo de premier e à liderança do partido uma hora depois do anúncio da derrota. Mas deixou a porta entreaberta.

“(A população) decidiu pelo ‘não’, neste momento. E eu aceito” disse após a derrota.

Sturgeon já avisou que o plebiscito constará no manifesto. Mas admitiu que o “gatilho” para a nova consulta deve ser uma mudança no cenário político mais consistente. Em seu favor, ela já tem o argumento da realização do plebiscito prometido por Cameron para o ano que vem sobre o desejo de os britânicos permanecerem na União Europeia (UE). Diferentemente do número crescente de eurocéticos no país, a Escócia é contra a saída. Isso significa que, se o Reino Unido votar por isso, e a Escócia, para ficar, esse poderia ser o motivo para um novo referendo.

A ala mais radical do partido, no entanto, acha que não é preciso haver alterações tão substanciais no cenário para justificar nova consulta. O fato é que todos se animaram com os rumos da Catalunha. Sturgeon chegou a dizer que o partido acompanha os desdobramentos na Espanha “com atenção” e a mídia escocesa tem dado cada vez mais espaço à disputa espanhola.

Para Eichhorn, contudo, o que motiva a população escocesa é muito diferente.

“Na Catalunha a questão está muito mais focada num movimento nacionalista. Há questões culturais e de idioma. Aqui a chave é a economia. E foi exatamente isso o que deu a derrota ao SNP no ano passado.”

A Escócia hoje tem uma situação diferente do resto do Reino Unido. Embora tenha um PIB per capita mais alto, convive com desigualdades cada vez maiores. O SNP tem defendido que boa parte das dificuldades econômicas são consequência do aperto fiscal ditado pela Inglaterra, de maneira desigual, e a falta de uma Constituição que garanta mais autonomia e poderes aos escoceses, obrigados a acatar as decisões de Londres.

Os catalães correspondem a 16% da população de 47 milhões de habitantes da Espanha. Já os 5,3 milhões de escoceses representam 8,3% dos britânicos. A Catalunha também é proporcionalmente mais rica - e, portanto, mais economicamente independente do resto da Espanha - com uma fatia de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas no país. A Escócia, por sua vez, tem uma economia que equivale a apenas 8% do Reino Unido.

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